Carta da Editora

Exército de machões

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Exército de machões Foto: Marco Bianchetti / Unsplash

Na tarde de terça-feira, 8 de março, Vera saiu de casa a pé para ir à academia. Enquanto subia a rua, avistou um homem descendo no sentido contrário, na calçada oposta. Em um movimento um tanto repentino, peito inflado, ele atravessou na direção dela, passou bem próximo. Sem abrir a boca, deixou claro o seu recado para aquele Dia da Mulher: EU SOU MACHISTA.

A frase estava estampada em letras pretas na camiseta branca. Nem precisaria do cassetete pendurado na cintura para que minha amiga apertasse o passo, mas o objeto dava um contorno de terror àquela intimidação bastante verossímil nos dias de hoje.

“Existe um exército deles”, pensou. 

EU SOU MACHISTA. 

O recado mudo ficou ecoando pelo resto da semana em sua cabeça. “Não duvido que estejam organizados, um exército de machões.”

Aconteceu em um bairro de classe média da capital gaúcha. Mas eu consigo imaginar a cena em qualquer cidade de um país governado por um presidente conhecido por frases asquerosas sobre mulheres.

Aconteceu em 2022. Poderia ter acontecido em outra década? Para Vera, não. “Quando que, nos anos 70, 80, alguém ia ter coragem de dizer, com orgulho, que era machista? Olha o retrocesso que é isso!”

Aconteceu com a Vera, 77 anos, mas poderia ser comigo ou outra mulher de qualquer idade. Foi justo com ela, cujo nome figura no Arquivo Nacional como uma das fundadoras do movimento feminista em Porto Alegre, um dos pretextos sob os quais foi perseguida e presa nos anos 1970 pela Operação Bandeirantes em São Paulo, onde vivia clandestinamente. Passou 24 horas longe do filho recém-nascido, torturada com a ameaça de nunca mais vê-lo.

Sobreviveu a esse episódio, lutou pelas Diretas Já e testemunhou avanços da pauta feminista. Tudo isso para, em 2022, ser intimidada por um babaca nas ruas de Porto Alegre.

É por essas e outras que o 8 de março é dia de luta. E assim seguirá.

*

Vera não se chama Vera. Ela prefere manter em sigilo sua identidade, mas fez questão de alertar outras mulheres com seu relato, ainda que de algumas pessoas tenha ouvido: “bem feito pra ti, quem manda andar sozinha por aí?”


Ataques nas redes

Um estudo inédito da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) mapeou a violência de gênero contra jornalistas. Com apoio do Global Media Defence Fund, da UNESCO, o levantamento identificou 127 jornalistas e meios de comunicação que foram alvos de casos do tipo, dos quais mulheres (cis e trans) representavam 91,3%. Do total de ataques em 2021, 71,4% tiveram origem ou foram repercutidos em ambientes virtuais, como o Twitter. A imensa maioria dos agressores identificáveis (95%) eram homens. Um exército de machões.


O homem que copiava

A pesquisadora Valeska Zanello, professora adjunta do Departamento de Psicologia Clínica da Universidade de Brasília e autora de Saúde Mental, Gênero e Dispositivos: Cultura e Processos de Subjetivação (Appris Editora), denunciou, na semana passada, o plágio de trechos de seu trabalho por um estudante de psicologia da UFRGS, que ficou famoso nas redes graças a textos sobre… masculinidade tóxica. O caso ocorreu há mais de um ano, época em que o estudante foi avisado por seguidoras e bloqueou a turma toda, inclusive Zanello. Agora ele se desculpou nas redes, reconheceu que errou ao não dar os devidos créditos e se comprometeu a revisar seus textos. No caminho, perdeu alguns seguidores, que já passavam de 300 mil no Instagram.


Marcela Donini é editora-chefe do Grupo Matinal Jornalismo. Contato: [email protected]

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