Acampamento golpista pede “intervenção federal” em frente a quartéis no Centro de Porto Alegre
Vestindo verde e amarelo, amotinados assustaram crianças na Feira do livro e seguem acampados a despeito de decisões judiciais que atestam seu teor antidemocrático
Em frente à Igreja das Dores, no centro histórico de Porto Alegre, um grupo de manifestantes acampados, vestidos de verde-e-amarelo, reunidos em rodas, entoavam, entre Aves-Marias e Pais-Nossos, o pedido: “Senhor Jesus, livrai o Brasil do comunismo”.
Contrários ao resultado da eleição presidencial e a uma série de decisões judiciais que atestam a ilegalidade dos bloqueios de estradas pelo país, os acampados pedem uma “intervenção federal” (uma variante dos pedidos anteriores de “intervenção militar” do 7 de setembro) diante do Comando Militar do Sul, já presidido pelo atual vice-presidente e futuro senador pelo Rio Grande do Sul, Hamilton Mourão. Ainda neste domingo havia pessoas reunidas na região dos quartéis.
O CMS negou envolvimento com as manifestações. Na sexta-feira à tarde (4), a atitude dos soldados da Brigada Militar era coerente com o que informou a corporação e se mantinha alheia, mas sem intervir no protesto. “Não temos nenhuma orientação quanto à legalidade ou não do acampamento, eis que não regramos a circulação de pessoas”, disse, em nota.
Os acampados tomaram os arredores da 13ª Bienal do Mercosul e da 68ª Feira do Livro na semana seguinte às eleições. Na quarta-feira (2), dois homens de camisetas da Seleção gritaram “Lula ladrão!” na entrada do teatro Carlos Urbim, que recebia uma plateia de crianças para a releitura da lenda do “Negrinho do Pastoreio”. Uma senhora pediu que os manifestantes aceitassem o resultado das urnas, mas um dos homens recorreu a xingamentos gordofóbicos.
“Dois homens tomaram as dores da mulher, e começou uma briga. As crianças começaram a gritar e chorar. Fui duas vezes na Brigada e não recebi apoio. Foi preciso o presidente da Feira ligar para o governador, que acionou o Comando da BM e somente então vieram conter a situação”, relata uma funcionária da Feira do Livro, que não quis ser identificada. A briga foi dissipada com uso de sprays de pimenta. Ninguém foi detido e não houve boletim de ocorrência do episódio.
Até esta sexta-feira (4) a assessoria de imprensa da Feira negava ter registrado outro incidente truculento, mas manifestou preocupação com o que ocorreria no final de semana. De acordo com a assessoria da Bienal, os três espaços da Praça da Alfândega passaram a fechar mais cedo – a saber, o Museu de Arte do Rio Grande do Sul (Margs), o Farol Santander e o Memorial do Rio Grande do Sul.
Juízes apontam ilegitimidade de atos contra eleições
Nesta semana, o Superior Tribunal Federal (STF) manteve, por unanimidade, decisão que determina o desbloqueio de rodovias paralisadas por caminhoneiros em todo o país desde a noite de domingo (30). O ministro e presidente do TSE Alexandre de Moraes entendeu que os direitos de reunião e greve são relativos, não podendo ser exercidos “de maneira abusiva”.
“As manifestações, em si mesmas consideradas, mormente no que obstruem, interrompem e obstaculizam de modo indiscriminado vias públicas federais, bem assim, também as falas de agentes da Polícia Rodoviária Federal, desnaturam e desvirtuam o direito de reunião, isso porque, segundo aponta o Ministério Público Eleitoral, são motivadas por uma pretensão antidemocrática, qual seja, um protesto contra a eleição regular e legítima de um novo Presidente da República”, escreveu Moraes na decisão.
Ao analisar um pedido de desobstrução de rodovias no Rio Grande do Sul, o juiz federal de Porto Alegre Carlos Felipe Komorowski, do TRF da 4º Região, assinalou: “Não há vida plena na ditadura. Jamais houve e continua não havendo, independente do país, da religião, da etnia ou do viés político, se de direita ou de esquerda. A vida é o bem maior reconhecido no ordenamento jurídico internacional. Vida das pessoas, vida dos animais e vida das plantas. Qualificada pela coexistência harmônica e sustentável, permitindo a evolução.” E seguiu: “O que explica o desejo pelo nazifascismo? O desejo de estar sob o jugo de ditadores, indefeso, sem os mecanismos existentes nas democracias para os fracos fazerem valer os seus interesses contra os fortes?”.
Nas escolas, ofensas classistas de estudantes contra colegas
O clima intimidatório também invadiu as escolas privadas de Porto Alegre logo após o primeiro turno. Em uma live, alunas do Colégio Israelita ofendem nordestinos e pobres com comentários classistas e preconceituosos. O colégio emitiu nota de repúdio na sexta-feira (4): “Estas ações em nada refletem nossos princípios filosóficos e nossa prática pedagógica. Nenhuma escola é uma ilha. Estamos inseridos em uma sociedade que se encontra em parte contaminada por dinâmicas disfuncionais. Mas vamos agir. O discurso de ódio não será tolerado. Dentro da legislação e dos nossos regulamentos, serão aplicadas as penalidades cabíveis.” O MP-RS abriu investigação do caso, que envolve também o Colégio Farroupilha.
No Farroupilha, uma aluna bolsista que comemorou a vitória de Lula em um grupo foi alvo de mensagens de ódio de cunho classista e machista. O colégio publicou uma nota em repúdio ao comportamento dos estudantes que ofenderam a colega e afirmando ter aplicado “penalidades previstas no Código de Conduta e Convivência”.
A escola já tinha protagonizado outro episódio relacionado à intolerância no período eleitoral. No dia 3 de outubro, a direção enviou um comunicado às famílias vetando o uso de símbolos partidários, exceto a bandeira nacional. A decisão atiçou práticas intimidatórias após o primeiro turno, segundo relatou Erlon Schüler, diretor do Sindicato dos Professores do Ensino Privado (Sinpro-RS). “Os professores estão com medo. Não querem falar dentro da escola, sentem-se coagidos. Há relatos de alunos constrangendo professores a tirar fotos com a bandeira do Brasil, investigando as suas redes sociais, perguntando em quem vão votar. Sabemos que a bandeira está sendo utilizada por um campo político. Permitir o uso da bandeira é dar guarida para um lado, e não outro”, disse. Foi preciso intermediação do Ministério Público Federal para que a proibição, denunciada pela Associação de Mães e Pais pela Democracia (AMPD), fosse reconsiderada pelo colégio, conforme matéria do Matinal.