Reportagem

“É confissão de crime”, diz deputada sobre vagas negadas a crianças pela prefeitura de Porto Alegre

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“É confissão de crime”, diz deputada sobre vagas negadas a crianças pela prefeitura de Porto Alegre Sofia Cavedon fala em abandono de investimentos na educação infantil na capital | Foto: Paulo Garcia/ALRS

Presidente da Comissão de Educação da ALRS, Sofia Cavedon explica que executivo municipal, responsável pelo ensino infantil, tem obrigação de garantir vagas para crianças a partir de 4 anos, idade de frequência escolar obrigatória

O déficit de vagas no ensino infantil em Porto Alegre é pelo menos o dobro da fila de espera divulgada pela prefeitura no início do ano. Um levantamento inédito da Matinal mostrou que a rede municipal precisa criar 12,3 mil novas vagas para atender a meta do Plano Nacional de Educação (PNE).

O documento prevê, até 2024, a universalização da educação infantil para as crianças de 4 a 5 anos e creche para pelo menos metade das crianças até 3. ​​Isso significa que, além de zerar a fila de espera, de 6,3 mil vagas, a gestão de Sebastião Melo precisa criar outras 6 mil vagas.

Para a deputada estadual Sofia Cavedon (PT), as ações anunciadas pelo executivo até o momento são insuficientes para reduzir o déficit e atender o PNE. Nesta entrevista, a deputada, que é presidente da Comissão de Educação da Assembleia do Rio Grande do Sul, diz ainda que o município comete um crime ao negar vagas para crianças em idade escolar obrigatória, de 4 a 17 anos. A parlamentar também aponta histórico de negligência dos últimos governos com a educação infantil.

Veja a seguir os principais trechos da conversa:

Matinal – Como explicar tanta criança fora da escola?

Sofia Cavedon – Nós tivemos uma paralisia no investimento de abertura de vagas na educação infantil e perda de vagas. A gente identificou em Porto Alegre reduções como a escola Unidos da Paineira, que foi fechada alguns anos atrás, uma escola infantil inteira. Depois fechou o berçário da EMEI Max Geiss, na zona norte, que teve problema na estrutura do prédio e foi para dentro de uma escola estadual, a Poty de Medeiros.

Esses são apenas dois exemplos de redução de atendimento. Mas já no governo Fortunati, teve problemas na construção das escolas infantis Pró-infância, programa do governo federal na gestão da Dilma. O governo Fortunati deixou sete escolas infantis inacabadas, parou a construção no último ano por problemas da empresa, e Marchezan simplesmente não retomou essas obras. A única que foi reconstruída foi a Marista, na zona norte, quase Alvorada. Houve um abandono da expansão da educação infantil. Não sei se por não priorizar, por incompetência ou por burocracia.

O município também não construiu escolas demandadas e conquistadas no Orçamento Participativo, como, por exemplo, a São Judas Tadeu, na vila do lado da PUC, com área reservada e um projeto realizado pela UFRGS, sustentável. O Marchezan não acreditava nas demandas do OP. Pior, ele achava que tinha que ser tudo via PPP. E o governo Melo continua nessa toada. E o Tribunal de Contas, neste mesmo relatório que tu citaste na reportagem aponta prejuízo financeiro na compra de vagas.

Matinal – Esse déficit superior à demanda manifesta já foi trabalhado por você em audiência da Comissão de Educação. Como o governo tem respondido aos seus alertas?

Sofia Cavedon – O governo vem trabalhando com a demanda manifesta, que são pessoas que procuraram. São 6 mil que procuraram a prefeitura pedindo vagas. A ex-secretária (Sônia da Rosa) ficava repetindo esse dado solto. Aliás, temos um governo que já está no terceiro secretário, não tem planejamento. A gente tem documento da Smed negando vaga em idade escolar (aqui um exemplo), o que é confissão de crime. 

Outro aspecto muito importante: a prefeitura nega o que determina o Plano Municipal de Educação, um desdobramento dos Planos Estadual e Nacional de Educação, segundo os quais, até 2024, nós temos que ter 50% das crianças de zero a três anos na escola (além de 100% das crianças de 4 e 5 anos, conforme mostrou reportagem da Matinal). Já fizemos três reuniões na comissão de educação do Conselho Tutelar, levantando a demanda e exigindo que o governo nos diga como é que vai ser atendido o ano que vem. 

Temos um governo que já está no terceiro secretário, não tem planejamento.

Sofia Cavedon, deputada estadual

O governo só anuncia que a Unesco vai construir cinco creches. A prefeitura passou, no ano passado, 30 milhões para a Unesco, mas só em 2025 vamos ter essas creches. Também dizem que estão avaliando um possível aumento na rede conveniada. Tá, mas qual é o número? Não sabemos. É completamente insuficiente o que o governo municipal apresentou até agora diante da necessidade de vagas na educação infantil para 2024. O prejuízo deste ano é enorme, e não é recuperável.

Matinal – Que soluções deveriam ser consideradas?

Sofia Cavedon – Tenho insistido há anos no regime de colaboração com a rede estadual. Crianças de 4 e 5 anos já foram atendidas pela rede estadual antes do Fundeb, quando era Fundef*. Todas fecharam porque o Fundeb não remunera o estado pelo atendimento da educação infantil. Essa rede é de 240 escolas em Porto Alegre. Se tu colocares uma turminha de 20 alunos em cada uma delas, tu já consegue 5 mil vagas.

A gente tem documento da Smed negando vaga em idade escolar, o que é confissão de crime.

Sofia Cavedon, deputada estadual

Eu tenho batido nessa tecla porque o município pode botar o professor ou a professora na escola estadual, a criança conta para o censo escolar, e, assim, o município recebe esses recursos (do Fundeb). É a solução mais simples, mais barata, mais prática, mais rápida. Eles não aceitam.

Matinal – E qual a justificativa?

Sofia Cavedon – Na época do Fortunati, não se considerava essa hipótese. A gente chegou a fazer um levantamento de todas as escolas aqui estaduais do Centro Histórico quando eu era vereadora. Fomos de escola em escola, e apresentamos o potencial de atendimento à educação infantil nas estaduais, mas não convencemos a secretária Cleci (Cleci Jurach, secretária de educação na gestão de José Fortunati)

O Melo, no início deste ano, quando eu apresentei o relatório da educação infantil, disse que iria fazer regime de colaboração. Só que eles ficam fazendo um jogo de palavras. Dizem que estão avaliando as escolas, mas, na verdade, são escolas que o estado ofereceu para municipalizar. Mas não é municipalizar. A prefeitura pegar alunos que atendidas hoje no ensino fundamental do estado não dá pela enorme demanda. Não dá porque não vai caber no teto da lei de responsabilidade fiscal, vai ficar com gasto com pessoal extraordinário, e deixar de atender a educação infantil. 

O governo (municipal) está seduzido por Eduardo Leite, que quer municipalizar escolas de ensino fundamental 1 (de 1º a 5º ano). Por isso, patina, porque não tem foco na educação infantil. 

Matinal – Como é a situação fora de Porto Alegre?

Sofia Cavedon – Algumas cidades da região metropolitana têm um grave déficit. As piores situações são em Alvorada e Viamão, onde o atendimento infantil é pífio. Em Novo Hamburgo, por exemplo, para garantir escola para crianças de 4 e 5 anos, eles recuaram do turno integral. Novo Hamburgo não tem mais turno integral nenhum na educação infantil, é seríssimo.

O atendimento da creche também é uma luta das mulheres, para poderem ter autonomia financeira.

Sofia Cavedon, deputada estadual

Ou seja, houve uma universalização em alguns lugares com o custo de tirar o turno integral. E isso é um custo muito grande para as crianças e para a luta das mulheres. Porque o atendimento da creche também é uma luta das mulheres, para poderem ter autonomia financeira, poder trabalhar.

* Aprovado em 2020, o Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação) atende toda a educação básica, da creche ao ensino médio. O modelo substituiu o Fundef (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério), que vigorou entre 1998 e 2006 e destinava recursos somente para o ensino fundamental.


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