Reportagem

Fora da escola: faltam 12,3 mil vagas para crianças na rede municipal de Porto Alegre

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Fora da escola: faltam 12,3 mil vagas para crianças na rede municipal de Porto Alegre Reportagem revelou que falta de vagas em creches é o dobro da demanda trabalhada pela prefeitura | Foto: Marcela Donini

Prefeitura trabalha com uma demanda de 6,3 mil vagas. Mas um levantamento da Matinal revela que o déficit é o dobro. Todos os municípios brasileiros têm até o ano que vem para garantir matrícula para todas as crianças de 4 e 5 anos e pelo menos metade de 0 a 3. Falta de creches sobrecarrega especialmente as mães das periferias 

Shaiane Souza da Silva, 41 anos, não sabe se conseguirá voltar ao trabalho como operadora de telemarketing após a licença para tratar uma depressão. Ela não conseguiu uma vaga em creches municipais para sua filha Aysla, de sete meses. No próximo dia 10, vai se submeter à nova perícia para saber se tem condições de retomar suas atividades. Se tiver que retornar, não tem onde deixar Aysla.

A moradora do bairro São José espera por uma vaga para a filha desde 6 de setembro. Naquela quarta-feira, foi à Secretaria Municipal de Educação (Smed) e recebeu a negativa por falta de vagas nas escolas públicas da sua região. O documento também informa que a mãe não solicitou ingresso na educação infantil no período estabelecido pela prefeitura. Shaiane nem poderia fazê-lo, pois a menina nasceu em 12 de março, depois de o prazo ter encerrado.

Aysla é uma das 6,3 mil crianças de 0 a 5 anos cuja família buscou vaga na rede municipal neste ano e recebeu a carta da prefeitura com a negativa do pedido. Responsável legal por ofertar o ensino infantil, o município trabalha com o déficit de mais de 6 mil matrículas, mas esta é apenas a chamada “demanda manifesta”, que representa o número de famílias que solicitaram vaga e não conseguiram. 

Há muito mais crianças fora da escola. Um levantamento exclusivo feito pela Matinal, com base em dados do IBGE e do Censo Escolar 2022, revela que Porto Alegre precisa ofertar o dobro de vagas da demanda manifesta: 12.317. Esse é o número mínimo de vagas que precisam ser criadas para atender o Plano Nacional de Educação (PNE). O documento prevê, até 2024, a universalização da educação infantil para as crianças de 4 a 5 anos e creche para pelo menos metade das crianças até 3. ​​Isso significa que, além de zerar a fila de espera, a prefeitura precisa criar outras 6 mil vagas. Ou seja: são 12,3 mil crianças de 0 a 5 anos que deveriam estar na escola, mas sequer há vagas para elas.

A análise da Matinal revela ainda que metade do déficit de 12,3 mil são de crianças de 4 e 5 anos, idade em que a matrícula é obrigatória. “Não é possível que crianças de 4 anos, que é idade obrigatória desde 2016, estejam fora da escola. Nós estamos em 2023! Olha o escândalo que é essa cidade”, indigna-se a deputada Sofia Cavedon (PT), presidente da Comissão de Educação da Assembleia Legislativa.

Para chegar a esse déficit de 12,3 mil vagas, a Matinal considerou a população de crianças nessa faixa etária segundo o Censo 2022 e o total de matrículas em todas as escolas da cidade, públicas e privadas conforme o Censo Escolar 2022. O caminho já havia sido feito pelo Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul (TCE-RS) em outubro de 2022. Mas, à época, sem os dados do último censo demográfico, que revelou queda na população de Porto Alegre, o órgão concluiu ser necessário criar 29 mil vagas na capital gaúcha. 

À reportagem, o coordenador do Centro de Orientação e Fiscalização de Políticas Públicas do TCE-RS, Renato Lauris, antecipou que o relatório está sendo atualizado com base nos indicadores recentes usados pela Matinal. Os auditores já previam que o novo censo demandaria atualização dos números contidos no relatório. Contudo, conforme afirma Lauris, dados preliminares indicam um número mais próximo aos 12 mil calculados pela Matinal do que os 29 mil estimados até então, e mantêm o alerta para a necessidade de um total de novas vagas que supera significativamente a demanda manifesta considerada pela prefeitura.

Três gerações de mulheres sobrecarregadas

Íris e Stefani esperaram por mais de um mês para conseguir nova vaga para seus filhos | Foto: Marcela Donini

Roberta* não voltou à escola depois das férias de inverno. Durante dois meses, a menina de 13 anos passou suas manhãs e tardes como babá de Henri, de 3 anos, filho da sua irmã, Stefanie Fontoura Carvalho.

A família se mudou para a Cruzeiro e não conseguiu transferência imediata para o menino na creche da região. A decisão de Stefanie acabou comprometendo os estudos da irmã, matriculada no 6º ano do Ensino Fundamental. “Eu não tinha o que fazer. Se eu perdesse o emprego, a gente ia passar fome”, contou Stefanie à reportagem em meados de setembro para justificar ter de pedir à irmã que cuidasse do sobrinho.

Stefanie sabia que Roberta precisava ir às aulas – a frequência escolar é obrigatória para a faixa etária dos 4 aos 17 anos segundo a Lei de Diretrizes e Base (LDB). “Na época, eu até avisei o Conselho Tutelar caso eles batessem na minha porta”, completou. Motorista de aplicativo, o pai de Henri também não podia arriscar ficar sem trabalhar, observou a mãe.

Stefanie pediu uma vaga para Henri em 16 de agosto diretamente na sede da Secretaria Municipal de Educação (Smed), no Centro Histórico. Recebeu a negativa da prefeitura no mesmo dia. Com o documento em mãos, procurou ajuda da Defensoria Pública. Em 29 de setembro, recebeu retorno da secretaria avisando que havia vaga para o filho na escola Mundo da Imaginação, conveniada da prefeitura que fica a menos de 500 metros da sua casa. 

O novo documento indicava que a família tinha até o dia 30 de outubro para efetuar a matrícula. Em 3 de outubro, Stefanie compareceu ao local. Saiu de lá frustrada: a coordenação informou que, ao contrário do que afirmava a Smed, não havia vaga no Maternal 2. Orientada pelo Conselho Tutelar, contatou novamente a pasta e, enfim, no dia 6 de outubro, recebeu a resposta positiva da creche. 

Uma semana após a matrícula de Henri, a irmã adolescente de Stefanie também voltaria à escola para seguir o 6º ano. Chegou em época de provas, e está penando para acompanhar alguns conteúdos. “Por sorte, tem uma professora no (coletivo) Preta Velha (localizado na Cruzeiro) que tem ajudado ela”, comenta a irmã.

Até a confirmação da vaga de Henri, a avó Lucimar Maciel Azeredo também ajudava a cuidar do menino, já que retornava do trabalho antes de Stefanie, sua nora. Na casa de três dormitórios, mora ainda outro neto, Hector, 2 anos, filho de Íris Maciel Azeredo. O menino ficou quase dois meses fora da creche.

Henri e Hector estão fora da faixa etária em que a escola é obrigatória. Mas, de acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), é dever do estado assegurar atendimento em creche e pré-escola às crianças de 0 a 5 anos quando as famílias procuram vaga.

Mãe solo, Íris, 25 anos, também havia se mudado recentemente para a casa da mãe, Lucimar, e, sem vaga perto do novo lar, teve de parar de trabalhar para ficar com o filho. No final de setembro, após intervenção da Defensoria Pública, Hector enfim conseguiu vaga em uma nova creche, particular e bancada pela prefeitura. Íris agora retoma suas atividades: já foi ao Sistema Nacional de Emprego (Sine) em busca de trabalho e planeja terminar o ensino médio. 

A história de Íris é comum a outras mães de periferia. Segundo a defensora pública Andreia Paz Rodrigues, muitas mães solo procuram ajuda da justiça para conseguir vaga – várias delas preocupadas com a alimentação, já que a escola garante ao menos uma ou duas refeições para a criança. Também são recorrentes os relatos sobre a impossibilidade de trabalhar.

Aquelas famílias que optam por seguir com suas atividades não raro expõem as crianças a riscos que seriam evitados se o estado cumprisse com a obrigação de garantir o direito à escola. “Há famílias que acabam levando a criança junto, como, por exemplo, os recicladores. E isso é considerado trabalho infantil. São situações muito preocupantes”, afirma Andreia Paz.

“A educação infantil não tem recuperação”

A falta de acesso à educação nesta faixa etária tem reflexos ao longo da vida da criança. “A educação infantil não tem recuperação, não tem EJA (Educação de Jovens e Adultos). Tem prejuízo imediato para o aprendizado, para a proteção da infância, para o desenvolvimento interpessoal e orgânico, inclusive, por conta da alimentação adequada”, descreve a deputada Sofia Cavedon. A vereadora Mari Pimentel (Novo) concorda. “No mundo dos sonhos, além de ofertar vaga, a gente deveria estar fazendo campanhas nas comunidades para as mães levarem os filhos na educação infantil”, diz a parlamentar que preside uma das CPI que investiga a Smed, em curso na Câmara de Porto Alegre. 

Nas visitas que faz a escolas públicas de periferia, a vereadora diz encontrar situações adversas. “Para mulheres em situação vulnerável, manter uma rotina regrada é um desafio. Às vezes, a mulher tem que trabalhar até mais tarde e, na manhã seguinte, tem de acordar para levar o filho. É uma realidade familiar que a gente não pode comparar com a estrutura que nós temos”, opina a parlamentar.

No mundo dos sonhos, além de ofertar vaga, a gente deveria estar fazendo campanhas nas comunidades para as mães levarem os filhos na educação infantil. 

Mari Pimentel, vereadora

Das 425 mil crianças de 4 e 5 anos que não frequentam a pré-escola no país, 42% relatam dificuldade de acesso. Mas não é só a falta de vagas que explica tanta criança fora da escola: outros 40% desse mesmo universo não vão à escola por opção dos responsáveis, mesmo em idade obrigatória, conforme a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad Contínua/IBGE).

Há também mães e pais que ignoram o direito à creche para menores de 3 anos. Tampouco estão familiarizados com os caminhos para garantir esse acesso. É o caso de Alessandra da Costa Gomes, 24 anos, moradora do bairro São José. 

Mãe solo, Alessandra não conseguiu vaga para a caçula | Foto: Robson Farias

Mãe solo, ela tem uma filha de oito anos, que está na escola, e outra de 1 ano e 4 meses, para a qual não conseguiu vaga em creche. Ela conta que foi direto nas instituições próximas a sua casa quando a bebê tinha seis meses e foi informada que só poderia solicitar vaga a partir de um ano, o que não é verdade. 

Sem conhecimento de que poderia acionar a Defensoria Pública do Estado (DPE), chegou a deixar a menina sob os cuidados da cunhada para fazer algumas faxinas, mas não pôde mais contar com sua ajuda e teve de parar de trabalhar. “Sou sozinha, eu e minhas filhas, não tenho ajuda de ninguém”, diz. Agora conta apenas com os R$ 800 do Bolsa Família, enquanto espera vaga para o ano que vem. Dessa vez, fez a solicitação no site da prefeitura e está preparada para recorrer à Justiça se não for atendida.

Perdas e ganhos da judicialização

Se fizesse uma busca ativa às crianças, talvez a prefeitura chegasse à casa de Alessandra. Essa é uma das estratégias recomendadas pelo TCE-RS. Quem tem ocupado a lacuna deixada pelo Executivo e vai às comunidades atender as famílias é a Defensoria. 

Há cerca de seis anos atuando nessa questão, a defensora pública do estado Andreia Paz Rodrigues conta que tem percebido aumento na demanda por vagas em Porto Alegre. Em 2018, conta Andreia, a DPE atendeu aproximadamente 800 famílias. Já no ano passado, foram atendidas mais de 1.400, número que deve ser superado neste ano. Além dos atendimentos individuais, o órgão também realiza mutirões nas comunidades periféricas.

O trabalho da DPE tem sido fundamental para conseguir uma vaga na educação infantil municipal. Andreia explica que, até 2018, as defensoras ingressavam com ações individuais para cada família que procurava ajuda – e cada pedido gerava uma ação judicial. “Todo o trâmite até a matrícula podia demorar de seis a oito meses”, diz. 

Naquele ano, a DPE mudou de estratégia e começou a entrar com uma ação civil pública. Esse novo processo, coletivo, leva menos tempo: a espera caiu para dois ou três meses. Em 2022, a Defensoria fez um acordo com a Smed e a Procuradoria-Geral do Município (PGM) para o município ofertar a vaga em sua rede ou comprar a vaga em instituições particulares de forma extrajudicial. Assim, o prazo caiu ainda mais, e alguns pedidos são atendidos em até duas semanas, afirma Andreia. “A Defensoria Pública ingressa por e-mail com os documentos, e a Smed efetua a compra da vaga”, explica. 

O acordo recebeu um aditivo de 100 vagas no final de outubro, atendendo a uma solicitação da Defensoria. Recentemente, com um novo atraso por parte da prefeitura, 50 pedidos individuais tiveram de ser ajuizados, informou a defensora à Matinal

Solução para muitas famílias, a judicialização tem aspectos negativos. Analista de políticas educacionais do Todos Pela Educação, ONG que atua pelo direto à educação, Daniela Mendes alerta para um risco: nem sempre quem acessa a justiça é a criança que mais precisa. “Diversos estudos mostram que a creche tem um impacto muito mais significativo para aquelas crianças que não têm em casa as condições necessárias para seu desenvolvimento pleno”, alerta. A portaria publicada pela prefeitura para as matrículas de 2024 prevê indicadores de vulnerabilidade social para ofertar as vagas, priorizando crianças cuja mãe vive em situação de violência doméstica, beneficiárias do Bolsa Família, crianças com deficiência, entre outros. Mas, na Justiça, qualquer cidadão pode pleitear uma vaga.

Há ainda um prejuízo para os cofres públicos quando a solução encontrada para atender a um processo judicial é a compra em instituições privadas. Nesses casos, a cidade abre mão de recursos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), que repassa dinheiro aos municípios apenas pelas matrículas efetivadas na rede pública ou conveniada. 

A compra de vagas tem sido uma aposta da gestão de Sebastião Melo (MDB) desde a sua aprovação na Câmara de Vereadores no ano passado. Mas colocou o TCE-RS em alerta. No relatório que analisou os anos de 2017 a 2022, os auditores projetaram que, caso a prefeitura comprasse vagas em escolas privadas para as 6.573 crianças da lista de espera da época, renunciaria a R$ 40 milhões no ano passado. Por isso, afirmaram a importância do município “estruturar sua capacidade de atendimento de modo a não depender da compra de vagas”.

A (falta de) vaga é só a ponta do iceberg

Para Mari Pimentel, zerar o déficit de vagas é o grande desafio da cidade hoje. “A gente precisa resolver logo para incluir as mulheres no mercado de trabalho e para pensar na cidade do futuro. Essas crianças estão tendo seu direito à educação negado, e assim perdem oportunidades que teriam lá na frente”, diz. 

Sofia Cavedon e a deputada federal Daiana Santos (PCdoB) também ressaltam que o acesso à educação infantil é uma pauta importante da luta pela igualdade de gênero. Como mostram as histórias contadas nesta reportagem, o custo de estar fora da escola é grande para as crianças e também para as mulheres, que perdem a oportunidade de ter autonomia financeira ou continuar com os estudos. 

Em 19 de outubro, Daiana presidiu uma audiência pública na Comissão de Direitos Humanos, Minorias e Igualdade Racial pfaciliara debater a falta de creches no sistema público de ensino. Em entrevista à Matinal, a parlamentar observou que o perfil médio das mulheres que mais sofrem com o problema é o mesmo em todo o país: mães solo, pobres e pretas. 

São mulheres da classe trabalhadora, que já estão à margem tanto das políticas públicas quanto do mercado de trabalho.

Daiana Santos, deputada federal

“São mulheres da classe trabalhadora, que já estão à margem tanto das políticas públicas quanto do mercado de trabalho. São chefes de família que acabam precisando utilizar um espaço que não tem estrutura adequada nem a garantia de um cuidado integral”, afirma, referindo-se a arranjos comuns nas periferias, onde algumas moradoras se dispõem a cuidar dos filhos de vizinhas nas suas casas, às vezes por valores baixos. “É desesperador”, desabafa Daiana, que lembra que a falta de vagas se soma a um problema maior do desemprego no país. “Quando tem uma oferta (de emprego), essa mulher não consegue acessar por conta da falta de garantia desse direito (da escola)“. 

O acesso à pré-escola não depende apenas da vaga. É preciso chegar lá. Uma das queixas comuns entre as chefes de família, diz Daiana, são os gastos com o deslocamento, problema que afeta estudantes em outras etapas também, conforme reportagem da Matinal publicada em outubro

No caso de mulheres que recebem um salário mínimo, com os descontos em folha, sobra muito pouco – especialmente se precisam recorrer a serviços privados, com mensalidades, que, segundo relatos que chegam à deputada, podem variar entre R$ 400 e R$ 600. “A maioria delas fala que não vale a pena, dizem que estão pagando para trabalhar”, conta Daiana.

Má qualidade de ensino

Àquelas crianças que conseguem a vaga próxima de casa, resta ainda outro obstáculo: a má qualidade dos serviços oferecidos. Além de recomendar solução para o déficit de vagas, o relatório do TCE elaborado pelo Serviço de Auditoria de Porto Alegre também fez outros apontamentos. Os auditores recomendaram que a prefeitura reduza a desigualdade entre a rede própria e a rede conveniada. 

O documento aponta que 84% das matrículas em creches (0 a 3 anos) e 67% da pré-escola (4 e 5 anos) são atendidas por instituições conveniadas em Porto Alegre. Uma das desigualdades destacadas diz respeito à formação dos professores: enquanto a rede própria possui 82% dos docentes graduados em Pedagogia, a rede conveniada tem apenas 25% de seu quadro com ensino superior e 52% com curso de Magistério de nível médio. 

Os auditores atribuem a diferença principalmente ao salário mais alto dos profissionais na rede própria. E recomendam que o executivo municipal preveja, em seus editais de credenciamento, “mecanismos que estimulem a contratação de professores com Ensino Superior Completo em Pedagogia e defina valores de repasse que permitam a contratação de profissionais com esse nível de formação pelas instituições conveniadas”.

A desigualdade entre as redes própria e conveniada se dá também na ausência de monitores para as crianças da educação especial. Segundo o relatório, os diretores da rede comunitária contatados pelos auditores apontaram a falta de profissionais especializados como a maior dificuldade vivenciada por eles na gestão das escolas.

Para Daniela Mendes, do Todos Pela Educação, a discussão sobre o ensino infantil precisa incluir a questão da qualidade. No Brasil, a maioria das escolas públicas que ofertam educação infantil não têm estruturas mínimas como refeitório, biblioteca ou sala de leitura e parques infantis, segundo dados consolidados pela entidade, com base no Censo Escolar 2022. Além disso, em Porto Alegre, a prefeitura não tem políticas de financiamento e apoio à estrutura das escolas conveniadas. Muitas delas, como a Acomur, no bairro São José, fecham as portas por falta de dinheiro para custear reformas, conforme mostrou uma reportagem recente da Matinal.

“Mais de 64% das escolas infantis não têm parques, não têm um ambiente para criança brincar, que é o pilar principal do seu desenvolvimento”, ressalta Daniela. “A gente precisa brigar para que essas milhares de crianças estejam matriculadas, mas todas que entram na creche tem que ter acesso a uma educação que realmente vá impactar positivamente no seu desenvolvimento.”

O início do calvário

Desde 15 de outubro, estão abertas as inscrições para transferências ou novas matrículas em Porto Alegre para 2024. A solicitação deve ser feita pela internet até 15 de novembro. Famílias que necessitem de auxílio são orientadas a procurar as escolas ou a sede da Smed, ao lado do Mercado Público, no Centro Histórico. O resultado não é divulgado de forma online, forçando os responsáveis a ir presencialmente nas escolas pretendidas para checar a lista dos contemplados e a fila de espera. 

Segundo explica Rafaele Silva Abenserrage, a conselheira tutelar da microrregião 4, que abrange bairros da zona leste da cidade, as famílias têm de indicar três instituições de sua preferência. Na hora de conferir o resultado, caso a primeira opção não tenha sido atendida, precisam visitar as outras. No ano passado, os conselhos cobraram que a prefeitura facilitasse o processo, conta Rafaele. “Como pode ter que fazer a inscrição pela internet e não ter acesso ao resultado pela internet?”, questiona.

Após checar as três escolas para ter certeza de que a criança ficou sem vaga, a família deve procurar o Conselho Tutelar da sua região. Às vezes, o aluno é contemplado, mas a vaga fica fora do raio de 2 quilômetros, descumprindo a determinação estabelecida na Ação Civil Pública encaminhada pela Defensoria Pública do Estado (DEP). “Não está na lei isso, mas a jurisprudência estabelece esse critério, pois as famílias não têm condições de custear o transporte, e o município não oferta transporte escolar para crianças de 0 a 5 anos”, explica Andreia Paz Rodrigues, defensora pública.

Para Rafaele, que vai para seu segundo mandato como conselheira em 2024, o maior desafio para resolver o problema é o próprio estado. “A prefeitura falha em garantir escola para as crianças, o que é sua obrigação”, diz.

Ela lamenta que a falta de vagas em creches e na pré-escola não seja vista como uma emergência e observa a diferença em relação a outras violações contra crianças, consideradas urgentes. “Tem uma série de violações praticadas pelos próprios pais – como abuso, violência física, abandono de incapaz – que a gente resolve na hora, porque afastamos a criança. É uma ação imediata, você consegue ver o trabalho acontecendo”, compara.

Smed não respondeu 

Procurada pela primeira vez em 6 de outubro, a Smed não retornou até o fechamento desta reportagem. Entre as perguntas que ficaram sem resposta estão a estimativa de vagas para 2024 e se a prefeitura considerou, nessa oferta, o déficit calculado pelo TCE em 2022, mais próximo ao número levantado pela Matinal, de 12,3 mil, do que à demanda manifesta de 6,3 mil. 
Após sucessivas tentativas, a pasta também não informou quantas vagas foram compradas na rede privada neste ano nem esclareceu o status das alternativas anunciadas para reduzir o déficit, como as negociações com o governo estadual para o uso de prédios do estado e a finalização de novas escolas financiadas pela Unesco.


* Preservamos o nome da adolescente em respeito ao Estatuto da Criança e do Adolescente.

Colaborou com a reportagem Gregório Mascarenhas.
Fale com a repórter: [email protected]

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