Reportagem

Conselho Municipal de Saúde aponta improbidade em prorrogação de contrato com a Associação Hospitalar Vila Nova

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Conselho Municipal de Saúde aponta improbidade em prorrogação de contrato com a Associação Hospitalar Vila Nova Órgão aponta que a prefeitura celebrou parceria com uma entidade privada “sem a observância das formalidades legais” e que agiu “para configuração de ilícito”. | Foto: Joel Vargas/PMPA

Para o Conselho Municipal de Saúde, há indícios de improbidade administrativa em um termo aditivo no contrato firmado entre a prefeitura de Porto Alegre e a Associação Hospitalar Vila Nova, referente à gerência do Hospital da Restinga e Extremo Sul. Em agosto de 2023, o município optou por renovar, por mais cinco anos, o acordo que trata da administração da instituição de saúde – além disso, reajusta os valores repassados e revisa o plano de trabalho do hospital.

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Um parecer assinado pela Secretaria Técnica (Setec) do conselho, reprovando o aditivo, foi aprovado na quinta-feira (22), por 28 votos a três – um desses votos contrários foi do próprio chefe da pasta de Saúde, Fernando Ritter. No documento, a Setec aponta que a prefeitura celebrou parceria com uma entidade privada “sem a observância das formalidades legais” e que agiu “para configuração de ilícito”, que deveria realizar um novo chamamento público para a gestão do Hospital da Restinga e realizar uma auditoria interna para apurar possíveis irregularidades no trabalho da Associação Hospitalar Vila Nova.

Entre as irregularidades apontadas pelo conselho estão problemas na prestação de contas da instituição e uma discrepância de 936 mil reais no reajuste de repasses calculado pelo aditivo: para a Setec, a prefeitura errou ao fazer a correção monetária dos valores devidos à Associação Vila Nova referente ao período de 2020 a 2023. Enquanto o parecer do conselho aponta adequação de 4,57 milhões, o aditivo do governo chega à cifra de 5,50 milhões.

O documento do Conselho Municipal de Saúde diz que uma entidade que não teve, em “nenhum período”, a aprovação de suas prestações de contas deveria, por conta da lei 13.019/2014, que regula as parcerias com organizações da sociedade civil, ser impedida de celebrar contratos públicos. O parecer afirma que já foram aplicadas diversas advertências, e que os problemas de transparência não foram resolvidos pela Associação Hospitalar Vila Nova.

Não é a primeira vez que o conselho vê irregularidades na relação da prefeitura com a entidade. Ainda em 2022, a respeito de outro aditivo ao contrato então vigente com o Hospital da Restinga e Extremo Sul, o órgão de controle social encontrou irregularidades que afrontariam princípios da administração pública. Naquele adendo, que tratou da abertura de 29 leitos de internação pediátrica e seis leitos de emergência, haveria “conduta temerária” por conta do município, que extrapola limites legais para aditivos contratuais, com margem para “possíveis beneficiamentos de repasse de recursos por interesses privados”. Também houve, na época, situações apontadas como irregulares na prestação de contas da Associação Hospitalar Vila Nova.

O parecer aprovado será encaminhado à Secretaria Municipal de Transparência e Controladoria, ao Ministério Público de Contas, ao Ministério Público Estadual e ao Ministério Público Federal.

Denúncias também sobre o atendimento a pacientes

Não só as questões contratuais foram mencionadas na reunião do Conselho Municipal de Saúde, mas também depoimentos de usuários do sistema público sobre condições de tratamento em instituições geridas pela Associação Hospitalar Vila Nova. A entidade gere, além do próprio Hospital Vila Nova Hospital da Restinga, ambos na zona sul de Porto Alegre, o Pronto-Atendimento Saúde Mental IAPI, unidades básicas de saúde da capital e hospitais dos municípios de Taquara, Guaíba, Arroio dos Ratos e Santo Antônio da Patrulha – o futuro Hospital Parque Belém deverá também ser administrado pela instituição.

No caso do Hospital da Restinga e do Extremo Sul, o contrato com a prefeitura é de 2018, quando a cidade ainda era governada pelo ex-prefeito Nelson Marchezan Jr. (PSDB), e tinha validade até setembro de 2023. A instituição de saúde abriu as portas em 2014, e atende integralmente ao Sistema Único de Saúde (SUS).

A plenária do conselho teve espaço para relatos da população, a respeito do atendimento de saúde. “O que vi foram depoimentos de muito sofrimento, de pessoas que lutam uma vida inteira e não conseguem nem para si e nem para seus semelhantes e os que estão mais próximos um atendimento com dignidade. Nossa luta acaba sempre no judiciário, mas que não se sente confortável para tomar as decisões necessárias na iminência de risco de não ter o atendimento para a população”, contou a coordenadora da Setec, Maria Letícia Oliveira Garcia.

Ela afirmou, no encontro, que “em todas as reuniões vêm pessoas fazer denúncias sobre o Hospital Vila Nova”. Um desses depoimentos foi da advogada Alessandra da Silva Moura de Souza, a respeito da morte de seu sogro, o agente comunitário de saúde Rogério Vieira de Souza. Depois de 25 dias internado por um acidente vascular cerebral, ele “não saiu vivo de lá”, uma morte “evitável”, no ponto de vista da nora.

Alessandra alegou não haver monitoramento à situação de saúde do sogro, que tinha 60 anos e faleceu em janeiro. Além disso, Rogério teve sua aliança furtada dentro do hospital, onde, de acordo com a advogada, notava-se proliferação de insetos e lixo no chão.

A Matinal publicou, em agosto do ano passado, uma reportagem na qual famílias denunciam outras mortes por omissão no Hospital Vila Nova. O Ministério Público investiga “sequelas e óbitos de pacientes em decorrência de negligência médica e de profissionais da enfermagem”.

Para a coordenadora da secretaria técnica do Conselho Municipal de Saúde, não há compromisso, por parte da prefeitura, em cumprir suas obrigações – assim como outros órgãos de controle, que deveriam agir “com mais eficiência”. “O que se viu ontem foi a desconstrução da panaceia dos contratos, alardeada pelo prefeito Marchezan e continuada com o prefeito Melo”, avaliou Maria Letícia, referindo-se às terceirizações no setor da saúde.

A Matinal buscou a Secretaria Municipal de Saúde, que informou, através de sua assessoria de imprensa, que a Associação Hospitalar Vila Nova foi a vencedora do edital para a gestão do Hospital da Restinga ainda no governo anterior, e que o parecer do Conselho Municipal de Saúde foi feito depois da assinatura do aditivo. A reportagem buscou também a administração da Associação Hospitalar Vila Nova, que não enviou seu contraponto até o fechamento deste texto.


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