Reportagem

Conserto de casa de bombas que inundou centro de Porto Alegre patina desde 2018

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Conserto de casa de bombas que inundou centro de Porto Alegre patina desde 2018 Imagem mostra a água inundando o centro a partir da Estação de Bombeamento 17, na manhã da sexta-feira passada (3). Foto: Alex Rocha/PMPA

Na tarde de quinta-feira, 2 de maio, quando o Guaíba atingiu sua cota de inundação, de 3 metros, as 14 comportas do Muro da Mauá foram cerradas. Mas na manhã de sexta-feira, 3, a água começou a adentrar o Centro Histórico de Porto Alegre por outro lugar. Da esquina das avenidas Padre Tomé e Mauá brotou a inundação que deixou submerso todo o bairro, até os limites da avenida Farrapos. 

A água não ultrapassou o muro, mas veio de uma das estações de bombeamento da administração municipal que devia conter o seu avanço. Uma foto feita pela própria equipe de comunicação da prefeitura mostra a água jorrando por um sistema cuja finalidade deveria ser exatamente oposta: bombear de volta ao Guaíba em caso de cheias. 

A Estação de Bombeamento de Águas Pluviais (EBAP) de número 17 havia falhado – e a consequência foi a inundação que transformou a maior parte do centro em um rio. Um vídeo de câmera de segurança da lavagem de veículos “Água Seca”, a 240 metros dali, mostra o avanço da inundação tomando cada uma das pistas da Mauá, a partir do lado da avenida oposto ao muro, na altura dos armazéns A2 do cais. O muro, nas imagens, segue impávido, enquanto a cheia adentra a cidade pela via subterrânea. 

Desde 2018, a prefeitura já tinha conhecimento do problema na comporta da EBAP 17. Naquele ano, foi aberto um procedimento interno que solicitava o conserto desse dispositivo, junto com o conserto da comporta de outra estação de bombeamento a 1,4 quilômetro dali, de número 18, na esquina da avenida Mauá com a rua Carlos Chagas, a duas quadras da rodoviária de Porto Alegre, também embaixo d’água. 

Esse processo tramitou pela Secretaria Municipal de Serviços Urbanos (Smsurb) e pela Secretaria Municipal de Obras e Infraestrutura (hoje Smoi, antiga Smim) até 2019, ainda durante o governo de Nelson Marchezan Jr. (PSDB), de acordo com o Sistema Eletrônico de Informações (SEI) da prefeitura de Porto Alegre. Mas só teria chegado ao conhecimento do órgão que deveria executar o conserto, o Departamento Municipal de Água e Esgoto (Dmae), no início deste ano, segundo o próprio departamento afirmou em resposta à Matinal.

A assessoria do Dmae, órgão responsável pelas infraestruturas de drenagem, também disse que o processo iniciado em 2018 contempla vários pedidos de melhorias nas EBAPs ao longo dos anos, e não especificamente as melhorias das estações de bombeamento citadas, a 17 e 18. Disse também que a solicitação de conserto das casas de bomba 17 e 18 é do início de 2024.

Mas a reportagem teve acesso a parte do conteúdo do processo do SEI que desmente a informação dada pela prefeitura. O documento mostra que houve um andamento chamado “reabertura do processo na unidade – C-Drenagem” datada de 2 de outubro de 2023, após a cheia de setembro, quando o Guaíba atingiu 3,46 metros, 46 cm acima da cota de inundação. 

“Não dá para levar seis anos para consertar um equipamento. Um equipamento que custa cerca de 60 mil reais. É coisa barata para as contas da prefeitura de uma cidade como Porto Alegre”, afirmou à Matinal o ex-diretor do Dmae e também do extinto Departamento de Esgotos Pluviais (DEP), o engenheiro Augusto Damiani.

Ele explica que uma Estação de Bombeamento de Água Pluvial (EBAP) se conecta aos sistemas pluviais subterrâneos e dispõe de um poço com bombas que empurram a água para fora da cidade em casos de inundação. Há uma comporta no final do mecanismo, que trabalha como uma basculante, que se fecha por gravidade quando as águas do Guaíba sobem a determinado nível. Por alguma razão, essas válvulas não funcionaram. 

O engenheiro diz haver indícios de que o mesmo problema aconteceu na EBAP 18. A falha nessas duas estações de bombeamento explicam a inundação do Centro Histórico, mesmo com o obstáculo do Muro da Mauá. 

Damiani acredita que a inundação do Menino Deus também ocorreu por falhas na EBAP 13, que fica dentro do Parque Marinha do Brasil. Naquela altura da cidade, a avenida Edvaldo Pereira Paiva funciona como barreira física para impedir o avanço do Guaíba. Por isso, a água não invadiu o bairro pela via, mas ingressou pela estação de bombeamento. 

A inundação da Cidade Baixa, de partes da Azenha e na porção norte do Menino Deus também veio através de uma EBAP. Neste caso, porém, houve um corte de energia elétrica que desligou a EBAP 16, na altura da Rótula das Cuias na segunda-feira, 6 de maio. A CEEE Equatorial disse que houve interrupção por questões de segurança. A água só avançou nos bairros a partir desse momento, levando centenas de moradores a deixarem suas casas às pressas. O alerta da prefeitura para evacuação chegou 4 horas depois, quando partes relevantes desses bairros já estavam submersas.

Foto de outubro de 2023 mostra que trabalhadores recorreram a sacos de areia para evitar transbordamento pela EBAP 17

Falha na EBAP 17 já em 2023

Além da demora no conserto da estação de bombeamento 17, o sistema dessa EBAP já havia se provado falho na enchente do final de setembro de 2023. Naquele momento ocorreu o segundo maior nível do Guaíba na cidade desde 1941. Imagens às quais a reportagem da Matinal teve acesso, de outubro do ano passado, mostram que funcionários do departamento precisaram improvisar um fechamento da estação com lonas plásticas e sacos de areia para impedir a eclosão das águas pela casa de bombas.

“A comporta não funcionava em 2023, por sorte o Guaíba subiu até 3,46, e não transbordou na estação 17. Eles sabiam que, se o Guaíba subisse mais, iria transbordar. Mas não arrumaram e apostaram na sorte”, diz Damiani.

Conforme o Dmae, a solicitação para a vedação com tampas herméticas para a câmara de despejo das estações de bombeamento 17 e da 18 está em fase de projeto e orçamentação. “Por isso a melhoria ainda não havia sido realizada antes do evento climático extremo do início do mês de maio”, informou o órgão, em nota. 

O Dmae informou, às 15h15 da quinta-feira, que conseguiu religar as bombas 12 e 14 no último dia. Agora são seis estações funcionando, das 23 espalhadas pela cidade. As EBAPs citadas nesta reportagem, 17 e 18, seguem desligadas por risco de choque elétrico, de acordo com o Dmae. 

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