Reportagem

TRF-4 nega liminar e território indígena no Morro Santana deve virar condomínios privados

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TRF-4 nega liminar e território indígena no Morro Santana deve virar condomínios privados Terreno de propriedade da Maisonnave está ocupado por indígenas desde outubro (Foto: Alass Derivas/Deriva Jornalismo)

Com a derrota na Justiça Federal, indígenas avaliam recorrer ao STF. Hoje a comunidade fará uma coletiva de imprensa no local

O Tribunal Regional da 4ª Região negou os recursos do Ministério Público Federal (MPF) e da comunidade Gãh Ré para impedir a reintegração de posse da área localizada no Morro Santana, em Porto Alegre. A desembargadora Marga Inge Barth Tessler manteve o mesmo entendimento da Justiça Federal alegando se tratar de uma propriedade privada e que a “invasão” dos indígenas na área não tem “qualquer respaldo além da invocação de ancestralidade”. 

Os advogados do Conselho de Missão entre os Povos Indígenas (Comin), que assessoram a comunidade, estudam apelar ao Supremo Tribunal Federal (STF). Enquanto isso, buscam ajuda em órgãos como a Comissão Nacional de Direitos Humanos (CNDH) e apoio de deputados para adiar a reintegração. 

Desde outubro, indígenas kainkang e xokleng ocupam parte da área localizada ao pé do Morro Santana, o ponto mais alto da Capital, de onde partem as nascentes do Arroio Dilúvio. Além da biodiversidade, um amplo estudo conduzido pela Antropologia da UFRGS demonstra, com documentos históricos e arqueológicos, que o terreno em questão é habitado por indígenas das duas etnias desde pelo menos o século 19. Advogados da Comin e o MPF pedem que, seja considerado o direito indígena ao analisar a reintegração, o que não foi acatado pela Justiça Federal e pelo TRF-4. Desde 2008, os kaingang e xokleng pedem, sem sucesso, na Funai que seja reconhecida a sua relação ancestral com a área, de onde eles retiram os cipós para o artesanato e as ervas medicinais.

O terreno reivindicado pelos indígenas deveria estar em posse da União, para saldar dívidas de R$ 183,7 milhões da família Maisonnave, proprietária da área situada no número 55 Natho Henn, no Jardim Ypu. O terreno ficou hipotecado ao Banco Central por mais de 30 anos, mas voltou à posse da Maisonnave Companhia de Participações pela demora na execução. As dívidas da família jamais foram pagas, conforme demonstram os documentos anexos ao pedido do MPF. A empresa planeja construir um loteamento, já aprovado pela prefeitura, com 11 torres.

Foto: Alass Derivas / Deriva Jornalismo



“É do conhecimento público que a área reivindicada pelos indígenas tem grande qualidade ambiental, contando com nascentes e um dos poucos remanescentes de mata preservada de Porto Alegre, atributos que serão perdidos em razão do projetado empreendimento imobiliário”, escreveu o procurador Pedro Nicolau Moura Sacco no pedido. “Olha-se para a adversária da reivindicação indígena e vê-se uma suposta propriedade apenas ganha em razão do erro ou da desídia, para falar o mínimo, da União Federal em executar uma hipoteca, por mais de trinta anos. Pena que os “erros” jamais beneficiem grupos vulneráveis, como as comunidades indígenas, mas apenas a afortunadas famílias como os Maisonnave, que passaram incólumes por eventos que lesaram cerca de 100 mil pequenos poupadores com as quebras do Montepio da Família Militar e do Banco Maisonnave, nos anos 80”, escreveu o procurador Pedro Nicolau Moura Sacco.  

O procurador lembrou, no pedido feito ao TRF-4, de uma decisão do ministro Ricardo Lewandowski, que suspendeu a reintegração de posse em Belmonte, na Bahia, em benefício dos Tupinambás. Nela, o magistrado diz ser necessário ponderar o direito absoluto à posse quando se trata dos direitos indígenas. “Quando se está a tratar do direito previsto no art. 231 da Constituição, a ponderação dos valores em discussão deve ser cuidadosa. Preciso, de pronto, abandonar a ideia de que a posse do direito civil merece prestígio absoluto, considerando que há muito mais em jogo do que a simples disputa pontual por território específico, tal como a concebemos. Há sempre uma história, longa, de anos ou séculos, por trás da contenda. O custo da desconsideração do direito dos indígenas é muito alto”.

A Comunidade Gãh Ré fará uma coletiva de imprensa hoje, às 15h, no local, onde pretende mostrar sua relação com a área à imprensa e à comunidade interessada. Em entrevista ao Matinal na semana passada, a cacica Iracema Gã thé Nascimento disse: “Nós não estamos roubando nada de ninguém, não queremos todas as terras do Brasil. Queremos um pedaço, que nos foi roubado para conservar a vida. Esse senhor (referindo-se à família Maisonnave) já tem o suficiente para viver. Nós só queremos preservar o mato que dá oxigênio para as pessoas, para esses condomínios”.

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