Entre vaias e aplausos, Leite defende privatizações e critica reforma fiscal de Haddad no Fórum da Liberdade
“Não quero divisão, quero estar com o Zema, o Tarcísio (De Freitas, Republicanos, governador de São Paulo), com todos que acreditam em uma alternativa ao que está aí”, disse o governador gaúcho na abertura do evento da direita brasileira
O primeiro dia do Fórum da Liberdade poderia ter ocorrido no Estádio Mineirão, em Belo Horizonte, e nem lá o governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo) estaria tão em casa. Ele foi enaltecido pelo público composto predominantemente por homens brancos no auditório principal. Houve um coro “Zema presidente”. A recepção calorosa destoou da do chefe do executivo gaúcho.
O tucano Eduardo Leite foi vaiado e alvo de protestos de um grupo com bonés e bandeiras do Brasil, uniforme usado nos atos antidemocráticos e no ataque de 8 de janeiro. “Vergonha dos gaúchos”, dizia um cartaz; “Moleque da NOM (Nova Ordem Mundial)”, apontava outro – NOM é uma teoria conspiratória que acredita haver grande união para implantar um governo global totalitário.
“A liberdade é de vaiar também. Se é para defender a liberdade, e a liberdade de escolha também, vou defender, porque escolhi esta carreira”, disse o governador gaúcho. Um grupo na plateia reclamou do slogan “Fica em casa”, que marcou a política de distanciamento social durante a pandemia. “Tirei a liberdade, e as pessoas me reelegeram. As pessoas são taradas por eu estar aqui”, ironizou Leite, desta vez recebendo aplausos.
Apesar da hostilidade, Leite fez vários acenos ao público liberal que lotou o auditório da PUCRS. Uma delas foi a crítica ao arcabouço fiscalmodelo de arcabouço fiscal, que substituirá o teto de gastos que congelou investimentos em serviços públicos, e foi apresentado na semana passada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad. “Ele pressiona o aumento da receita sem responsabilidade sobre a qualidade do gasto. Premia o aumento da receita e estimula a inércia do gasto público sem analisar o que está dando certo”, disse.
Leite também enalteceu o próprio governo ao destacar que o estado foi o primeiro a ter uma Lei de Liberdade Econômica e alinhou a legislação ambiental ao restante do Brasil. O alinhamento a que Leite se refere representou, na prática, um abrandamento do código ambiental gaúcho, antes considerado o mais avançado do país. Três dispositivos da nova legislação, entre eles a licença ambiental por compromisso (LAC) (que autorizou autolicenciamento de atividades de médio a alto impacto ambiental) estão paradas no Supremo Tribunal Federal (STF), por meio de uma ação movida pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul.
Ao avaliar a atual gestão, fez questão de defender a agenda privatizante, dizendo que deve concluir a venda da Corsan, que está parada na justiça e pode resultar em uma CPI, e defendeu a privatização do presídio de Erechim e do Parque do Caracol – os planos de ambas as concessões iniciaram no primeiro mandato.
Crise do PSDB
O apoio mais contundente do público ocorreu quando Eduardo Leite marcou posição contrária ao atual governo federal. Ele disse antagonizar com o PT sobre questões como tamanho do estado, privatizações, reformas e outros temas, mas destacou que não compactua com preconceito e intolerância que identificou na gestão de Jair Bolsonaro. “Defendemos a liberdade. Precisamos defender também a liberdade de orientação sexual, de credos, de escolhas individuais”, afirmou, recebendo mais aplausos.
Ao fazer isso, reconheceu que, apesar da reeleição, encontrou resistência dentro do próprio partido, que entrou em crise identitária. Ele disse que pretende liderar uma reforma no PSDB para revisar as bandeiras e alinhar os anseios para a próxima eleição, seja tendo um candidato à presidência ou apoiando nomes de outros partidos.
“Temos que sair dessa polarização. Tem um grande nome aqui”, apontou para Romeu Zema. “Não quero divisão, quero estar com o Zema, o Tarcísio (De Freitas, Republicanos, governador de São Paulo), com todos que acreditam em uma alternativa ao que está aí”, sentenciou.
Apoio ao governador mineiro
Zema, por outro lado, foi aplaudido várias vezes quando descrevia as ações realizadas em seu estado. Entre elas, ao dizer que a escolha do secretariado foi “meritocrática”. Porém, pediu que o discurso liberal seja moderado para atingir ao restante da população.
“’Privatiza tudo’ mais assusta do que convence. Sabemos que liberdade é fundamental, que o setor produtivo não pode ter amarras, mas precisamos adaptar o discurso”, disse. “Temos de dizer que queremos um país que gere mais emprego, onde as pessoas que querem empreender não vão enfrentar obstáculos e a burocracia do estado. A esquerda faz bem (isso) e de maneira mentirosa, porque muitas vezes é para manipular”.
A presidente do Instituto dos Estudos Empresariais (IEE), Victoria Jardim, que mediava o debate, concordou, mas com relutância. “Podemos mudar o slogan, mas precisamos privatizar”, rebateu.
Meritocracia por meio de parábolas
Na pré-abertura do FL 2023, o reverendo Robert Sirico contou como deixou de enxergar Jesus Cristo como um socialista. Fundador do Instituto Acton, Sirico é autor de um livro que pinça, em 13 parábolas bíblicas, mensagens econômicas contidas nos evangelhos.
Para o fórum, ele escolheu apresentar a “Parábola dos Talentos”, em que um homem dá talentos aos empregados conforme suas habilidades. Todos devolveram o dobro, exceto o que recebeu apenas um, e disse que apenas escondeu para que ninguém roubasse. O Senhor, então, o reprimia por não ter investido.
“A cada um foi dado um talento, uma vocação, e se formos livres e usarmos a razão, podemos produzir mais do que consumir. Isso que faz o mundo rico”, disse o padre.
Em seguida, respondendo a perguntas do diretor de Relações Institucionais do IEE, Matheus Macedo, Sirico criticou o Papa Francisco, por ser tolerante com regimes como China, Venezuela e Cuba, e defender a Teologia da Libertação, corrente ideológica católica que enfatiza a libertação dos oprimidos. “É uma tentativa fundamentalista de batizar Karl Marx. Oposto ao que fiz no meu livro. Não coloquei nos evangelhos minhas ideias econômicas”, disse. Por fim, afirmou que, para combater ideias de esquerda, é preciso municiar as pessoas com obras culturais. “Temos que ser gentis com as pessoas, mas duros com a verdade”, concluiu.
Na sequência, a jornalista Leda Nagle recebeu o Prêmio Liberdade Imprensa. Leda participou por vídeo em teleconferência em função de uma gripe e problemas respiratórios. Ela agradeceu à premiação, mas disse estar preocupada com a censura, sem indicar objetivamente os censores.
“A verdade dos fatos está meio fora de moda. Está me lembrando outras épocas que não quero nem lembrar”, disse, lembrando da sua atuação durante a ditadura. “Um povo mais bem informado tem mais chances de escolher melhor seus governantes e ser mais feliz”, completou.