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Marchezan perdeu verba milionária destinada a sistema anti-enchente

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Marchezan perdeu verba milionária destinada a sistema anti-enchente Nelson Marchezan Júnior foi prefeito de Porto Alegre entre 2017 e 2020 | Foto: Alex Rocha/PMPA

Cinco anos antes da maior enchente da história de Porto Alegre, a prefeitura da capital, então governada pelo tucano Nelson Marchezan Júnior, perdeu R$ 121,9 milhões que seriam destinados a obras de prevenção a cheias do Guaíba e de outros cursos d’água que deságuam no lago. Esse financiamento, que viria do governo federal, serviria à reforma de 13 casas de bombas e também para dragagem do Arroio Moinho, que passa por comunidades periféricas da zona leste antes de desaguar no Dilúvio. 

As casas de bomba são sistemas que enviam de volta as águas que entram na cidade – quando desligadas ou fora de operação, a cheia adentra os bairros pelas tubulações subterrâneas. Foi o que ocorreu nesta segunda-feira, dia 6, quando a Equatorial desligou a energia da casa de bombas 16, na Rótula das Cuidas, e a água do Guaíba inundou o Menino Deus e a Cidade Baixa

O contrato para liberação dos recursos havia sido assinado ainda em 2012. A Caixa Econômica Federal divulgou em 2019, porém, que os acordos com as empresas que conduziriam as obras foram rompidos porque a prefeitura perdeu prazos. A população dos bairros Coronel Aparício Borges, São José e arredores é recorrentemente afetada pelas cheias do Arroio Moinho. Já na época do acordo, enxurradas do curso d’água causaram duas mortes, em 2017 e 2022. Para essa obra seriam destinados R$ 40,7 milhões do total do contrato.

A reforma de 13 casas de bomba viriam de um projeto chamado DrenaPOA, com recursos de R$ 81,2 milhões. Uma sindicância concluída em julho de 2019 investigou responsabilidades e razões que levaram ao fim do termo de compromisso com a união. “A complexidade dos processos, vários projetos de obras em desenvolvimento no mesmo período, lentidão na tramitação e resultados ineficientes ao longo da tramitação do projeto” foram os fatores apontados em uma notícia da própria prefeitura, à época.

Esse financiamento viria do PAC Prevenção, a partir de uma série de propostas de intervenções apresentadas pelo extinto Departamento de Esgotos Pluviais (DEP), com base no Plano Diretor de Drenagem Urbana, elaborado de 2001 a 2003. O DEP teve seus serviços incorporados pelo Departamento Municipal de Água e Esgotos (Dmae), ainda em 2019, por ordem do governo de Nelson Marchezan Jr.

“Sim, há responsabilidade da prefeitura ao longo de muitos anos, inclusive, nestes dois últimos, na nossa gestão, pelo fato de não termos tentado de forma mais eficiente não perder esses recursos”, admitiu Marchezan em maio daquele ano, em entrevista para o programa de rádio Esfera Pública.

O Dmae ficou responsável pelas atribuições do DEP, mas, de acordo com um relatório do Sindicato dos Municipários de Porto Alegre (Simpa), não teria capacidade para tal. Cinquenta e oito servidores foram cedidos do antigo departamento, mas havia um passivo na autarquia de 12 mil protocolos de serviço naquele momento. Num cálculo feito pelo Simpa, utilizando a média de trabalhadores do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento, seriam necessários mais de 400 empregados para exercer as funções do DEP sem atrasos. 

Mesmo incorporando as tarefas que seriam do DEP, o valor dos investimentos realizados pelo Dmae depois da incorporação foram baixos, em comparação aos valores da década anterior. Foram R$ 93,68 milhões em 2021 e R$ 97,27 milhões em 2020 – cerca de dez anos antes eram da ordem de R$206,93 em 2011 e R$ 239,72 milhões em 2012. Os números caem nos anos seguintes, orbitando em cifras entre R$ 60 e R$ 90 milhões.

Para o Simpa, o DMAE “renunciou a receitas e perdeu faturamento pela falta de pessoal para atendimento aos serviços e clientes, fiscalização, autuação e ações de negociação”.

Prefeitura nega que não investiu, mas não cita valores 

Depois da publicação de reportagem do UOL informando que Porto Alegre não investiu nenhum centavo  na proteção a enchentes em 2023, mesmo com R$ 428,9 milhões em caixa no DMAE, a prefeitura publicou, nesta terça-feira, que o poder executivo e o departamento gastaram R$ 592 milhões, desde 2021, em “obras de saneamento e contra cheias”.

O UOL utilizou dados do Portal da Transparência, em um item chamado “melhorias no sistema contra cheias”, e identificou não haver nenhuma rubrica destinada a este fim. O governo, porém, diz que os gastos foram feitos por meio de outras áreas, pois seria um investimento “transversal”.

Para responder ao UOL, a prefeitura divulgou um detalhamento dos investimentos desde 2021. Na lista de aportes, não há recursos  dedicados a combater as cheias do Guaíba. 

O valor mais expressivo é o dedicado à obra do Novo Sistema Ponta do Arado – que tem objetivo de combater as recorrentes faltas de água na cidade – ao custo de R$ 250 milhões, o que equivale a quase metade do investimento feito pelo governo municipal. 

O segundo maior aporte, de R$ 108 milhões, destinou-se a 26 obras de drenagem no Arroio Areia, que passa pelas zonas leste e norte, para combater alagamentos do curso d’água em bairros como Bom Jesus, Três Figueiras, Chácara das Pedras, Vila Jardim, Jardim Europa, Boa Vista, Vila Ipiranga e Higienópolis, entre outros. Esses alagamentos são oriundos de chuvas no próprio curso do arroio, sem relação com as cheias do Guaíba, que dependem de outros fatores. “A prefeitura fez, sim, reformas nas casas de bombas para colocá-las em condições de funcionamento. Mas fez isso visando conter alagamentos, e não cheias do Guaíba”, diz uma fonte especializada que preferiu não se identificar. Durante esta enchente histórica, das 23 casas de bombas, apenas quatro estavam em pleno funcionamento.

O terceiro item na lista de investimentos, de R$ 93,4 milhões, teve como destino a ampliação e trocas de redes de água – o que beneficiaria, de acordo com o poder executivo, 50 mil pessoas em Porto Alegre.

Entre os recursos divulgados pela prefeitura estão também R$ 35 milhões para dragagens de arroios, com o objetivo de evitar inundações, e R$ 11 milhões em contratos de microdrenagem de rede pluvial.

A prefeitura propagandeou também a contratação de 20 servidores para cargos administrativos no Dmae, além de 140 servidores temporários para cargos técnicos no departamento, além de 30 novos agentes na Defesa Civil. Essas contratações, porém, não suprem o déficit de servidores: a autarquia perdeu mais da metade do quadro em uma década.

A reportagem da Matinal entrou em contato com o ex-prefeito Marchezan e também com a assessoria de imprensa do governo de Sebastião Melo (MDB) para buscar posicionamentos, mas não obteve resposta em nenhum dos casos. O espaço segue aberto a esclarecimentos. 


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