Melo indica pix de assessor para doações a desabrigados e constrange subordinados
Para especialista em direito público, prefeitura deveria utilizar a própria estrutura para organizar o recebimento de recursos financeiros.
Com as assinaturas do prefeito Sebastião Melo (MDB) e do vice-prefeito Ricardo Gomes (PL), uma comunicação direcionada a um grupo no WhatsApp, composto por secretários municipais e ocupantes de cargos comissionados na prefeitura de Porto Alegre, pede dinheiro para ser destinado à comunidade das ilhas impactada pelas recentes inundações. As chuvas deixaram 1,8 mil pessoas entre desalojados e desabrigados na região. As doações, no entanto, são direcionadas à conta bancária pessoal de um assessor do governo.
“Temos feito um grande esforço para acolher as pessoas que mais precisam e concentrar toda ajuda humanitária necessária para a região do bairro Arquipélago. Mas o poder público sozinho não vence essa difícil batalha. Precisamos da ajuda e doações dos colegas, amigos e parceiros do nosso governo”, diz a mensagem, que também solicita que membros do grupo “espalhem essa corrente”.
Em seguida, o texto menciona que as doações podem ser feitas via pix, com a chave direcionada à conta bancária de José Francisco Vieira de Moura. Moura tem um cargo comissionado e está lotado na Procuradoria-Geral do Município como assessor para Assuntos Especiais e Institucionais Legislativos, de acordo com o Portal da Transparência. Moura também já ocupou cargos comissionados no governo estadual, até 2019, e na Câmara Municipal de Porto Alegre, a partir de 2015.
À Matinal, o Gabinete de Comunicação Social da prefeitura confirmou que a mensagem é verdadeira. Em nota, a assessoria do governo diz que a “mensagem de mobilização é feita habitualmente em momentos de urgência e que tem caráter interno”.
A reportagem consultou um especialista em direito público para entender a legalidade da operação. Para o advogado Bruno Morassutti, cofundador da Fiquem Sabendo, uma organização especializada no acesso a informações públicas, o pedido de doações não é irregular se feito na condição de agentes privados. Mas, considerando que houve a mobilização da estrutura de comunicação da prefeitura, o pix não poderia ser direcionado a uma conta pessoal de um assessor, mas feito por meio de instituições do município.
A prefeitura, afirma o especialista, tem meios para receber recursos públicos ou de particulares. Ele cita o exemplo do governo do estado, no caso da cheia no Vale do Taquari, que criou um pix vinculado a uma conta do poder público no Banrisul.
“Esses recursos depositados na conta pessoal estarão sujeitos à tributação. O assessor que recebê-los em seu nome terá de explicar, depois, para o fisco federal, a razão pela qual os recebeu. Se as doações fossem destinadas a uma conta do município, não seria uma doação irregular e inclusive não estariam sujeitas à tributação”, diz o advogado. Morassutti reforça que indicar uma conta vinculada ao poder público é a forma de dar transparência ao destino do dinheiro arrecadado porque, só assim, há a fiscalização de órgãos como o Tribunal de Contas.
“O próprio prefeito e o vice têm os mecanismos à disposição para realizar essas operações de modo juridicamente transparente”, argumenta Morassutti. A Matinal consultou também o TCE-RS para entender a regularidade da mensagem, mas não obteve retorno.
Servidores da prefeitura se disseram abismados e constrangidos com o pedido. “Em meio ao caos, um governo que faz contenção de crise apenas com doações pede para os servidores fazerem um pix para uma conta particular”, disse um deles. Outro considerou uma intimidação pré-campanha, já que a mensagem foi encaminhada apenas a secretários e a CCs: como se trata de um pix, o assessor da PGM poderia checar quem fez doações. “Eu não faria um pix para um cara que pode usar esse dinheiro em uma campanha, por exemplo”, disse.
Melo fez, nesta quarta-feira (22), um apelo à população de Porto Alegre para a realização de doações, com ênfase em produtos como água, kits de higiene, produtos de limpeza e alimentos não perecíveis. Desde domingo (19), a Defesa Civil resgatou 1.830 pessoas em situação de risco de inundação na região das ilhas. Mais de 190 pessoas estão acolhidas em três abrigos emergenciais do município.
Os donativos podem ser entregues em dois locais na capital: no Centro Administrativo Municipal (Gen. João Manoel, 157, Centro Histórico) e no Shopping Total (Loja 1019 – Espaço Solidário, Av. Cristóvão Colombo, 545).
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