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Pesquisa aponta 5.788 pessoas em situação de rua, 244% mais do que contagem da prefeitura

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Pesquisa aponta 5.788 pessoas em situação de rua, 244% mais do que contagem da prefeitura Foto: Filipe Castilhos / Jornal da UFRGS

Levantamento foi feito por pesquisadores da UFRGS e da Unisinos. Para a Fasc, há 2.371 nessa condição; Prefeitura estaria usando artifício para reduzir número e investimentos em assistência 

Existem hoje 5.788 pessoas vivendo nas ruas de Porto Alegre. O dado é 244% maior do que o contabilizado pela Fundação de Assistência Social e Cidadania (Fasc) e fruto de um levantamento da UFRGS e da Unisinos, por meio do grupo de pesquisa e extensão interdisciplinar Passa e Repassa. 

O próprio número de 5.788 indivíduos estimado pela pesquisa pode estar subdimensionado. “Há no mínimo essa quantidade de pessoas cadastradas em equipes de consultório na rua, nas unidades básicas de saúde e em diversos serviços de atenção primária”, diz a médica e doutora em Saúde Coletiva Maria Gabriela Curubeto Godoy, professora da UFRGS e integrante do grupo. Segundo Maria Gabriela, a subnotificação ocorre em grande parte pelo fato de uma parcela importante dessa população sequer acessar os órgãos públicos – são invisíveis ao Estado. 

Para chegar no número, o grupo Passa e Repassa cruzou diversas informações oriundas da Área Técnica de Saúde da População em Situação de Rua do governo estadual e do Ministério da Saúde, por meio do prontuário eletrônico do e-SUS, um procedimento feito por todos os atendidos no sistema público. O levantamento foi feito com o cuidado de remover dados duplicados, levantando quantas pessoas estavam ativas no sistema do SUS, que teriam consultado nos últimos dois anos.

O Ministério da Saúde começou a identificar, a partir de 2014, informações específicas para a população em situação de rua em seus dados, no qual se procura saber o tempo da condição, se a pessoa recebe algum benefício, se tem referência familiar, a origem da alimentação diária, se há acompanhamento institucional, entre outros dados.

Números discrepantes

Segundo Gabriela, a Fasc nunca explicou sua metodologia e como chegou ao número de 2,3 mil pessoas em situação de rua. “Essa discrepância afeta a formulação de ofertas de serviços públicos como moradia e alimentação que, de qualquer maneira, mostram-se insuficientes”, diz a professora. Os dados, tanto do município quanto de pesquisadores, são referentes ao final do ano de 2022. 

 A Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social contesta o levantamento feito pelas duas universidades. Segundo o secretário Léo Voigt, os 2,3 mil são o número de pessoas encontradas na rua pelo sistema de assistência social em algum momento, ao longo dos últimos 12 meses. “Já as equipes de saúde atenderam a 5.788 pessoas com perfil de rua, que frequentam, já estiveram ou estão nas ruas”, explica o secretário Léo Voigt.

Segundo Voigt, a Fasc trabalha com três grupos que frequentam os serviços socioassistenciais, que somam cerca de 6,2 mil pessoas “com perfil de rua”. O primeiro é composto de pessoas com situações familiares desagregadas e que recebem acompanhamento do Centro de Referência da Assistência Social; o segundo é de pessoas frequentes nas ruas atualmente; e o terceiro de pessoas que já estiveram e continuam sendo acompanhadas, não retornaram, mas não tiveram alta do sistema. “São três diferentes grupos, mas não são necessariamente pessoas que estão hoje na rua. Essa é a diferença (em relação ao estudo do Passa e Repassa)”, explica o titular da pasta.

O grupo Passa ou Repassa diz que o problema da contagem da Prefeitura está na definição do que é uma pessoa em situação de rua. De acordo com a Política Nacional da População em Situação de Rua, é aquele indivíduo que não tem moradia, vive em locais degradados e em extrema pobreza. “Esse ‘perfil de rua’ mencionado (pelo secretário) não é encontrado na literatura sobre o tema”, explica Maria Gabriela Godoy. “A Fasc deixa de contabilizar a pessoa, no momento em que ela está numa pousada ou com auxílio, por exemplo. Isso é um artifício, pois ela continua na situação de rua, embora abrigada”, diz. 

Entre 2020 e 2022, a Fasc registrou uma diminuição na população de rua: 2.679 pessoas em 2020; 2.518 em 2021; 2.371 em 2022. O Grupo Passa ou Repassa aponta o contrário: foram feitos 3.796 novos cadastros de pessoas em situação de rua nos últimos três anos no do e-SUS. 

Outra divergência é o número de vagas de acolhimento oferecidas pelo município. Segundo a Prefeitura, elas somam 950 vagas – das quais 350 em pousadas; 240 em albergues; 240 em centros POP e 120 em abrigos. Mas levantamento das universidades mostra haver 810: 120 vagas em abrigos, 240 vagas em albergues e 450 vagas em pousadas de hospedagem social. “Não há informação clara e precisa a respeito”, afirma Maria Gabriela.

Redução de orçamento para o setor

“As últimas gestões vêm operando numa rede de assistência insuficiente, um processo de higienização social, com remoções forçadas e aumento da violência sobre essas populações para retirá-la de locais que passam por revitalização e especulação imobiliária”, analisa a especialista. A gestão de Sebastião Melo (MDB) tem os menores números de investimento em assistência social da década. Uma análise dos valores previstos no orçamento para Fasc, obtidos através do Portal da Transparência, revela que em 2021, o índice, que não baixava de 3% do orçamento total da prefeitura, ficou em 2,38%. Em 2022, 2,54%. Em 2020, último ano da gestão de Nelson Marchezan Júnior (PSDB), a Prefeitura destinou 5,43% do orçamento da Secretaria de Desenvolvimento Social para o programa de segurança alimentar e nutricional da capital. No primeiro ano do governo Melo, a previsão caiu para 1,26%.

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