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Pesquisa da UFRGS aponta as falhas no Distanciamento Controlado do governo Leite

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Pesquisa da UFRGS aponta as falhas no Distanciamento Controlado do governo Leite Após um pouco mais de um ano de existência e diversas mudanças, MDC foi extinto em 27 de abril (Foto: Gustavo Mansur / Palácio Piratini)

Estudo diz que o modelo de combate à Covid-19 do governo Leite ignorou indicadores importantes e deu peso excessivo à ocupação de leitos de UTI.

Após assistir ao colapso sanitário que deixou mais de 16 mil gaúchos mortos em apenas quatro meses, o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), enterrou sua principal estratégia de combate ao coronavírus no Estado, baseada no sistema de bandeiras. Em 27 de abril, escreveu no Twitter: “O modelo de distanciamento controlado cumpriu importante papel no estado ao longo de um ano. Pioneiro no Brasil, nos ajudou a administrar a crise da pandemia, com protocolos e regionalização. Fragilizou-se diante de um ciclo atípico da Covid-19 e da interferência via judiciário”. 

Acabava ali o Modelo de Distanciamento Controlado (MDC), método que atraiu críticas de todos os lados, sofreu diversas flexibilizações e revisões de critérios, virou alvo de disputa judicial entre governador e prefeitos – e, no fim, falhou na missão de conter a crise do coronavírus no Estado. 

É o que revela uma pesquisa desenvolvida na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e divulgada com exclusividade pelo Matinal. Capitaneado pelo pesquisador em biomedicina Ricardo Rohweder, sob orientação da médicap geneticista Lavínia Schüler-Faccini e do biólogo e especialista em dinâmica de populações Gonçalo Ferraz, o estudo aponta que o modelo adotado por um ano não foi capaz de quantificar a real dimensão da epidemia no Estado, tornando-se insuficiente para deter seu avanço. 

Os cientistas demonstram duas falhas principais: o modelo não mediu o número efetivo de reprodução do coronavírus, a principal métrica para avaliar o avanço de uma pandemia; e deu à capacidade de atendimento do sistema de saúde um peso desproporcional no cálculo de indicadores. “A percepção humana tem dificuldade em quantificar o aumento exponencial de uma pandemia. Nós captamos o aumento aritmético: 1, 2, 3, mas não o 1, 2, 4, 8, 16. Por isso, precisamos quantificar o multiplicador, isto é, para quantas pessoas uma pessoa infectada transmite a doença, o Rt. Epidemiologistas do mundo todo, inclusive do Rio Grande do Sul, mediram o Rt para avaliar esse indicador fundamental, e se guiavam basicamente por isso”, observa Ferraz. “Mas o MDC não avaliou este índice”. Com a adoção do indicador de número de leitos, o modelo acabou sendo distorcido. “É um erro focar demais no número de leitos. Sua ocupação é uma consequência do avanço da epidemia, não uma métrica que serve para prevê-lo”, explicou Rohweder. 

A crítica ao uso de indicadores sobre ocupação dos hospitais foi feita publicamente por pesquisadores e médicos durante a vigência do MDC. Em entrevista ao Sul21 em abril, o infectologista Alexandre Zavascki classificou o MDC como “totalmente falho” em monitorar a situação da pandemia no Estado e evitar o colapso nos hospitais. Uma evidência disso foi o modo como o modelo foi extinto: da noite para o dia, o Estado inteiro passou da bandeira preta para a vermelha, com mais uma flexibilização no indicador de ocupação dos hospitais, considerado por Zavascki um índice “artificial” para fazer essa mensuração.

As análises feitas pelos pesquisadores mostram que, em meados de 2020, as cores nas bandeiras não guardavam semelhança com o grau de transmissão da Covid-19 no Estado e não tinham impacto na redução da circulação de pessoas. O contrário também foi verificado: o aumento da taxa de transmissão de coronavírus não alterava as cores das bandeiras usadas para indicar seu agravamento. “O modelo nunca foi seguido de fato. Nunca houve lockdown, por exemplo”, diz Faccini. “É importante deixar claro que não foram as medidas de distanciamento preconizadas pela OMS que não funcionam – elas funcionam muito. Foi o modelo adotado no Estado que nunca conseguiu implementá-las para valer”, completa. Assim que ficou pronto, em maio, o estudo foi enviado por Faccini ao governo do Estado. Os três pesquisadores se colocaram à disposição para debater sobre os resultados, mas não haviam sido chamados até início de junho.

Antigo modelo dava peso igual a indicadores diferentes, como o de propagação do vírus e a disponibilidade de leitos clínicos e de UTI (Foto: Felipe Dalla Valle/Palácio Piratini)

Criado pela Secretaria de Planejamento, Orçamento e Gestão, o Modelo de Distanciamento Controlado avaliava indicadores de propagação do vírus (como o número de mortes semanais e o número semanal de internados por Covid-19) e a disponibilidade de leitos clínicos e de UTI. Ao todo, eram usados cerca de 11 indicadores até o fim de março deste ano. Os dois tipos de métricas recebiam um peso igual no cálculo que gerava um valor numérico associado às bandeiras: amarela, laranja, vermelha ou preta. O cálculo era feito semanalmente para cada uma das 21 regiões, que recebiam uma bandeira associada a um conjunto de medidas de contenção, como lotação máxima em supermercados ou lojas, horários de funcionamento do comércio, entre outros. 

Para avaliar a eficácia do MDC, os pesquisadores adaptaram um  modelo desenvolvido pelo Imperial College Covid Response Team, do Imperial College de Londres, que se tornou referência no acompanhamento da pandemia em todo o mundo. A análise da UFRGS utilizou as mortes por Covid-19 notificadas no Rio Grande do Sul pelo Ministério da Saúde entre 24 de março a 21 de dezembro de 2020, quando ocorreram 8.162 óbitos e mais de 409 mil casos de infecção. Segundo os pesquisadores, o número de mortes é a métrica mais segura para estimar outros eventos ocorridos nas semanas anteriores, uma vez que outros indicadores pandêmicos, como o número de casos, tendem a esconder a real gravidade da situação. “No Rio Grande do Sul e em todo o Brasil temos uma alta subnotificação das infecções”, justifica Rohweder. 

A partir das mortes notificadas, eles estimaram o número de casos por região ao longo do tempo. Isso também permitiu avaliar o número efetivo de reprodução do vírus e a taxa de ataque, isto é, a incidência da Covid em um grupo de pessoas expostas ao mesmo risco. Além desses indicadores principais, os cientistas estimaram o efeito da mobilidade com base nos relatórios do Google Mobility, que quantifica, para cada dia da semana, o quanto as pessoas estão mais ou menos presentes em cada local – sejam residências, comércio, escritórios, parques ou terminais de transporte coletivo – e compara esses dados com um período pré-pandemia.

Ao confrontar as medidas do MDC com a velocidade de propagação do vírus no Estado, usando o método do Imperial College, os cientistas notaram que as mudanças de bandeira não tiveram relação estatística mensurável com as mudanças na trajetória da pandemia. Ou seja, não importava se a bandeira estava amarela (baixo risco), laranja (médio risco) ou vermelha (alto risco), o número de pessoas contaminadas não diminuiu. Pelo contrário, elas não surtiram o efeito esperado para controlar a disseminação do coronavírus. 

Do ponto de vista estatístico, o primeiro problema foi atribuir peso igual a dois indicadores diferentes: o da propagação do vírus e da capacidade de atendimento do sistema de saúde, que teve um incremento ao longo do ano passado. Os prefeitos logo notaram que ampliar a oferta de leitos mudava o cálculo e tornava as medidas de distanciamento mais brandas. Passaram, então, a pressionar o governo estadual por recursos. Mas a adoção de bandeiras em função da ocupação de UTI acabou criando uma falsa sensação de controle. “A velocidade da transmissão da Covid-19 alcança uma intensidade muito superior à velocidade de ampliação de qualquer sistema de saúde na oferta de serviços. E de forma inversamente proporcional. Um paciente com Covid-19 geralmente tem um longo período de internação, então o sistema de saúde fica saturado por muito tempo com os mesmos pacientes. Sem contar que não bastam mais leitos, é preciso toda uma equipe de profissionais altamente capacitados e treinados”, diz Faccini. 

Um estudo da PUC-Rio e da USP mostrou que 60% de todos os pacientes internados na UTI morrem, o que torna o indicador da capacidade de atendimento ainda mais falho para evitar mortes. Garantir um atendimento de saúde adequado é crucial para a saúde da população, mas a redução do número de mortes só é possível através da redução da velocidade de propagação do vírus, o que não foi estimado adequadamente pelo MDC de Leite. Em análise publicada com exclusividade no Matinal em julho do ano passado, o matemático da UFRGS Álvaro Krüger Ramos já alertava para esta falha.  “(…) ao medir apenas hospitalizações e não o número de casos registrados (critério que chegou a ser considerado, mas abandonado depois), estamos vendo o passado, pois existe uma grande distância entre a contaminação e a hospitalização, sem contar que esta ocorre na menor parte dos pacientes infectados”, escreveu. “Mas provavelmente o maior erro não esteja no modelo em si, mas no respeito às suas diretrizes. E aí o desrespeito tem sido generalizado.”

Outro problema desse mesmo indicador foi causado pela divisão do Estado em 21 regiões. Se uma região sofresse um agravamento na velocidade de transmissão em uma semana, essa evidência poderia ser abafada por informações provenientes de regiões próximas a ela, porque o cálculo incluía índices de municípios próximos e os do Estado como um todo. Ao fazer isso, as diferenças se reduziam, criando uma tendência de homogeneização das bandeiras entre regiões que estavam em situações diferentes.

O artigo mostra que as chances de avanço na pandemia previstas pelo MDC eram tão prováveis como seu recuo. “No curto prazo, a transmissão do vírus permaneceu tão indiferente à adoção de medidas supostamente mais restritivas como com a adoção de medidas menos restritivas”, concluiu o estudo. A pesquisa foi além e estimou o efeito das medidas do MDC no médio prazo. Segundo os pesquisadores, era esperado que quanto maior o tempo de aplicação de medidas de restrição associadas a uma bandeira vermelha, por exemplo, maior seria o efeito exercido para frear a pandemia. Mas não houve variação. Ou seja, o impacto foi praticamente nulo. 

Frouxidão

Além das falhas nos indicadores usados – considerados não só insuficientes como inadequados para a seleção das bandeiras –, os cientistas atribuem a ineficácia do MDC à frouxidão com que foi aplicado. Quando a pandemia ficou mais intensa, em 15 de junho de 2020, se uma região recebesse bandeira vermelha ou preta, ela deveria permanecer ao menos duas semanas assim. Segundo o estudo, houve apenas dois momentos em que a manutenção prolongada de uma mesma bandeira coincidiu com uma diminuição substancial na média semanal do Rt, a taxa de transmissão do coronavírus, para menos de 1. Isso ocorreu em dez semanas de bandeira vermelha nas regiões Covid de Canoas, Porto Alegre e Novo Hamburgo e na de Taquara (que ficou por sete semanas). “Quando a pandemia estava tomando proporções maiores, o governo acrescentou esse mecanismo [o bloqueio da bandeira vermelha] no Modelo de Distanciamento Controlado. Como consequência, as regiões não oscilavam entre bandeira vermelha e laranja de uma semana para a outra. Os índices tinham que melhorar muito para que a região saísse do bloqueio”, explica Rohweder.  

Porém, em 31 de agosto, o governo do Estado retirou esse mecanismo, o que acabou por anular os eventuais impactos positivos do sistema. Um dia depois, todo o litoral gaúcho e a região metropolitana de Porto Alegre saíram da bandeira vermelha para a laranja, após três semanas de restrições mais duras. A partir daí, a maior parte do Estado não conseguiu melhorar os indicadores para voltar à bandeira amarela – as últimas regiões que fizeram isso foram Bagé e Erechim, em 10 de novembro, mas voltaram à bandeira laranja na semana seguinte.

À medida que o tempo passou, outras flexibilizações foram sendo adotadas, com aumento do horário de funcionamento de comércio e a possibilidade de cogestão, e o modelo foi perdendo a credibilidade perante a população. Um exemplo é o caso de Pelotas: o município atingiu 439 novos casos de Covid-19 e 6 mortes em 9 de dezembro – seu maior pico na pandemia até então – e, na semana seguinte, foi uma das primeiras regiões a entrar em bandeira preta. Porém, graças à cogestão, a região conseguiu manter as restrições da bandeira vermelha, que ainda permitia o funcionamento de comércio, bares, restaurantes e cultos religiosos.

Segundo o estudo da UFRGS, o efeito das bandeiras sobre o comportamento dos cidadãos foi enfraquecido por uma variedade de fatores, entre eles a semelhança entre protocolos de diferentes bandeiras e a falta de orientação e fiscalização da aplicação das medidas de restrição por parte dos órgãos de qualquer esfera de governo. “Esse resultado demonstra que a tomada de decisões no MDC-RS não refletiu adequadamente o comportamento da epidemia”, aponta a pesquisa. 

O fim das bandeiras

Falamos com dois pesquisadores que acompanharam de perto o desenvolvimento do MDC e com o atual secretário de Inovação, Ciência e Tecnologia, Luís Lamb, para entender como o governo recebeu as críticas ao MDC apontadas pelo estudo da UFRGS. Lamb assumiu recentemente a coordenação do Comitê de Dados, um dos braços do Gabinete de Crise, responsável por formular, selecionar e mensurar os indicadores da pandemia no Estado. Perguntado sobre a construção do MDC, o secretário atribuiu o mérito à Leany Lemos, a secretária de Planejamento que coordenou o desenho do modelo e preferiu não entrar em detalhes sobre as críticas feitas pelo estudo da UFRGS. Mas minimizou a importância do modelo em si no agravamento da crise sanitária: “Os dados refletem uma realidade da pandemia, mas são as ações que geram resultados. Precisamos de um consenso social de combate à pandemia para sermos efetivos. Os modelos e os sistemas têm mais impacto se acompanhados de ações por parte de todos.” Questionado sobre se o Estado está distante de um consenso, Lamb disse que este “é um processo em permanente construção”, mas que um “pensamento consensual sobre a gravidade de uma pandemia, sem dúvida, ajuda no enfrentamento”.

A visão de Lamb é compartilhada pela médica e professora de epidemiologia Lucia Pellanda, reitora da Universidade de Ciências da Saúde de Porto Alegre. Pellanda acredita que os modelos são neutros, isto é, são ferramentas. “O problema é o que é feito com eles [modelos]”, disse, ao se referir às constantes flexibilizações. “O Rio Grande do Sul possui uma equipe técnica de primeira linha, que fez um acompanhamento diário, intenso e super competente da pandemia. Tenho imenso respeito por esses profissionais”, disse Pellanda. Para enfrentar a pandemia, o governo gaúcho criou um Comitê de Dados, agora chefiado por Lamb; um Comitê Científico, com caráter consultivo e que agrega mais de 50 cientistas – Pellanda é uma das especialistas convidadas; e um Gabinete de Crise, de essência política para dialogar com as prefeituras. “No final, com tantas flexibilizações nos protocolos, a bandeira preta estava muito parecida à vermelha”, disse, exemplificando um dos problemas também identificado pela pesquisa da UFRGS. “O MDC acabou desmoralizado por ações alheias a ele”, avalia Pellanda.

Convidada a integrar o Comitê Científico, Suzi Camey, professora do Departamento de Estatística e da pós-graduação em Epidemiologia da UFRGS, teve um papel ativo em todo o processo de desenho do Modelo de Distanciamento Controlado, e lamentou o seu fim. “O MDC morreu pelos motivos errados”, disse. Seu relato ao Matinal sobre a construção da ferramenta e as escolhas políticas feitas a partir dele (e apesar dele) ajudam a entender por que o Rio Grande do Sul chegou ao pico de mortes e ao colapso do sistema de saúde no começo de 2021. “Desde o início, quando fui convidada a integrar o Comitê Científico, o pedido do governo era claro: ‘precisa haver flexibilizações’. Não houve, no país, um governo que tenha bancado o que precisava ser feito. No RS, não foi diferente”, contou. Logo houve um pedido claro do governo de Eduardo Leite para monitorar a ocupação do sistema de saúde – daí sua inclusão como indicador no MDC. “A ideia era prever e garantir que todo mundo que precisasse fosse atendido”, disse Camey. Ou seja, a ideia desde o princípio era evitar o colapso dos hospitais com pelo menos 30 dias de antecedência, não necessariamente evitar a infecção – o que explica a não inclusão de uma métrica de reprodução do coronavírus no MDC e o peso dado à ocupação das UTIs. 

O próprio estudo da UFRGS não consegue medir a taxa de transmissão do vírus em tempo real, porque se baseia no número de óbitos e não no número de casos – esta, aliás, é uma limitação da metodologia, segundo seus próprios autores. Camey concorda haver uma dificuldade de mensurar essa taxa em tempo real não só devido à subnotificação das infecções (favorecida pela falta de testagem em massa e de busca ativa de casos), mas pela demora na atualização dos números pelas prefeituras. “O registro em Porto Alegre tem um atraso de quatro dias. Mas, no Estado inteiro, o atraso chega a 14 dias. Os modelos estatísticos precisam corrigir esses atrasos, mas mesmo com correções há uma limitação, agrega muita incerteza ao modelo”, explica. 

A demora na notificação de novos casos, segundo Camey, acabou justificando o uso do indicador da ocupação dos hospitais no modelo por causa da agilidade. Mesmo as hospitalizações podendo ser tardias em relação ao início do contágio, a atualização dos números dos hospitais – que informavam dados da lotação de UTIs, atendimentos de casos confirmados e suspeitos – ocorria de forma instantânea, especialmente em Porto Alegre, tornando possível usar o indicador para a tomada de decisão na seleção das bandeiras. 

O problema foram as flexibilizações adotadas ao longo do ano passado: “A cor da bandeira deixou de ser atrelada ao que o modelo indicava, mas a uma decisão política. Com as flexibilizações nos protocolos, uma mesma bandeira em abril de 2020 era diferente da de novembro”, reconhece Camey. A pesquisadora reforça a posição de Pellanda e Lamb sobre a necessidade de convergência entre Estado e prefeituras do que precisava ser feito para combater a pandemia. “O diagnóstico é um só. Frente a um diagnóstico, você pode prescrever um chazinho ou um antibiótico dependendo de como você avaliou o dado”, compara Camey. “A escolha do tratamento cabia ao governo do Estado e às prefeituras com base nos dados”.

A cientista relatou ter saído arrasada de reuniões que envolviam o governador Eduardo Leite e prefeitos. “O nível de negação da realidade [dos prefeitos] é muito elevado”. Segundo ela, o combate à pandemia sofreu um duro revés com as eleições. “A maioria dos prefeitos eleitos assumiram se negando a tomar as medidas necessárias para evitar mortes. O discurso era apenas retomar a economia, sendo que a economia só seria salva com medidas sanitárias, conscientização sobre a importância do uso de máscaras e distanciamento, e com vacina”, diz. A posição dos gestores municipais não mudou nem com a chegada da P1, a nova variante de Manaus, não prevista pelo MDC e muito mais letal e contagiosa do que a cepa que circulava no Estado. 

O caso de Porto Alegre é exemplar: enquanto as mortes mais do que dobravam e os hospitais colapsavam, as pressões do prefeito Sebastião Melo por flexibilizações se mantiveram inalteradas. No dia 25 de fevereiro, o governo estadual anunciou bandeira preta para todos os municípios gaúchos, com fechamento do comércio não essencial. Ao longo de março, Porto Alegre teve 1.375 mortes por coronavírus – o recorde até agora –, mas o prefeito insistiu na tentativa de abrandar as restrições: editou um decreto que liberava atividades não essenciais aos finais de semana e feriados, numa evidente afronta ao Palácio Piratini. O assunto terminou na Justiça, que deu razão ao governo Leite. No início de abril, foi a vez do governador ceder à reabertura de restaurantes aos finais de semana, apesar do número alto de mortes e internações por Covid-19.

O abre e fecha do comércio, o cabo de guerra entre as diferentes esferas governamentais e o descrédito da população acabaram por sepultar o modelo de bandeiras um ano depois de ter entrado em vigor.

O novo modelo

Em 14 de maio, o governo Leite lançou um novo modelo de gestão da pandemia, chamado de Sistema 3As de Monitoramento. Em vez das bandeiras, o sistema emite indicadores em três estágios: Aviso, Alerta e Ação. Na fase de Aviso, o Comitê de Dados identifica uma tendência de avanço e informa a equipe técnica da respectiva região, que deve redobrar a atenção. Quando os indicadores de propagação do vírus ou de ocupação de leitos apontam um cenário mais grave, a região e o Gabinete de Crise são acionados simultaneamente – e este último pode decidir emitir um Alerta ou não. Caso o Alerta seja emitido, a região tem 48h para apresentar um plano de Ação, que é avaliado pelo governo estadual. Se a resposta apresentada for fraca demais, o Estado pode intervir e aplicar as próprias restrições. Diferentemente do MDC, o sistema 3As não faz um cálculo baseado em indicadores como ocupação das UTIs e propagação do vírus, embora eles sigam sendo monitorados. “Nós fazemos uma avaliação subjetiva das informações contidas no Boletim Regional Covid e de outras informações que coletamos e emitimos os avisos e alertas”, informa Camey. “Por exemplo, se o número de casos está caindo, de acordo com o boletim, mas recebemos a informação de que o sistema do Sivep (sistema de notificações) esteve indisponível naquele período, então não consideramos a queda uma melhora da região”, detalha.

Neste novo sistema, as prefeituras ganham mais responsabilidade sobre o controle da pandemia – uma tentativa de extinguir a guerra entre municípios e Estado que se agravou no pós-eleições. Os indicadores ficam públicos na página do Sistema 3As e são informados pelas redes do governo do Estado imediatamente à sua publicação. Não há o filtro prévio das instâncias políticas, como o Gabinete de Crise. Suzi Camey acredita que isso aumenta a autonomia do Comitê de Dados e do Comitê Científico, que divulga os dados diretamente no site sem ter de submetê-los à apreciação prévia. “Pesquisas indicam que as informações sobre o agravamento da pandemia têm uma participação importante na mudança de comportamento da população. As pessoas precisam aprender a lidar com o vírus, como sair de casa com segurança, o que pode ou não fazer, e ter um panorama da situação atual ajuda nisso”, diz Camey.

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