Prefeitura derruba dois jacarandás na Ipiranga em plena floração

Prefeitura justificou cortes devido a risco de queda. Para biólogo, há rotina de corte de árvores injustificado e falta cuidado no manejo da arborização porto-alegrense. Leitora lamenta: “árvores foram eleitas como inimigas”
O corte de dois jacarandás surpreendeu moradores de um condomínio situado na avenida Ipiranga, na quinta-feira (9). As árvores, floridas e com as copas largas, estavam próximas à esquina da rua Coronel Jaime da Costa Pereira, no bairro Partenon.
“É triste saber que a prefeitura de Porto Alegre elegeu todas as árvores como inimigas. Isso é um absurdo, pois esses jacarandás não apresentam risco de queda. Estão cada vez mais retirando as árvores localizadas na Ipiranga”, disse a moradora que preferiu não se identificar à Matinal. Ela, que tinha um dos vegetais em frente a seu apartamento, agora vê as quatro pistas para carros da avenida e o Arroio Dilúvio quando abre as janelas. Os jacarandás estão entre as quatro espécies de árvores mais comuns na arborização porto-alegrense.

A prefeitura, por sua vez, diz que os jacarandás foram “criteriosamente inspecionados” antes da supressão, e que apresentavam risco de queda, por serem vegetais isolados. A Secretaria de Serviços Urbanos (SMSUrb) também justificou o corte ao dizer que as árvores, quando afastadas umas das outras, estão mais vulneráveis, por conta de solos pobres, da exposição aos ventos, de copas descaracterizadas ou sem raízes de sustentação devido às estruturas urbanas.
O biólogo Francisco Siliprandi, da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan), diz que, por esses critérios descritos pela prefeitura, a maior parte das árvores estariam em risco e sujeitas à supressão. “Há gente condenando árvores que não precisam ser condenadas. Existe uma indústria com interesse nisso. Falta responsável técnico na hora da poda”, diz o especialista em manejo de vegetais no contexto das cidades, integrante do Conselho Municipal do Meio Ambiente.
Embora não possa atestar a saúde dos dois jacarandás cortados pela falta de transparência a respeito dos cortes, Siliprandi diz que a prefeitura deveria ter técnicos da Secretaria de Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade (Smamus) acompanhando cada remoção. O serviço, porém, é atualmente operado pela SMSUrb. “Porto Alegre tem grave falta de pessoal especializado para esse manejo. A própria lei obriga que a se publicize esses cortes”, diz.
O especialista se refere a uma lei de 2015, que ordena a divulgação de qualquer ação de supressão, transplante ou poda de vegetais que sejam relevantes, a critério da Smamus. Esses comunicados, de acordo com a legislação, devem ser feitas pelo menos cinco dias antes da intervenção, com instalação de placas informativas, publicação em jornais ou panfletagem na vizinhança da árvore.
Questionada sobre a falta de publicidade dos cortes exigida por lei, a SmSurb não informou por que esta exigência não é cumprida. Disse, por meio de nota, que “toda poda ou supressão só é realizada após o laudo de um técnico da área” e que “os serviços executados são controlados por um software da prefeitura de Porto Alegre no qual são registrados os manejos com fotos do vegetal ‘antes’ e ‘após’ as intervenções”. Informou também que o Ministério Público tem acesso a esse sistema e pode acompanhar em tempo real o trabalho das equipes contratadas pela SMSUrb.
A prefeitura também não informou se novas árvores serão plantadas no local. Disse que “o planejamento da arborização pública é realizado a partir de estudo técnico, tendo-se como premissa básica ‘a árvore certa para o local certo’”.
Para Siliprandi, a falta de técnicos especializados na prefeitura provoca esses problemas de zeladoria no tema do meio ambiente. “O plantio de árvores parou em Porto Alegre, cidade que já esteve entre as mais arborizadas no país. Empresas terceirizadas ganham por árvore podada, por execução de serviço, de modo que passam na rua podando tudo, com podas drásticas mesmo no auge do verão, fora do padrão da Associação Brasileira de Normas Técnicas”, afirmou em entrevista à Matinal.
O biólogo também destaca que as entidades ambientalistas devem agora acompanhar a compensação pela derrubada das duas árvores. “O que vai ter naquele lugar? A gente precisa de árvores da mesma espécie, com plantio profissional, feito pela prefeitura. O que não podemos aceitar é que concretem o local, mas é o que temos mais visto”, lamenta.
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Colaborou Sílvia Lisboa