Reportagem

Restauro do Viaduto Otávio Rocha será feito por quase um terço do valor original

Change Size Text
Restauro do Viaduto Otávio Rocha será feito por quase um terço do valor original Projeção de como ficará o viaduto após a reformulação | Foto: PMPA

Edital para obra lançado pela Prefeitura estipula valor máximo de R$ 13,7 milhões para reforma que, em 2015, estava prevista para sair por R$ 33 milhões

Um dos principais cartões postais da capital gaúcha e patrimônio municipal tombado, o viaduto Otávio Rocha deverá receber reformas aguardadas há dez anos. Em 4 de abril, a Prefeitura de Porto Alegre lançou um edital para “contratação da Execução das Obras de Restauração, Recuperação, Correção e Conservação do Viaduto Otávio Rocha”.

O valor da obra, no entanto, é quase R$ 20 milhões menor do que o originalmente previsto para o projeto que será executado. Pronta desde 2015 e na gaveta desde então, a concepção para a reforma foi orçada à época na casa dos R$ 33 milhões, mas o valor sofreu sucessivas revisões por parte da Prefeitura por conta de dificuldades para assegurar o recurso necessário. Especialistas veem com preocupação a redução no valor. “Por esse valor é impossível [restaurar o viaduto]. Não consigo ver uma empresa que por esse preço consiga fazer essa obra com qualidade”, afirma o arquiteto Alan Furlan, um dos autores do projeto estrutural previsto para execução no edital lançado pela prefeitura.

Em outras oportunidades, a obra já foi estimada em R$ 27 milhões, 17 milhões e, até janeiro deste ano, passou para  R$ 16 milhões e agora chegou aos R$ 13 milhões. “O Viaduto foi candidato à captação através de várias linhas de financiamento disponíveis, com constantes atualizações do orçamento das intervenções para subsidiar estas negociações”, explicou o Paço sobre as sucessivas mudanças de orçamento no termo de referência da obra. O financiamento disponível agora é proveniente de reembolsos pela variação do dólar de um empréstimo da Prefeitura junto ao CAF, o Banco de Desenvolvimento da América Latina, no âmbito do projeto de revitalização da Orla POA. O viaduto foi incluído no programa, o que viabilizará sua restauração.

Até a tarde desta quarta-feira (13), a Prefeitura havia concedido acesso aos documentos da obra a apenas dois interessados na licitação. A abertura das propostas será realizada em 5 de maio. Não se sabe até o momento detalhes sobre o que justifica a redução no valor.

Valor subestimado

Contratado em 2012 pela empresa Engeplus, que ganhou a concorrência lançada pelo poder municipal para a concepção da revitalização do viaduto à época, o arquiteto Alan Furlan coordenou a equipe responsável pelo projeto e vê com preocupação a redução do orçamento. Segundo ele, a diminuição se soma ao aumento de custos no setor da construção, o que deprecia ainda mais o valor do investimento proposto em comparação à previsão original. 

“Não consigo fazer a obra com esse preço. Existem talvez outras três pessoas que conheçam esse projeto tão bem quanto eu, e eu não acredito que seja possível executar com esse valor”, lamenta o arquiteto. “É uma obra difícil, e muito problema pode aparecer. Está com um valor muito baixo. A minha empresa sequer considerou disputar este edital porque, infelizmente, não avaliamos ser um bom negócio”, considera Furlan, que aponta o risco do restauro gerar diversos custos extras para implementar aspectos do projeto subdimensionados no orçamento. O alerta remete ao caso da reforma da Usina do Gasômetro, cujo edital foi lançado com base em projeto reprovado e a obra acabou saindo por um valor 42% maior do que o previsto originalmente.

De acordo com Furlan, um dos ajustes realizados pela Prefeitura foi a retirada da iluminação cênica prevista pelo projeto original. Apesar de ausente na obra conforme o edital lançado, a iluminação consta nas imagens divulgadas pelo poder municipal nas redes sociais. Além disso, o Departamento Municipal de Água e Esgoto (Dmae) também propôs atualizações no projeto hidrossanitário do viaduto, atualizado por conta da Secretaria Municipal de Obras e Infraestrutura (SMOI).  

Movimentos sociais tiveram voz na concepção do projeto concebido por Furlan, e a ideia era que, após o restauro, a gestão do espaço fosse realizada de forma conjunta, entre secretarias municipais, associações de moradores e comerciantes ligados ao viaduto. 

Uma delas, a Associação Representativa e Cultural dos Comerciantes do Viaduto Otávio Rocha, a Arccov, havia solicitado ao poder municipal que compartilhasse o projeto ajustado com os comerciantes do viaduto, pedido que teria sido recusado pelo ex-secretário de Planejamento e Assuntos Estratégicos Cezar Schirmer (MDB). “Picotaram o projeto sem respeitar o que decidimos na época. Não haverá restauração [do viaduto], mas uma maquiagem”, afirma Adacir Flores, presidente da Arccov e é dono de um sebo em uma das 34 lojas do viaduto. 

“É algo de cima para baixo. Nada é falado com os permissionários. Isso é uma obra cara à cidade de Porto Alegre e deveria haver maior diálogo com a comunidade”, critica o advogado Felisberto Luisi, representante do Centro Histórico no Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano e Ambiental (CMDUA). 

Cirex substituído

Um dos pontos polêmicos apontados à reportagem é a eventual substituição do revestimento original do viaduto, no lugar de seu restauro, hipótese considerada “inadmissível” por Luisi. Feito com argamassa característico das grandes obras urbanas dos anos 30 e 40, o cirex é o componente que traz rugosidade à textura do Otávio Rocha. Em divulgação nas redes sociais, a prefeitura indicou que a nova obra contemplará “a substituição de todo o cirex”. 

De acordo com o arquiteto Tiago Holzmann, presidente da seccional gaúcha do Conselho dos Arquitetos do Brasil (CAU-RS), a substituição do cirex só seria aceitável diante de motivos técnicos que apontem para uma inviabilidade de sua recuperação. “A primeira decisão de um profissional técnico de restauro é recuperar o que existe, não substituí-lo”, diz Holzmann, que reforça a necessidade de se checar o que o projeto aponta a respeito das condições do material. 

Furlan, no entanto, disse à reportagem que documentos técnicos à época de seu projeto indicavam a manutenção do cirex que compõe o viaduto desde a sua construção, na virada dos anos 1920 para os 1930. “É um material extremamente durável. Olha quantos anos ele durou, em um local com grande fluxo de veículos, poluição, suportando bem ao longo de muitos anos”, aponta o arquiteto, que alerta para a necessidade de uma mão de obra especializada para o restauro do revestimento.

Apesar dos cuidados exigidos com o cirex, recentemente a Prefeitura pintou o revestimento do viaduto como parte de uma ação emergencial de “combate à pichação” promovida pelo ex-secretário Cezar Schirmer. A ação municipal foi considerada ilegal e criticada por especialistas, por não respeitar a Lei do Tombamento. “O maior crime contra o cirex é meter tinta em cima”, critica Holzmann, presidente do CAU gaúcho, que chegou a notificar à prefeitura. 

Na época, parte da justificativa apresentada pelo ex-secretário para a pintura foi que toda estrutura em cirex do viaduto seria trocada em breve, no âmbito da obra de restauro que agora está sendo licitada.

Depois de contatar diferentes secretarias, a redação aguarda o posicionamento do Gabinete de Comunicação da Prefeitura, que não retornou até o fechamento desta reportagem. A matéria será atualizada com as eventuais respostas.

Comerciantes sem respostas

Para além do cirex e do orçamento subdimensionado, a realização da obra preocupa comerciantes do viaduto. Os lojistas não sabem se precisarão deixar as suas lojas no período da obra, nem por quanto tempo. Também não sabem se poderão voltar às suas atividades assim que as reformas forem concluídas.

Um comerciante do viaduto disse ao Matinal que conversou com representantes da prefeitura e eles lhe asseguraram que “a ideia é não tirar ninguém”. Mas ele próprio não recebeu nenhuma garantia por parte do poder público. 

Os lojistas sofrem com o abandono do espaço há anos. Atualmente, apenas quatro permissionários estão regulares – dois deles têm seus comércios no espaço desde os anos 70. Outras lojas estão sublocadas ou abandonadas.

Comerciantes lembram que o projeto de restauro do viaduto havia sido encampado pelo então vice-prefeito Sebastião Melo durante a gestão Fortunati, entre 2012 e 2016, mas que as obras empacaram na busca por financiamento. Com a reforma na gaveta, a situação de abandono do Otávio Rocha se intensificou. De lá para cá, virou ponto para tráfico de drogas e depois moradia improvisada para pessoas em situação de rua, o que levou a sucessivas ações da Prefeitura pela remoção desses grupos.

Em 2019, o governo Marchezan iniciou uma movimentação para  concessão do viaduto Otávio Rocha à iniciativa privada como contrapartida ao restauro e reforma do patrimônio. O projeto, no entanto, não foi adiante após o fracasso da tentativa de concessão do Mercado Público promovida pelo ex-prefeito. 

“Hoje, estou mais preocupado com a restauração e a manutenção da identidade material do viaduto do que com a nossa permanência [dos comerciantes]”, afirma Adacir Flores, presidente da Arccov.

Gostou desta reportagem? Garanta que outros assuntos importantes para o interesse público da nossa cidade sejam abordados: apoie-nos financeiramente!

O que nos permite produzir reportagens investigativas e de denúncia, cumprindo nosso papel de fiscalizar o poder, é a nossa independência editorial.

Essa independência só existe porque somos financiados majoritariamente por leitoras e leitores que nos apoiam financeiramente.

Quem nos apoia também recebe todo o nosso conteúdo exclusivo: a versão completa da Matinal News, de segunda a sexta, e as newsletters do Juremir Machado, às terças, do Roger Lerina, às quintas, e da revista Parêntese, aos sábados.

Apoie-nos! O investimento equivale ao valor de dois cafés por mês.
Se você já nos apoia, agradecemos por fazer parte da rede Matinal! e tenha acesso a todo o nosso conteúdo.

Compartilhe esta reportagem em suas redes sociais!
Share on whatsapp
Share on twitter
Share on facebook
Share on email
Se você já nos apoia, agradecemos por fazer parte da rede Matinal! e tenha acesso a todo o nosso conteúdo.

Compartilhe esta reportagem em suas redes sociais!
Share on whatsapp
Share on twitter
Share on facebook
Share on email

Gostou desta reportagem? Ela é possível graças a sua assinatura.

O dinheiro investido por nossos assinantes premium é o que garante que possamos fazer um jornalismo independente de qualidade e relevância para a sociedade e para a democracia. Você pode contribuir ainda mais com um apoio extra ou compartilhando este conteúdo nas suas redes sociais.
Share on whatsapp
Share on twitter
Share on facebook
Share on email

Se você já é assinante, obrigada por estar conosco no Grupo Matinal Jornalismo! Faça login e tenha acesso a todos os nossos conteúdos.

Compartilhe esta reportagem em suas redes sociais!

Share on whatsapp
Share on twitter
Share on facebook
Share on email
RELACIONADAS

Esqueceu sua senha?

ASSINE E GANHE UMA EDIÇÃO HISTÓRICA DA REVISTA PARÊNTESE.
ASSINE E GANHE UMA EDIÇÃO HISTÓRICA DA REVISTA PARÊNTESE.