Reportagem

Pintura de monumentos tombados feita pela Prefeitura é ilegal e pode prejudicar estrutura, dizem especialistas

Change Size Text
Pintura de monumentos tombados feita pela Prefeitura é ilegal e pode prejudicar estrutura, dizem especialistas Pintura foi feita na semana passada por equipe da Secretaria de Planejamento, em ação descrita pelo secretária Cezar Schirmer como parte de um "processo educativo de combate à pichação” (Foto: Cesar Lopes/PMPA)

Sem consulta ao Patrimônio Histórico e Cultural, Viaduto Otávio Rocha teve pichações cobertas com tinta, enquanto Paço Municipal recebeu pintura em cor diferente do padrão

A pintura de partes do Viaduto Otávio Rocha, feita na última quinta-feira pela Secretaria de Planejamento e Assuntos Estratégicos (SMPAE), não seguiu o devido processo legal e pode gerar danos à estrutura da construção, segundo especialistas. Advogados que trabalham com patrimônio público entendem que a intervenção deveria ter sido aprovada pela Equipe do Patrimônio Histórico e Cultural (Epahc) da Secretaria Municipal da Cultura, enquanto arquitetos indicam que o uso de tinta não é adequado ao material que compõe a estrutura do viaduto.

Realizada pelo Grupo de Intervenção Rápida (GIR), equipe de servidores da SMPAE que faz parte do projeto Centro+ e efetua reparos e a manutenção diária no Centro da Capital, a pintura das paredes do Viaduto Otávio Rocha, que é tombado pela Prefeitura de Porto Alegre desde 1988, fez parte de um “serviço de limpeza e manutenção”. Além da retirada de cartazes e da limpeza das escadarias, foi feita a remoção de pichações. Parte dessa remoção se deu com a aplicação de tinta sobre o cirex, material que se assemelha a uma argamassa e reveste as paredes do viaduto. Segundo a pasta, a pintura serviu para fazer “testes com as tonalidades de tintas na estrutura”.

No mesmo dia em que a pintura foi feita, a advogada Jacqueline Custódio denunciou o caso ao Ministério Público, que informou que vai instaurar um expediente para acompanhar os trabalhos. A Promotoria do Meio Ambiente também vai apurar o caso. Uma inspeção técnica da Secretaria da Cultura no local estava prevista para esta terça, dia 21, mas até a publicação desta reportagem a pasta não havia informado se a visita havia sido feita. De acordo com reportagem do Jornal do Comércio, o Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU/RS) notificou a Prefeitura, que deve se manifestar até o dia 27 de setembro.

De acordo com a Lei de Tombamento (Lei Complementar nº 275/92), que dispõe sobre a proteção do patrimônio histórico, cultural e natural do Município de Porto Alegre, “as obras de conservação ou restauração só poderão ser iniciadas mediante prévia comunicação e autorização da SMC ou da SMAM, que deverão ouvir o Conselho Municipal competente”. O texto reforça, ainda, que, “sem prévia autorização, não poderá ser executada qualquer intervenção física na área de influência do bem tombado que lhe possa prejudicar a ambiência” ou que, “a juízo do Conselho competente, não se harmonize com seu aspecto estético ou paisagístico”.

“Uma intervenção dessas precisa passar pela Secretaria de Cultura. Qualquer ação em um bem tombado precisa passar pelos órgãos que avaliam se as regras estão sendo seguidas. Nenhum órgão de fiscalização do patrimônio foi ouvido nesse caso, houve prejuízo e isso pode levar a uma responsabilização administrativa, porque um bem foi colocado em risco e danificado”, avalia Custódio, advogada membro do Icomos (Conselho Internacional de Monumentos e Sítios), coordenadora do Fórum de Entidades em Defesa do Patrimônio Cultural Brasileiro no RS e ex-coordenadora do Colegiado Setorial de Memória e Patrimônio do Estado.

Material que reveste o viaduto não é adequado para receber tinta, o que pode causar bolhas e acúmulo de umidade na estrutura

De acordo com Cezar Schirmer, secretário de Planejamento, a pintura é parte de um “processo educativo de combate à pichação” e não afeta a restauração em longo prazo do viaduto, que já está aprovada e prevê refazer toda a estrutura de cirex. 

“Só pintamos as partes com pichação, não pintamos o viaduto. Tentamos tirá-la, mas a tinta impregnou, então pintamos por cima, com tinta da cor do viaduto. Vamos pintar tudo de cinza depois, e o cirex vai ser trocado, mas aquilo foi uma ação emergencial. Se não combatermos a pichação, a restauração vai ser feita e logo vai estar tudo vandalizado de novo”, alega o secretário.

A ação, no entanto, não é aconselhada por urbanistas. Lucas Volpato, arquiteto especialista em Gestão e Conservação de Obras do Patrimônio Cultural, professor da Uniritter e conselheiro-suplente do Conselho do Patrimônio Histórico Cultural (Compahc), indica que a ação muda as características originais da construção e não é a mais indicada para o local: “O cirex é um material feito para dar o acabamento final da superfície, não foi feito para receber pintura. A tinta gera uma película, e a tendência é que vá reter umidade e descascar em pouco tempo. Caso se queira pintar, precisa de um estudo”, avalia o arquiteto.

Há ainda quem aponte o risco de formação de bolhas nas áreas com tinta e, caso mais partes sejam cobertas com pintura, a possibilidade de retenção de umidade na estrutura do viaduto. O próprio idealizador do projeto de restauração do Viaduto Otávio Rocha, o arquiteto e urbanista Alan Cristian Tabile Furlan, é crítico à ação: “Existem problemas a serem resolvidos antes, como a infiltração e descolamentos que estavam deixando a ferrugem exposta”, disse à coluna Pensar a Cidade, do Jornal do Comércio.

De acordo com a Prefeitura, os trabalhos devem seguir pelos próximos dois meses. “Ao todo, dez pessoas trabalharão no viaduto, entre servidores da prefeitura, trabalhadores da empresa de zeladoria contratada pelo Município e apenados que desenvolvem atividades laborais em troca da remissão de pena”, diz a nota do Executivo, ressaltado que todo o material utilizado é fornecido pela Prefeitura. Para as ações de longo prazo, orçadas em cerca de R$ 17 milhões, a gestão municipal aguarda resposta sobre o pedido de financiamento feito ao Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF).

Pintura do Paço Municipal já havia causado polêmica; mais ações estão previstas pela pasta

Já era possível ver a nova pintura da parte inferior da fachado do Paço Municipal, em tom mais escuro do que a original, em evento realizado em 14 de setembro (Foto: Alex Rocha/PMPA)

A pintura do Viaduto Otávio Rocha vem na esteira de outras ações do Programa Centro+, que pretende restaurar construções e monumentos do Centro Histórico da Capital. Parte desse processo, o Paço Municipal também sofreu intervenções consideradas indevidas por especialistas.

Com parte da fachada pintada recentemente em laranja, o prédio passou a ter uma nova coloração – diferente do antigo amarelo escuro original –, o que também vai contra as regulamentações de prédios tombados. Tal qual o viaduto Otávio Rocha, o Paço é tombado pela Prefeitura desde 1979.

De acordo com a SMPAE, as ações fazem parte da rotina da pasta e vão seguir nos próximos dias, envolvendo terminais de ônibus, praças, travessas e alguns locais tombados, como o Paço Municipal, o Mercado Público e o Viaduto Otávio Rocha.

Gostou desta reportagem? Garanta que outros assuntos importantes para o interesse público da nossa cidade sejam abordados: apoie-nos financeiramente!

O que nos permite produzir reportagens investigativas e de denúncia, cumprindo nosso papel de fiscalizar o poder, é a nossa independência editorial.

Essa independência só existe porque somos financiados majoritariamente por leitoras e leitores que nos apoiam financeiramente.

Quem nos apoia também recebe todo o nosso conteúdo exclusivo: a versão completa da Matinal News, de segunda a sexta, e as newsletters do Juremir Machado, às terças, do Roger Lerina, às quintas, e da revista Parêntese, aos sábados.

Apoie-nos! O investimento equivale ao valor de dois cafés por mês.
Se você já nos apoia, agradecemos por fazer parte da rede Matinal! e tenha acesso a todo o nosso conteúdo.

Compartilhe esta reportagem em suas redes sociais!
Share on whatsapp
Share on twitter
Share on facebook
Share on email
Se você já nos apoia, agradecemos por fazer parte da rede Matinal! e tenha acesso a todo o nosso conteúdo.

Compartilhe esta reportagem em suas redes sociais!
Share on whatsapp
Share on twitter
Share on facebook
Share on email

Gostou desta reportagem? Ela é possível graças a sua assinatura.

O dinheiro investido por nossos assinantes premium é o que garante que possamos fazer um jornalismo independente de qualidade e relevância para a sociedade e para a democracia. Você pode contribuir ainda mais com um apoio extra ou compartilhando este conteúdo nas suas redes sociais.
Share on whatsapp
Share on twitter
Share on facebook
Share on email

Se você já é assinante, obrigada por estar conosco no Grupo Matinal Jornalismo! Faça login e tenha acesso a todos os nossos conteúdos.

Compartilhe esta reportagem em suas redes sociais!

Share on whatsapp
Share on twitter
Share on facebook
Share on email
RELACIONADAS

Receba mais notícias amanhã no seu email. Inscreva-se gratuitamente na newsletter do Matinal Jornalismo.

Receba mais notícias amanhã no seu email. Inscreva-se gratuitamente na newsletter do Matinal Jornalismo.

Esqueceu sua senha?

ASSINE E GANHE UMA EDIÇÃO HISTÓRICA DA REVISTA PARÊNTESE.
ASSINE E GANHE UMA EDIÇÃO HISTÓRICA DA REVISTA PARÊNTESE.