Reportagem

Técnicos usam nome da Equatorial e cobram propina para religar a luz na capital

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Técnicos usam nome da Equatorial e cobram propina para religar a luz na capital Antes das propinas, empresários relatam que técnicos da CEEE Equatorial iam às suas regiões, mas não terminavam serviços. Foto: Julio Ferreira / PMPA

Mais de uma semana após o temporal que deixou meia Porto Alegre no escuro, com alguns bairros desabastecidos por 160 horas, começam a vir à tona denúncias de suborno para religação de energia, além de um incidente no qual um automóvel da empresa foi sequestrado por residentes exaltados, que exigiam o restabelecimento do fornecimento de eletricidade.

Dois empresários, donos de estabelecimentos em distintas regiões da cidade, relataram que precisaram pagar a eletricistas para que seus problemas fossem solucionados. Em um dos casos, o proprietário de uma fábrica no bairro Sarandi, zona norte de Porto Alegre, conta que foi abordado por um técnico no sábado, quarto dia de falta de luz em sua empresa.

Na rede social X, antigo Twitter, usuários relatam casos de cobrança de suborno para restabelecer energia | Imagem: X/Reprodução

Ele afirma que o homem se identificou como ex-funcionário da CEEE, dirigia uma caminhonete descaracterizada, mas usava um colete da concessionária. Ele se ofereceu para restabelecer a energia e usou equipamentos sem a identificação da empresa. Em minutos, a luz voltou. Pelo serviço, ele cobrou 3 mil reais e forneceu uma nota fiscal, onde caracterizou o serviço como “consultoria”. “Ele inclusive disse que poderíamos chamá-lo diretamente em qualquer ocasião de falta de luz”, disse o empresário, que preferiu não se identificar.

Funcionários terceirizados da Equatorial haviam ido ao bairro onde a fábrica está situada nos dias anteriores, mas saíam sem concluir o serviço. “Soubemos que rondavam o bairro em busca de clientes, sabendo que é uma região de produção industrial. Criou-se uma espécie de milícia, um negócio. Fomos procurados depois que os funcionários da CEEE Equatorial não conseguiram resolver o problema. A gente fica refém”, disse à Matinal. “Ouvimos falar que muitos técnicos da empresa saíram no processo de demissão voluntária coletiva, logo após a privatização. Agora eles viram uma oportunidade de prestar um serviço terceirizado”, relatou o empresário.

Outro caso ocorreu no Bela Vista, um dos bairros de maior renda per capita de Porto Alegre. O empresário relatou que o estabelecimento ficou sem energia elétrica na terça à noite e o conserto só ocorreu na sexta – pela metade. Ele e o sócio notaram que a rede funcionava apenas no modo bifásico, enquanto os equipamentos da empresa funcionam com rede trifásica. 

Buscaram, então, os canais regulares da CEEE Equatorial. Não foram atendidos nas tentativas pelo telefone. Ao enviar mensagem pelo WhatsApp, notaram que não havia opção para relatar problema em uma das fases. Optaram, então, por abrir um novo chamado por falta de luz, na esperança de que, com um funcionário nas proximidades, pudessem explicar o problema. 

A tentativa foi em vão. Como a falta de luz já aparecia como solucionada no sistema da Equatorial, nenhum técnico apareceu no bairro. Desesperado, o sócio do empresário entrevistado pela Matinal decidiu ir atrás de algum carro da concessionária que estivesse em serviço nas proximidades na noite de sexta-feira. 

Quando encontrou um trabalhador com identificação da Equatorial, explicou o problema e disse que estaria disposto a pagar para que a situação fosse resolvida. O técnico se negou, mas anotou o número do empresário. Duas horas depois, ele recebeu uma ligação de um outro técnico. 

Já era madrugada quando o novo técnico, com identificação da CEEE Equatorial, apareceu. Ele cobrou 800 reais pela troca de um fusível. A energia finalmente foi restabelecida a pleno não só para a empresa, mas também para outras quadras do Bela Vista. 

“Esse foi o tamanho do nosso desespero por não conseguir as coisas com a concessionária. Se eles tivessem uma equipe mais adequada, certamente resolveriam antes. O primeiro técnico tinha falado que o restabelecimento da rede trifásica não estava nas prioridades, que só seria resolvido em uma ou duas semanas. Não tivemos perda de equipamentos, mas o prejuízo de ficar de quarta a sábado totalmente fechados é de 150 mil reais”, disse o empresário, que não quis se identificar. 

Usuária marcou a concessionária em mais uma denúncia de cobrança de suborno | Imagem: X/Reprodução

Na rede social X, antigo Twitter, surgiram diversos relatos de pagamento de propina entre a sexta-feira e o sábado. “Funcionários da CEEE em alguns bairros de Porto Alegre informando que a luz volta só no domingo, mas, se pagarem R$700, resolvem antes. É propina que chama?”, escreveu uma usuária, no dia 19. 

Na segunda-feira (22), outro perfil publicou fotos de um veículo de serviço, com o modelo e a placa, afirmando que empregados cobram R$500 para ligar o disjuntor da rua. “Tem que pagar por fora para os funcionários consertarem os fios?”, questionou. Além desses dois relatos, a reportagem encontrou outras três publicações relatando subornos às equipes da Equatorial nos últimos cinco dias.

Desde terça-feira, a Matinal pede um posicionamento da CEEE Equatorial, através de sua assessoria de imprensa. Não houve retorno da concessionária até o fechamento desta reportagem.

160h sem luz e um “sequestro”

Após ficarem quase sete dias sem luz, vizinhos do bairro Sarandi tomaram uma medida drástica. Decidiram, depois de infrutíferas visitas de técnicos, impedir a saída de um veículo da concessionária até que a energia fosse restabelecida. A região ficou às escuras das 22h16 de terça, dia 16, até as 20h de terça, 23. 

Uma moradora conta que o problema foi notificado à companhia ainda na noite da tempestade. Pela manhã, quando saiu para trabalhar, percebeu que uma parte do telhado de um vizinho da quadra de trás estava presa aos fios de luz em frente ao seu condomínio. Foram sucessivas tentativas de contatar a Equatorial nos dias seguintes. Nos primeiros, o sistema mostrava a região como se a luz estivesse já restabelecida. Técnicos apareciam, mas afirmavam que precisariam de um caminhão com cesto para realizar o conserto. A concessionária alegava não ter um à disposição.

“Nós pagamos nossas contas, temos nossas obrigações. A Equatorial assumiu um compromisso ao comprar a CEEE. Demitiram quem era competente e não tiveram equipamento suficiente para fazer o trabalho”, argumenta a moradora, que preferiu não se identificar à reportagem. Ela divide o apartamento com a mãe, de 90 anos, que demanda cuidados especiais por conta do Alzheimer.

“Minha mãe, de noite, não reconhecia a casa escura. Foi bem estressante, a pressão dela ficou descoordenada. Durante os dias, quando saía para trabalhar, uma cuidadora assumia a tarefa. Foi ela quem atacou um carro da Equatorial, na terça-feira, quando já tínhamos esgotado todas as tentativas”, relatou à Matinal. O afilhado da moradora contou a história na rede social X, antigo Twitter.

Quando esse veículo chegou à região, os técnicos foram abordados pelos moradores, e novamente disseram que só poderiam concluir o serviço com um caminhão, que ainda não estaria disponível. A vizinhança, então, cercou o automóvel da companhia com seus carros particulares e disseram que os equipamentos só seriam liberados com a luz religada. Foi o que aconteceu, às 20h da terça-feira, quando o caminhão com cesto finalmente chegou.

Questionada, a CEEE Equatorial tampouco se manifestou sobre o caso dos moradores que retiveram equipamentos da concessionária.


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