Reportagem

Transporte de eleitores é denunciado na eleição do conselho do Plano Diretor

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Transporte de eleitores é denunciado na eleição do conselho do Plano Diretor Capital gaúcha realiza votação para conselho do Plano Diretor | Foto: Julia Ferreira / PMPA

Além da participação recorde em todas as regiões em que foi realizada até agora, a eleição ao Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano e Regional (CMDUA) de Porto Alegre tem chamado a atenção por denúncias de transporte de eleitores. A mais recente foi registrada em ata após o pleito na Região de Gestão e Planejamento 6, realizada no dia 25. A área engloba 19 bairros do centro-sul e da zona sul de Porto Alegre e também foi a região com maior número de eleitores no atual processo, 1.593 pessoas. 

A reclamação, que partiu da candidata à suplência da chapa 2, que foi derrotada, Jacqueline Custódio, se embasou em dois pontos: o fato de que eleitores da Restinga – que pertence a outra Região de Gestão e Planejamento – tiveram o comprovante de residência preenchido por lideranças da RGP 6 para votarem pela chapa 1, e o uso de meios de transporte para o deslocamento de apoiadores. Conforme Custódio, foram pelo menos 14 ônibus usados para este fim na eleição da RGP 6, que ocorreu na última quinta-feira, na Cavalhada. A chapa de Custódio perdeu a disputa por uma diferença de 317 votos.

As denúncias são avaliadas pela comissão eleitoral do processo, formada por três integrantes, todos ligados à prefeitura. Na ocasião da denúncia, a integrante da comissão eleitoral Gabriela Brasil orientou o grupo a enviar um e-mail à comissão com as eventuais provas que tivessem para posterior análise. Contudo, não há prazo para a resposta. A homologação dos vencedores está marcada para 4 de março.

Levada adiante nesta segunda-feira, a queixa de Jacqueline Custódio tornou-se a primeira denúncia formal a ser recebida pela comissão eleitoral neste processo, de acordo com Secretaria Municipal de Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade (Smamus), que está à frente da eleição. Até então, o que havia eram apenas reclamações registradas em atas, que não se transformam em objeto de apuração.

Edital não proíbe transporte de eleitores

O uso de veículos, inclusive ônibus, para o transporte de apoiadores tem sido denunciado desde o início do atual processo eleitoral do CMDUA. A questão chegou a ganhar relevo em redes sociais de participantes do processo ou de políticos que acompanham as votações, como o deputado Matheus Gomes (PSOL).

À Matinal, o parlamentar disse que está juntando uma série de provas com relação ao transporte para analisar as medidas cabíveis. A prática, na opinião dele, escancara uma disputa de forças nas regiões. “Politicamente isso deixa bem explícito quais são os agentes que estão em meio à disputa. Todas as mobilizações que nós construímos até agora nos chamados à votação partem da organização da sociedade civil, de um chamado e convocação abertos. Do outro lado, nós vemos que há uma força organizada com alto poder econômico que movimenta a escolha desses representantes, tanto conselheiros como delegados”, comparou.

No entanto, ao contrário da legislação que rege eleições gerais, que veda o fornecimento de transporte ou refeições a eleitores, a disponibilização de transporte de eleitores em veículos particulares na eleição ao CMDUA é, na prática, liberada, por não haver proibição específica no documento com as regras da disputa. “O edital das eleições do CMDUA foi desenvolvido apenas para essas eleições. Ele não segue as mesmas regras das eleições gerais organizadas pelos tribunais eleitorais”, sublinha a comissão eleitoral.

Não há previsão de impugnação de chapa em caso de apoio logístico a apoiadores: 

Durante a primeira disputa, no Centro, quando havia denúncias de que construtoras e agentes do mercado imobiliário estavam bancando ônibus para o transporte de seus funcionários para votar em uma chapa, o secretário da Smamus, Germano Bremm, foi questionado pela Matinal sobre a situação, que ele atribuiu à mobilização causada pela eleição. “Não tenho nenhum conhecimento de alguma irregularidade específica com relação ao edital. A gente entende que esse número representativo hoje aqui (foram 1,5 mil eleitores na RGP 1) é emblemático e mostra de fato as diversas visões de cidade aqui representada”, comentou, na ocasião.

Escalar funcionários para influenciar discussões que tratam do regramento urbanístico em Porto Alegre não chega a ser novidade no atual processo de revisão do Plano Diretor. Movimento semelhante já ocorreu em conferências, como a Matinal reportou em março do ano passado

Regulamentação

Advogada, Custódio defende que a questão seja regulamentada pelo município, que poderia fazê-lo através do edital, a fim de garantir mais equilíbrio nas disputas de chapas. “Hoje fica com pesos diferentes. ‘Se eu tiver dinheiro, vou contratar um ônibus’, por exemplo. É diferente de ir lá na feira e fazer o boca a boca, como a gente fez”, comparou. Não há passe livre para a eleição do CMDUA. Ela também reconheceu que as denúncias de transporte de eleitores não são novidade do processo de 2024. Na sua visão, a diferença para os anos anteriores é que agora está mais escancarada. “Está muito mais aberto. Parece que é uma coisa que está normalizada.”

Escancaradas ou não, supostas irregularidades nas eleições precisam ser encaminhadas com provas à comissão eleitoral, segundo explicou o colegiado à Matinal. Questionada sobre os casos de transporte de eleitores, não previstos no edital, a Smamus afirmou, em nota enviada à redação, que “as denúncias precisam vir acompanhadas de provas de que ferem o que foi determinado no edital. A partir da formalização da denúncia, a Comissão Eleitoral vai analisar cada caso, a viabilidade e responderá com as providências o mais breve possível. Responderá para o requerente solicitante ou denunciante.” Caso comprovada alguma irregularidade, pode haver até mesmo a impugnação da chapa. 

A comunicação por e-mail com a comissão eleitoral, contudo, já foi alvo de reclamações, por parte do departamento gaúcho do Instituto de Arquitetos do Brasil, no início do processo eleitoral. Na ocasião, o IAB-RS publicou uma nota oficial, na qual criticava a comissão por sequer retornar com uma confirmação de recebimento do posicionamento do instituto. 

Voto de cabresto

Integrante do Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico e pesquisadora do Observatório das Metrópoles, Betânia Alfonsín criticou a não proibição do transporte. “No Brasil, em toda a literatura da ciência política, isso se chama voto de cabresto. É pegar um eleitor que não iria a uma eleição não obrigatória e dar alimentação ou sabe-se lá o quê. Às vezes as pessoas não sabem nem o que estão indo fazer, mas são claramente orientadas”, afirmou.

Alfonsín apontou o que considera um “processo de captura” do CMDUA por parte de agentes do mercado imobiliário. Ela destacou que representantes do setor têm a legitimidade de participar do CMDUA, mas nos assentos destinados às entidades, não nos dos conselheiros das oito regiões – o conselho é composto, ao todo, por 28 integrantes, nove oriundos de regiões e do Orçamento Participativo, nove de entidades e os demais indicados pelo poder executivo, sendo duas vagas às esferas estadual e federal. 

“A eleição deveria ser conduzida pela cidadania, deveria expressar os desejos e anseios dela. Mas, com um mecanismo artificial, você constrói uma maioria”, disse ela, que vê em curso um direcionamento em prol da construção civil. “Há uma captura de participação popular para tornar o conselho um despachante do mercado imobiliário e conceder licenças que nem sempre coincidem com os desejos da cidadania.” 

A professora do Programa de Planejamento Urbano e Regional da UFRGS Heleniza Campos também identifica uma movimentação do setor imobiliário na eleição do CMDUA. “Isso não seria um problema não fosse a busca por meios controversos de chegar a resultados favoráveis a seus interesses nesta eleição dos conselheiros e delegados”, observou. “E a prefeitura acaba fazendo vista grossa.” 

Na opinião da docente, o executivo deveria atuar de forma isenta no processo, de maneira a abrir canais de diálogo. “Infelizmente isso nem sempre tem ocorrido”, lamentou. 

Mais três conselheiros a serem eleitos

A eleição do CMDUA encaminha-se para o final a partir desta terça, quando ocorre a disputa na RGP 7, na Lomba do Pinheiro. Ainda estão previstas mais duas: na terça seguinte, ocorrerá a disputa na RGP 8, na Restinga, e, finalizando, no dia 27, na RGP 4, no Rubem Berta, que foi adiada em razão do temporal do dia 16. 

Após a definição dos conselheiros das regiões, em 29 de fevereiro, ocorrerá a eleição das entidades, quando serão eleitas nove entidades para o conselho. Há 80 concorrendo, um recorde. Esta votação não é aberta para a população, apenas representantes das entidades participam.

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