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Depois de cassar títulos de brasileiros, UFRGS mantém ditador uruguaio como doutor honoris causa

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Depois de cassar títulos de brasileiros, UFRGS mantém ditador uruguaio como doutor honoris causa Dilma Rousseff, então presidenta, recebe o relatório final da Comissão Nacional da Verdade (Foto: Antonio Cruz/ Agência Brasil)

Processo que removeu distinções de Médici e Costa e Silva foi concluído em agosto

A Universidade Federal do Rio Grande do Sul revogou os títulos de Honoris Causa do Marechal Arthur da Costa e Silva e do General Emilio Garrastazu Médici. Os dois foram presidentes do Brasil durante a Ditadura Militar (1964-1985) e receberam as distinções nos anos de 1967 e 1970, respectivamente. A decisão foi tomada pela Comissão Especial do Conselho Universitário (Consun), o órgão máximo dentro da universidade, por 48 votos a favor, um contra e uma abstenção. No entanto, pelo menos um outro ditador segue entre os homenageados com a máxima honraria emitida pela universidade. 

Aparicio Méndez foi agraciado com o Doutor Honoris Causa em 1957 por suas contribuições para a área do Direito, 16 anos antes de ter se tornado presidente do Uruguai, cargo que ocupou entre os anos de 1976 a 1981. Durante a ditadura no país vizinho, foi responsável por assinar o Ato Institucional nº 4, que proibiu a participação política de 15 mil uruguaios durante 15 anos. Autor do livro Operação Condor – O Sequestro dos Uruguaios, o jornalista Luiz Cláudio Cunha lembra que foi no período de governo de Méndez que aconteceu, em Porto Alegre, o sequestro dos uruguaios Universindo Rodríguez Díaz e Lilián Celiberti e seus dois filhos, em novembro de 1978. 

O episódio contou com a presença clandestina de um comando da repressão do Exército uruguaio em cooperação com o DOPS gaúcho sob o comando do delegado Pedro Seelig, morto em março deste ano. “Foi o único fiasco internacional da Operação Condor, graças ao testemunho involuntário de dois jornalistas gaúchos que, alertados por um telefonema anônimo, quebraram o sigilo da empreitada, denunciaram o crime e, com isso, salvou-se a vida dos sequestrados”, conta Luiz Cláudio, que completa: “as mesmas premissas de canalhice e autoritarismo que levaram à revogação dos títulos concedidos ao Costa e Silva e ao Médici existem e permanecem na homenagem feita ao Méndez”. Aparício morreu em 1981, e até hoje seu nome figura na lista dos homenageados pela universidade. 

De acordo com a professora de história da UFRGS e presidente da Comissão Especial que analisou o caso dos ditadores brasileiros, Natalia Pietra Méndez, para a suspensão do título Honoris Causa de Aparício, ou de qualquer outra pessoa, seria preciso iniciar o mesmo procedimento feito no caso de Médici e Costa e Silva, ou seja, não seria possível apenas adicionar mais um nome no processo que já estava em curso. “Nós tínhamos um processo para examinar, que era esse pedido de revogação das duas pessoas envolvidas. Não caberia à comissão estendê-lo”, explicou ao Matinal. As pautas apresentadas ao Consun podem partir de diferentes lugares dentro da Universidade e, de acordo com a professora, não é preciso ser membro do Consun para levantar uma pauta. 

No caso dos ditadores brasileiros, o processo para a revogação dos títulos começou em março deste ano a partir do inquérito do Ministério Público que fazia o pedido. Durante três meses, a Comissão Especial analisou a solicitação para só depois encaminhá-la para votação no Consun. De acordo com Natalia, foram analisadas as evidências históricas envolvendo os homenageados, além do relatório final da Comissão Nacional da Verdade, entregue à presidente Dilma Rousseff em 2014 com 29 recomendações destinadas às autoridades, como a ampliação da abertura dos arquivos militares.

“No relatório, existia uma recomendação como parte dessa ‘justiça de transição’ para que se fizessem revogação de títulos honoríficos que foram concedidos durante o período da ditadura para agentes públicos envolvidos com crimes de violação de direitos humanos. A partir dessas informações, a nossa comissão elaborou um parecer que foi apresentado e votado pelo Consun”, explicou Natalia. Assim, Médici e Costa e Silva perderam o reconhecimento em 17 de agosto de 2022. 

Costa e Silva e Médici

Nascido em Taquari (RS), Artur da Costa e Silva foi presidente do Brasil durante o início dos chamados Anos de Chumbo da ditadura militar brasileira. Quando tomou posse em 1967, começou a valer o Ato Institucional n.º 2 que extinguiu a Frente Ampla, determinou eleições indiretas, cassou mandatos de opositores do regime e retirou direitos de funcionários públicos. 

Seu sucessor, foi o também gaúcho Emílio Médici, e seu governo estava inserido no Ato Institucional n.º 5, assinado por Costa e Silva. Durante seu governo, Médici ficou conhecido pela alta censura aos meios de comunicação, perseguição de opositores, a propaganda patriota “Brasil, ame-o ou deixe-o”, e pelo milagre econômico, que trouxe um crescimento econômico até então recorde no país.

Outros homenageados

A UFRGS conta com 235 pessoas homenageadas, divididas entre Doutor Honoris Causa, Professor Honoris Causa, Benemérito, Professor Emérito e Funcionário Emérito. Entre os títulos, o de Doutor Honoris Causa é a máxima honraria concedida pela universidade. A UFRGS concedeu o Doutor Honoris Causa a outros presidentes do Brasil, como Dilma Rousseff, Eurico Gaspar Dutra e Clovis Salgado, e também concedeu o título de Professor Honoris Causa à Getúlio Vargas.

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