Ensaio

Darwin: A Porto Alegre dos transformistas profissionais

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Darwin: A Porto Alegre dos transformistas profissionais

Na Parêntese 56, de 18/12/2020, publiquei A Porto Alegre dos transformistas profissionais. Evidentemente um tópico curioso, mas também de braços dados com temáticas atuais das quais, muitas vezes, boa parte das pessoas não participa. A não ser quando se tornam públicas, o que ocorreu com a Xuxa quando foi cotada para encabeçar a versão brasileira do RuPaul’s Drag Race

Formou-se um ringue, numa contenda entre defensores da escolha da loira, porque traria ampla visibilidade e financiadores, e detratores, que sustentavam a necessidade de optar por uma das personas drag que atuam há muito no país. Esse pugilismo vem sendo visto com certa frequência entre boa parte dos ativistas e militantes LGBTQIA+ e uma oposição que reúne desde fóbicos até ponderados questionando se a prática de reserva de mercado é ou não a mais indicada para compensar desigualdades históricas. 

Mais um problema surgiu quando alguns começaram a apontar que drag não é exatamente uma identidade de gênero, mas sempre, com outras denominações, foi uma arte exercida também por heterossexuais. Pode mudar com o tempo? Sim. Drag será mais uma identidade específica ou deve ser vinculada a alguma? 

Certo é que, sobre os anos antes de haver liberdade para dizer sobre o afeto, não é nada fácil, hoje, enquadrar os atores/atrizes e performers no âmbito da sexualidade. Mesmo assim, inversamente ao que acontece agora, a arte travesti/transformista/drag parece ter sido predominantemente desempenhada por heterossexuais, o que levou alguns autores a fazer uma separação entre o antigo ator-travesti/transformista e o surgimento, nos palcos, mais recentemente, do travesti/transformista/drag-ator/atriz. 

Minhas pesquisas sobre esses personagens, na Porto Alegre do fim do século XIX e nas primeiras décadas do século XX, mostram que as áreas fronteiriças não são tão evidentes quanto uma divisão generalista pretende – embora possa funcionar para uma maioria. Acompanhando biografias, é possível reconhecer indícios fortes de como pessoas LGBTQIA+, que, então, não tinham oportunidade de se assumir, estavam nesses lugares, desempenhando funções do que era predominantemente chamado de transformismo. Vejamos o caso de Darwin (artigos e pronomes serão utilizados como grafados à época, ou seja, no masculino).

Darwin nos anúncios de teatro e diversões

Três “sujeitos” chamados de Darwin eram, então, constantes nas matérias de jornais na capital gaúcha. Charles Darwin (1809-1882), o da teoria evolucionista. Um tal de Leonard Darwin, autor de Municipal Ownership. E um cavalo chamado Darwin, que disputou muitas corridas na Associação Protetora de Turf, em 1914. Foi em uma Porto Alegre repleta de locais para apresentações teatrais, em 1915, que um quarto Darwin apareceu causando.

Suas primeiras apresentações ocorreram no cinematógrafo Avenida, que divulgou o contínuo “sucesso do festejado duo Giaccomini-Reni e do mutador [sic] Darwin” (A Federação, 23/03/1915, p. 6). Poucos dias depois, para o mesmo lugar, anunciaram: “Hoje Darwin, em travesti, cantará – ‘El Innocente’ – valsa Bruna e “La Regina del Contado” (A Federação , 30/03/1915, p. 6).

Ser transformista implicava, muitas vezes, fazer muitas funções além da troca de vestuário. Algumas eram detalhadas pelos periódicos: “Darwin cantará A hespanholita, La bonita, e Cobre-me, cobre-me […]” (A Federação, 07/04/1915, p. 2); “Darwin cantará O tango, Valsa brusca e Orotapia […]” (A Federação, 08/04/1915, p. 2); “Darwin cantará A corte de Faraon, Ladeon, e A guardadora asturiana […]” (A Federação, 09/04/1915, p. 7).

Em 16/04, foi comunicada a inclusão em um festival em benefício das vítimas da Guerra do Contestado (1912-1916). Essa empreitada foi patrocinada pelo general Carlos Frederico Mesquita, tendo como propósito angariar fundos para as famílias dos praças que sucumbiram nos embates em Santa Catarina. As performances tiveram como cenário o Teatro São Pedro. Entre bailarinas, cantoras, duetistas, ventríloquos, foram relacionados dois transformistas: Darwin e Argos (A Federação, 16/04/1915, p. 7).

Em 18/04/1915, novos números: Le long de Missouri, Madame Cocó e El Gaiteiro. (A Federação, 18/04/1915, p. 8).  Em 21/04/1915, “o aplaudido cançonetista ‘em travesti’” (A Federação, 21/04/1915, p. 4) cantou pela última vez no Avenida. O paradeiro seguinte foi o cinematógrafo Ideal, onde se apresentou novamente com Argos – em 27/04 e 12/05. Em 27/06/1915, o Recreio Ideal, outro espaço, passou a fazer propaganda: “O sr. Silvino Lisboa, transformista lusitano, e Darwin, imitador do belo sexo, continuam obtendo sucesso com o seu trabalho […] estando o programa de amanhã destinado a atrair grande concorrência, pois nele figura um número excepcional: o sr. Lisboa trabalhará em duo com Darwin” (A Federação, 27/06/1915, p.7). 

Em 17/07/1915, Darwin chegou ao cine-teatro Coliseu, estreando no dia seguinte. Em 23/08/1915, o imitador do belo sexo estava trabalhando no Garibaldi. Note-se que havia ao menos três desses artistas ao mesmo tempo na capital, o que demonstra o quão presentes foram – embora não se encontre quase nada escrito sobre as suas atuações hoje em dia, nem por quem estuda teatro, nem por quem estuda música.

Aparentemente, Darwin fez uma primeira passagem muito bem sucedida entre os gaúchos. Pode-se ter uma ideia de como era fisicamente porque, em 1916, ao ser anunciado para o Cabaret do Club dos Políticos, em passagem pelo Rio de Janeiro, e para o Cine Theatro S. Luiz, já no Maranhão, fotografias foram estampadas nos jornais. Em 1917, pode-se vê-lo no Correio Paulistano – as três imagens estão ao longo do texto.


Pacotilha. 20/11/1916.

A badalação, no Nordeste, foi intensa. Notas arrolavam todo o itinerário pelo Brasil, antecipando que era imperdível: “Olhem bem para Darwin e digam depois se ele é homem ou mulher. Toillets chics ao rigor da moda. 185 dias seguidos no Palace do Rio de Janeiro – 165 dias no Polytheama de São Paulo – 326 dias nos teatros Casino e Imperial Theatre de Buenos Aires – 95 dias no Coliseu de Porto Alegre – 49 dias no Polytheama de Curitiba – 76 dias no Polytheama de Ribeirão Preto – 62 dias no Helvético de Pernambuco. Enfim – o número atual de maior sucesso e uma celebridade no gênero. As fotografias acham-se na sala do Cinema São Luiz” (Pacotilha, 20/09/1916, p. 2).

Esse êxito acabou atraindo olhares não tão simpáticos. No Rio de Janeiro, algumas piadas deixaram evidente a suspeita de homossexualidade: “O interesse que o Palhares tem tomado pelo Darwin, junto do Adriano, já está dando na vista.” (Jornal de Theatro & Sport, 14/07/1917, p. 12).

Mas Darwin parece mesmo ter se interessado pela gauchada. O retorno ocorreu em 1918. O cinematógrafo Carlos Gomes anunciou: “O programa de hoje, do Carlos Gomes, é enriquecido com a estreia do ‘travesti’ Darwin, que já há tempo trabalhou com sucesso nesta capital. Darwin, que procede das Repúblicas do Prata, vem com o seu repertório completamente novo” (A Federação, 27/05/1918, p. 2). A volta foi afortunada: “Continua fazendo sucesso no cinema Carlos Gomes […] o aplaudido imitador do belo sexo Darwin” (A Federação, 31/05/1918, p. 1); “Darwin, o habilíssimo imitador, que já há algum tempo conseguiu do nosso público fartos aplausos e simpatias, trabalha com muito sucesso neste confortável centro de diversões, atraindo numerosa assistência” (Máscara, Ano I, nº 17, p. 42); e “continua obtendo franco sucesso, no cinema-teatro ‘Carlos Gomes’, o artista Darwin, que se apresenta travestido” (O Diário, 29/07/1918. p. 2).

Pouco tempo depois, foi a vez do Thalia, que ficava no arrabalde de S. João, destacá-lo na grade, descrevendo-o como “imitador do sexo frágil” (A Federação, 21/06/1918, p. 1).  Em pouco tempo, estava em outra casa, no Garibaldi: “Com a presença do ‘travesti’ Darwin, continuam muito frequentados os ‘seratos’ deste cine” (O Exemplo, 30/06/1918, p. 2).  Já em 30/08/1918, foi a vez do Petit Cassino fazer propaganda do “transformista Darwin.” (A Federação, 30/08/1918, p. 5). O Petit, que ficava na praça da Alfândega, então chamada praça Senador Florêncio, havia reaberto as portas, em 06/06/1918, depois de algum tempo fechado. 


Revista do Theatro & Sport (RJ). 19/08/1916.

Em 04/09/1918, Darwin pisou novamente no Teatro São Pedro, dessa vez como integrante do festival organizado pela empresa Mary-Bracco, voltado aos pequenos vendedores de jornais, onde se apresentou junto com trapezistas, ilusionistas e tenores. No dia 09/09/1918, no Campo do Bom Fim, no centro de diversões Orion, Darwin fez mais uma estreia. No final do ano, ainda estava na capital, no Thalia, onde cantou Capulho de rosas, Madame Cocote e O reflector.

Duas vezes é bom? Darwin voltou uma terceira. Em 27 de julho de 1921, não se sabe se sempre fora, veio agenciado por Roselino Tambellini – o que indica o status na arte. Na divulgação do Guarany, onde iniciou os trabalhos no dia seguinte, foi descrito como um transformista “cuja mais curiosa habilidade consiste numa surpreendente imitação do belo sexo a ponto de iludir, francamente, nosso público desprevenido. Esse artista que dispõe, ainda, de uma bela voz, e que acaba de chegar de Buenos Aires” (A Federação, 27/07/1921, p. 6), dizia o periódico informando a proveniência.

Conforme outra campanha publicitária do Guarany, fora “novamente contratado atendendo a inúmeros pedidos […] o mais perfeito imitador do belo sexo […]” (A Federação, 01/08/1921, p. 4). Em 02/08/1921, um texto um pouco maior destacou suas habilidades, informando que ele era o “mais perfeito imitador do belo sexo, o artista que se apresenta com as mais luxuosas e finas toilettes, da última moda, com todo o ‘donnaire” da mais perfeita melindrosa” (A Federação, 02/08/1921, p. 6).

Em 18/08/1921, subiu ao palco do Cine Teatro Apolo. Esse cinematógrafo costumava ocupar a borda superior de uma página do jornal A Federação com um retângulo em que compartilhava suas atrações, dando relevo ao nome Darwin com letras maiúsculas. Em 27 de agosto, o Apolo destacou a despedida de Darwin. No entanto, no mês seguinte, as exibições ainda aconteceram.

Em 1923 e nos anos seguintes, não foram localizados registros da mostra, em cinemas do Rio Grande do Sul, do curta-metragem Augusto Aníbal quer casar (1923), filme cômico escrito e dirigido pelo fluminense Luiz de Barros (1893-1982), pautado em um conto escrito por Carlos Verga, no qual Darwin teve considerável participação.

Em 30/10/1924, Darwin tornou a quarta vez para Porto Alegre. No cinema Guarany, “Darwin, com suas ‘camouflages’, tem sido interessantíssimo, tornando-se alvo dos mais calorosos aplausos” (A Federação, 01/11/1924, p. 4). Dessa feita, fez shows ao lado de um humorista: “Darwin e Baptista Júnior. Transformismos e Humorismos” (A Federação, 04/11/1924, p. 7) Alguns dias depois, já no Teatro Apolo, recebeu elogios como: “o magnífico artista que, apesar do sexo forte, se transforma maravilhosamente em uma insinuante e encantadora melindrosa” (A Federação, 13/11/1924, p. 5). Ali permaneceu até 25/11/1924, assim como Baptista Júnior, este com um teatro de bonecos.


Correio Paulistano, 05/12/1917.

Depois disso, passou um tempo no continente europeu. Na volta, concedeu uma entrevista para o Jornal do Brasil. Nas minhas pesquisas, tem sido extremamente improvável encontrar esse tipo de registro. Por sorte, no Rio de Janeiro, imprimiu-se como dele a seguinte declaração:

Desde 14 anos, começou Darwin, imitar mulheres. Essa tendência para copiar atitudes, expressões, gestos, esculturas dos vultos femininos que passam e repassam ante os meus olhos, nasceu quando assisti, em Buenos Aires, as exibições de um transformista notável. Achei o gênero sedutor e resolvi tentá-lo. Entrei num teatro argentino e obtive um êxito completo, bastante animador. Fiquei entusiasmado e resolvido a adotar de modo definitivo o gênero. Desde então imito mulheres, procurando adquirir, no palco, não só as linhas tangíveis, como também o encanto misterioso, a beleza impalpável, a aura, as fugas de sensibilidade e perfume de uma alma feminina. Estou muito satisfeito com o meu sexo. Creio que é bem melhor ser homem do que ser mulher. Realizo imitações de figuras diversas de mulheres dentro da atividade artística. Aliás, mesmo no palco executo números vários em que uso a minha voz e vestuários normais. (Jornal do Brasil, 07/12/1932, p. 14).

Provavelmente foi um transformista que faturou bastante. Em 1932, depois de voltar da Europa, já no Rio de Janeiro, usava roupas de Jean Patou (1880-1936), famoso designer francês da década de 1920, de Worth – provavelmente o costureiro inglês Charles Worth (1825-1895) -, entre outros nomes da alta costura, vestuário que facilitava o ofício, tornando-se ele “um homem que se metamorfoseia em qualquer tipo de mulher” (Diário Carioca, 06/12/1932, p. 4).

Porto Alegre esteve novamente no itinerário? Aham. Em 1933, pisou no Imperial: “Está marcada para hoje, no Imperial, a estreia de Darwin, o grande artista do travesti.  Segundo informações das grandes cidades europeias e americanas, o famoso imitador do belo sexo, apresenta na presente temporada um repertorio modernista e luxuosa apresentação. Teremos, pois, por algum tempo, em Porto Alegre, um artista de renome mundial” (A Federação, 01/03/1933, p. 2).

No dia seguinte, a confirmação do triunfo: “A estreia de Darwin alcançou o êxito que se previa, levando o Imperial uma grande assistência. O impecável artista conseguiu muitos aplausos, apresentando números do seu repertório que lhe asseguram a certeza de uma vitoriosa temporada em Porto Alegre. Apresentando-se luxuosa e modernamente trajado, o famoso imitador do belo sexo canta com arte todos os seus números” (A Federação, 02/03/1933, p. 2).

As “perfeitas imitações de damas elegantes” (06/03/1933, p. 3) mantiveram o interesse dos porto-alegrenses. Mas, nos anos 1930, uma mudança se operava na cidade. Os cinematógrafos funcionando eram: Apollo, Avenida, Baltimore, Carlos Gomes, Capitólio, Central, Colombo, Garibaldi, Guarani, Imperial, Ipiranga, Colombo, Orfeu, Palácio, Rio Branco e Talia. A grande maioria era, antes, lugar para apresentações ao vivo. Mas muitos passaram a exibir somente filmes. Mesmo assim, Darwin teve as portas abertas em várias casas nessa fase de transição.

Em 15/03/1933, iniciou a jornada no Teatro Apolo, citado como “o simpático artista, que no seu gênero tão interessante vem deliciando os porto-alegrenses” (A Federação, 14/03/1933, p. 3). Em 20/03/1933, foi anunciado o festival de despedida, no Imperial, onde iria apresentar a canção Modelo Preferido; o ato Flor de Lótus, a imitação de uma japonesa; a canção A Violeteira; o maior sucesso de Darwin: A Freira; uma imitação de Raquel Meller, uma cançonetista espanhola; Negra Consentida, um samba cubano; e os tangos My caballo murió e El penedo 14, com o que se anunciava que ele iria fechar “a sua brilhante temporada” (A Federação, 20/03/1933, p. 3) com chave de ouro.

No entanto, a ida não se confirmou de imediato. Por alguma razão, passou a se apresentar no Cine Garibaldi. De qualquer forma, em algum momento impreciso, ele saiu de Porto Alegre. Talvez tenha voltado a Buenos Aires e, por isso, remanesçam algumas lacunas na biografia. De qualquer forma, foi em um pé e tornou no outro, em 1934: “A próxima estreia de Darwin no Imperial. Sexta-feira fará sua estreia no cine-teatro Imperial o consagrado artista do ‘travesti’, que tem sua fama espalhada mundialmente, o aplaudido Darwin, a que Porto Alegre já tem festejado em outras temporadas. O inigualável imitador do belo sexo, além de outros números sensacionais, apresentará diversos tangos de sucesso […]” (A Federação, 23/01/1934, p. 5). Sua boa ventura foi novamente garantida, dessa vez com “luxuosas ‘toilletes’ e um escolhido repertório de tangos” (A Federação, 24/01/1934, p. 2). Seu número consistiu em ficar “imitando poses femininas e cantando as mais recentes novidades em tangos”, no que “alcançou sucesso.” (A Federação, 27/01/1934, p. 2).

Em 01/09/1936, Darwin passou a ser figura carimbada nas divulgações do
Cassino Farroupilha, que ficava no Parque da Redenção. Nesse mês, ocorreu uma partida de futebol entre cinematografistas. Quem cedeu o campo foi o Grêmio Futebol Clube Porto-Alegrense. Competiram o Grêmio Cinematográfico Freire e o Futebol Clube Cine Imperial, sendo Darwin escalado, no segundo grupo, junto com Ernani, Paulo, Vítor, Ilário, Loro, Carlos, Nini, Álvaro, Teleco e Odilon.

O Avenida, na avenida João Pessoa, mandou vender o espetáculo com Darwin para 05/11. No dia seguinte, estampava-se que se tratava de um artista grandemente apreciado, “um nome popular em Porto Alegre” (A Federação, 28/10/1936, p. 5). O espetáculo/festival foi organizado por Darwin e pelo bailarino Sosoff, este parte do staff do Cassino Farroupilha, sendo transferido para o dia 12/11.

Com diversos números, os ingressos foram concorridos. As apresentações foram exitosas e “mereceram fartos aplausos Sossof e Darwin, que tiveram […] oportunidade de ver o quanto são apreciados na capital” (A Federação, 13/11/1936, p. 5) Sosoff apresentou Cocainômano, trabalho dedicado aos médicos e aos estudantes de medicina da capital, com ótimo recebimento.

Em 05/01/1937, Darwin foi relacionado entre vários artistas para figurar no Baltimore, numa “Noite de Estrelas”. O Correio do Povo também deu a nota, redigindo que, na mesma noite, estariam, no Baltimore, o artista argentino Oscar Sanches e “Darwin, o artista de dupla personalidade, em números ainda inéditos para o nosso público” (Correio do Povo, 05/01/1937, p. 10). 

Havia uma Porto Alegre não homotransfóbica?

Essa é uma pergunta com deslocamento no tempo, que enviesa conceitos hodiernos. Talvez a primeira questão a fazer seja sobre a homossexualidade/travestilidade de Darwin. Há bons indícios de que era homossexual? Reuni diversas minibiografias de transformistas da mesma época. Na maioria, não identifiquei nenhum elemento que aponte nesse sentido. Darwin, por sua vez, tinha traços afeminados, que causavam confusão, o que ele intencionalmente incrementava com poses, roupas, trejeitos.

Dizia-se que sua imitação da cantora e atriz espanhola Raquel Meller (1888-1962) era perfeita, tal a semelhança, o que pode ser comprovado pelas fotos de ambos. Os jornais informavam que ele era exímio em “conservar e aprimorar a sua voz de falsete.” (Diário Carioca, 10/12/1932, p. 4). Entre os dessa categoria, daquele período, poucos trabalharam exclusivamente como imitadores do belo sexo, sendo estes, por vezes, acompanhados pelo binômio homem-mulher – um bom chamariz. 

Alguns jornalistas e cronistas fizeram insinuações. A resposta que Darwin deu ao Jornal do Brasil, dizendo que estava feliz com seu sexo, significa que havia, no ar, alguma indagação ou desconforto? Provavelmente. Aposto – e, sim, posso estar equivocado – que estamos diante de uma pessoa que, hoje, se enquadraria no acrônimo LGBTQIA+. Alguém que conseguiu vivenciar um tanto da sexualidade pelo privilégio da arte – na qual havia a possibilidade de estender, um tanto, o elástico da moral, provavelmente afirmando encenação. Não? 

Considerando as peculiaridades contextuais, arriscaria dizer que era uma espécie de Pabllo Vitar ou de Glória Groove de antigamente. As semelhanças são inúmeras. Os três lançam mão do canto, da dança, da estética. Pulam para lá e para cá na barreira dos gêneros. Têm considerável e animado público. 

Darwin foi um dos artistas desse tipo a permanecer por mais tempo e a voltar mais vezes para Porto Alegre. O que lhe chamava tanto a atenção? Gostava da cidade? Ficava pelo faturamento? Porque era próximo de Buenos Aires, de onde parece ter vindo? Como tanto público local administrou a evidente afeminação? Onde residiu? Com quem conviveu? Como era no dia a dia?Estranhamente, depois da nota de 1937, no Correio do Povo, seu nome despareceu do meu alcance. Não foi possível localizar o paradeiro até o momento. Migrou? Voltou para o Prata? Deixou de trabalhar como transformista? Faleceu em Porto Alegre? Como? Remanescem registros fotográficos? Por que foi esquecido? Alguém?


Jandiro Adriano Koch, ou Jan, nasceu e vive em Estrela, RS. Graduou-se em História pela UNIVATES e fez especialização em Gênero e Sexualidade. Com quatro livros lançados, dedica-se a estudar e mostrar vivências LGBTQI+, especialmente em sua região, o Vale do Taquari. Na Feira do Livro de 2019, lançou um novo livro, pela Libretos, Babá – Esse depravado negro que amou.

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