Ensaios Fotográficos

A pomba da Fafá e a foto do Achutti: Diretas Já!

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A pomba da Fafá e a foto do Achutti: Diretas Já! Foto: Luiz Eduardo Achutti

Eu tinha cinco anos quando os milicos deram o golpe, daquela vez bem-sucedido. Desde antes da morte de Getúlio, era para acontecer. Depois foi o saudoso Brizola quem atrasou o golpe novamente, em 1961, ano da Legalidade. Era outro Rio Grande do Sul e outra Porto Alegre, que, na época, mostrava ter potencial de uma cidade com habitantes e governantes de forte caráter. Naquele 1984, eu já tinha 25 anos. Então, vivi a ditadura durante toda a minha vida até adulto. Comecei profissionalmente na Coojornal – Cooperativa dos Jornalistas de Porto Alegre, migrando nessa época para a Sucursal do saudoso Jornal do Brasil.

Jornalistas todos, os fotógrafos em especial, são caçadores de ícones para agradar e poupar a vida dos leitores. O Movimento Diretas Já, que se repetiu em todas as capitais do Brasil, carregava a cantora Fafá de Belém, que trazia consigo a Pomba da Paz de Picasso, ao menos para mim assim era. Ao libertar a ave, começava a cantar o hino nacional brasileiro. Compondo uma espécie de apoteose inicial, antes das falas dos líderes políticos de vários partidos unidos pela volta da democracia pelo voto direto. Uma frente, de certa forma, ampla como temos tentado desde então.

Diretas Já, o evento mais importante da vida de um jovem fotógrafo que nasceu numa época de terror e dor. Muito importante para o Brasil, mesmo que tenhamos sido traídos por acordos no Congresso Nacional que nos levaram à derrota. Tudo combinado para colocar na presidência, de forma indireta, Tancredo Neves, avô do político que anos mais tarde jurou “morte” à Dilma em sua segunda eleição – um outro tipo de golpe, uma outra história. 

Os jornais ainda não tinham fotografias coloridas. Decidi complicar a minha vida analógica e fui com duas câmeras, uma para p&b e outra para cores. Tratava-se do evento mais importante da minha vida e quem sabe eu estaria no dia seguinte com meu nome em corpo 8 desfilando numa das páginas do Jornal do Brasil, que tinha sede no Rio de Janeiro, jornal que foi letra de samba, conhecido, que circulava no Brasil inteiro. Eu evitava o uso de flash, detesto até hoje. Foi tudo premeditado para a pomba da Fafá não me escapar. Usei minha lente olho de peixe 18mm para ter mais área no quadro até que ela escapasse e usei o flash, devidamente agachado, de baixo para cima. Fomos naquele segundo, ou fração dele, eu, a Fafá, a pomba e o fundo negro do céu. Quase perdi a danada, a pomba. Como optei pela câmera para cores, deixei para o Jornal do Brasil alguma foto mais burocrática ou protocolar em p&b que nem lembro mais. O guri “político”, sonhador traindo o fotojornalista iniciante.

Tenho comigo até hoje a pomba da paz da nossa derrota nas Diretas Já. Agora emprestada para essa super Revista Parênteses dos meus amigos e contemporâneos.


Fotos: Luiz Eduardo Achutti

Luiz Eduardo Achutti é fotógrafo,  antropólogo e professor do Instituto de Artes da UFRGS.

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