Nathallia Protazio
Nathallia Protazio, escritora
Agora Vai | Folhetim

Duas Vanusas – Capítulo 2: Pedro

Change Size Text
Duas Vanusas – Capítulo 2: Pedro "O Cheiro da Chuva no Pátio da Casa da Minha Avó", de Gus Bozzetti

Mamãe saiu assim que tia Vanusa chegou. Mal se falaram. Acho que tava com pressa. Eu e Verô ficamos no pátio sem saber muito o que fazer. Ouvi os passos dela e o som das rodinhas da mala. Acho que é grande pelo barulho que faz. O que será que ela trouxe? Um presente? Brinquedo? Não gosto de ganhar roupa, gosto de brinquedo, a mana também. Eu estava muito querendo saber o que era, mas não conseguia soltar meus joelhos e entrar dentro de casa. Não sei por que não consegui me mexer. Talvez eu fiquei tanto tempo desse jeito que meus braços viraram pedra. Fiquei com medo. Mexi os ombros e meu corpo se mexeu. Ufa. Não sou uma pedra. Ainda bem. Tentei levantar, mas não consegui de novo. Acho que minhas mãos se colaram e por isso não solta. Fiquei com mais medo ainda e tentei me soltar. Caí sentado pra trás e machuquei um pouco quando bati as mãos no chão. Assustei a Vanusa, que resolveu ir ciscar mais no fundo do pátio. Ai. Tirei umas pedrinhas pequenininhas que se enfiaram na minha mão e fiquei com vontade de chorar.

Bem nessa hora tia Vanusa nos chamou da porta da cozinha e nem eu nem Verô respondemos. Acho que a mana estava querendo chorar também, mas não vi se chorou porque ela olhou pro chão se escondendo. A tia veio e se sentou no meio de nós dois. Ficamos um tempão em silêncio. Não sei por que a tia não falou nada, achei que as pessoas grandes sempre sabiam o que falar, mas ela não falou nada. Quem sabe tia Vanusa também seja um pouco criança e também tenha medo igual a gente. Olhei pra ela. Ela estava segurando a mão da mana, olhando a galinha. Não sei se ela sabia o que fazer.

Tia, o nome dela também é Vanusa e foi a Verô que quis. Eu queria chamar a galinha de Alice e ela não deixou, essa chata.

Não sou chata nada!

É sim!

Chato é você!

Olha, o que é isso? Vão brigar agora? Nem me disseram oi nem nada e já vão brigar?

Hum.

Desculpa, tia.

Tá, deixa eu ver se eu entendi, vocês têm uma galinha e deram o meu nome pra ela?

O nome é seu, mas agora é dela também. Não tá brava né?

Tia Vanusa ficou olhando a galinha Vanusa um tempinho. Não sei o que ela tava pensando, acho que ainda não sabia se ficava brava ou não. Não sei. Ficou um tempão assim pensando e depois soltou uma risada. Começou a rir muito. Verô começou a rir muito também e depois eu comecei a rir porque achei engraçado elas rindo. Tia Vanusa se levantou, rindo e balançando a cabeça, e nos chamou pra ir na feira.

Fomos trocar de roupa. Depois de ajudar a Verô com a calça dela, eu sentei no chão do quarto pra colocar minhas meias e meu sapato. Fazia muito tempo que a gente não saía na rua, eu tava com medo e com uma vontade estranha de querer sair correndo. Sair correndo na rua muito rápido. Tia Vanusa abriu a sua grande mala de rodinhas e tirou uma máscara colorida pra mim e uma pra mana. A minha tinha umas bolinhas amarelas e azuis. A da Verô tinha umas bolinhas amarelas e pretas. Quase igual, só que menor. A máscara da tia também tinha bolinhas, só que era rosa. Rosa com bolinhas brancas. Eu achei muito legal a gente usar aquelas máscaras coloridas, só que às vezes apertava atrás da orelha, mas era mesmo legal.

A tia parou na porta e repetiu tudo que vinha falando o tempo todo enquanto a gente se vestia, mas que eu não tinha escutado muito.

‘‘Nada de tocar no rosto, nas pessoas, nas coisas. Não tirem a máscara, não soltem as mãos, não corram. Não peguem nenhuma fruta; se quiserem alguma coisa, me peçam que eu compro. Ok?’’ 

Balancei a cabeça pra ela parar de falar e abrir logo a porta porque aquele medo e aquela vontade de sair correndo estavam tão grandes que eu não sabia mais o que fazer. Ela beijou a testa da Verô, eu segurei forte a mão da mana e saímos.

A rua estava meio vazia. Eu li a placa ‘‘José do Patrocínio’’. Tinha algumas pessoas de máscara, só que era preta ou branca. Ninguém tinha máscara colorida igual a gente. Eu vi gente sem máscara também. Um homem tinha uma barba grande, e aí eu acho que ele não precisa usar máscara por isso. Quando chegamos na feira o corredor estava bem grande. Eu li uma placa no chão ‘‘Largo Zumbi dos Palmares’’. As barracas de um lado ficaram longe das outras barracas. A tia tentava fazer tudo muito rápido. Eu fiquei olhando, não me lembro se falei alguma coisa, é que eu tinha que segurar a mão da mana e ela não parava de pular e pedir coisa que a tia comprava. Acho que a Verô tinha esquecido um pouco de como era a rua, porque a gente ficou muito tempo em casa. Toda hora ela me perguntava o nome das coisas e se era de comer, de usar ou de guardar.

A sacola da tia já estava cheia. Ela me deu um saco plástico pesado pra segurar. Olhei dentro, estava cheio de tomate. Tinha vermelho, vermelho escuro e uns meio verdes. Eu ia perguntar o que a gente ia fazer com aquele montão de tomate quando escutei uma mulher gritando. A tia percebeu o movimento e puxou a gente pra perto do barulho. Tia Vanusa encontrou uma amiga brigando na fila da bergamota.

Dá distância, oh filho de uma puta!

Simone, o que você está fazendo, guria? Barraco na feira? Só tu mesmo.

Ai. Esse povo do caralho que não sabe esperar a vez pra pedir sua própria bergamota.

Guria, olha as crianças, segura a língua. Mas tu tem razão. Tudo vira aglomeração, né. Que coisa bem séria isso.

Sim, eu tô de quarentena fechada há meses, só saiu pra vir na feira a cada quinze dias e toda vez é esse estresse.

Jura?

Sim. Me tranquei em casa, real, oficial. Não vou morrer de corona. Mas tô com tanta saudade da minha vida.

Nem me fale. Nunca mais samba, forrozinho, nem boteco. Tá fo… Tá difícil.

An-han.

Simone, estes são meus sobrinhos. O Pedro e a Verônica. 

Oi.

Oi.

Oi. 

Me diz, como é que vai você e a Cláudia?

Tudo bem. Tudo tranquilo. Ela anda trabalhando bastante.

Legal. Olha só. Eu tô indo gente, por hoje deu de feira pra mim. Foi legal conhecer vocês. Mas não tá dando. Quem sabe a gente se encontra com tempo uma hora dessas. Se cuidem. Usem álcool gel!

Quando a gente chegou em casa a tia passou álcool em tudo, até na gente. Fomos todos tomar banho e depois lavar as comidas. Eu gostei de sair na rua. Achei que a máscara me machucou um pouco, mas ela era de bolinhas coloridas. Será que a gente vai sair de novo amanhã? Será que a mamãe já chegou onde o papai tá? Será que vou ganhar um presente que a tia trouxe dentro da mala de rodinhas? Eu pensava um monte de pergunta ajudando a mana a pentear o cabelo quando tia Vanusa entrou no quarto com as mãos escondidas atrás nas costas.

Adivinha o que eu tenho aqui?   


Nathallia Protazio é escritora e farmacêutica. Autora de Aqui dentro (Venas Abiertas, 2020) e Pela hora da morte (Jandaíra. 2022). Clique aqui e adquira seu exemplar direto com a autora.

RELACIONADAS
ASSINE O PLANO ANUAL E GANHE UM EXEMPLAR DA PARÊNTESE TRI 1
ASSINE O PLANO ANUAL E GANHE UM EXEMPLAR DA PARÊNTESE TRI 1

Esqueceu sua senha?

ASSINE E GANHE UMA EDIÇÃO HISTÓRICA DA REVISTA PARÊNTESE.
ASSINE E GANHE UMA EDIÇÃO HISTÓRICA DA REVISTA PARÊNTESE.