Arthur de Faria | Porto Alegre: uma biografia musical

Capítulo LXI – Um milhão de melódicos melodiosos – ou: os anos de transição (Parte 7)

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Capítulo LXI – Um milhão de melódicos melodiosos – ou: os anos de transição (Parte 7) LP gravado ao vivo: A Noite do “lembra?” (Continental)

O amadorismo (no sentido de ter, paralelo à música, um “emprego”) era característica comum à maioria dos integrantes dos conjuntos melódicos porto-alegrenses.

E rendeu um comentário saborosíssimo numa contracapa de disco:

São músicos e ritmistas amadores [outra maravilha: ou é músico ou é ritmista!], que veem na música da madrugada o objetivo único da satisfação própria. Tocam porque gostam de tocar, sejam ou não tentados pela profissionalização.

(Creia: texto não muito diferente do que está na contracapa do primeiro LP dos jovens Almôndegas, em 1975, ressaltando que são todos estudantes universitários).

Pois então.

Mesmo sendo líder de um grupo com a agenda cheia em palcos, salões de baile e estúdios de TV, Norberto Baldauf só deixaria sua profissão de professor universitário na área de biociências quando se aposentou, em 2006. 

Antes disso, aconteceu o contrário: o professor deu uma aposentada temporária no músico. Concursado da Universidade Federal do Rio Grande do Sul em 1967, no final de 1969 Norberto voltou a Alemanha novamente para estudar. Só que desta vez, não era música: era medicina nuclear!

O grupo quase se desmonta, mas Canela (acordeom), Touguinha (percussão) e Heitor (órgão e vibrafone) seguem, literalmente, o baile. Incluem sopros na formação e, dando a medida do quanto todo mundo era amigo, continuam com o nome do seu não-pianista, só tirando o melódico. São agora o Conjunto Norberto Baldauf. Sem Baldauf.

E, pior: ele não reassume o posto quando, dois anos depois, volta da Europa. Se, antes, sua dedicação principal era aos bailes da reitoria da UFRGS, agora sua dedicação exclusiva ‒ em contrato ‒, era novamente com a Universidade, só que com seu Instituto de Biociências.

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O surreal disco de Baldauf… sem Baldauf! Ouça aqui uma trilha.

Ele não está nem no LP gravado depois de quase 10 anos de seca discográfica: o super-setentão Norberto Baldauf e Seu Conjunto. Lançado no mesmo 1977 em que sai, pela mesma gravadora Continental, o único disco da carnavalesca Super Banda do Touguinha.

Touguinha que então estava a mil: dirigia seu Centro Livre Musical, por onde passaram centenas de músicos; participava do grupo de folclore internacional Os Gaúchos; e ainda liderava outras duas bandas: Touguinha e Seus Velhinhos e A Banda Jovem do Touguinha. Figura queridíssima por todos que o conheceram, com um milhão de amigos e de ex-alunos, ele morreria de leucemia, em Porto Alegre, dia 29 de setembro de 2006, pouco antes do lançamento do livro de Marcello Campos que conta a trajetória dos baldaufs.


E aí chegamos aos frenéticos Anos 80 ‒ nada mais distante dos idílicos Anos 50 da formação do grupo. A única rádio que ainda tocava seus discos era a Guaíba, agora FM. E é nela que, em 1983, os remascentes decidem anunciar o fim do conjunto Norberto Baldauf, depois de 30 anos de atividade.

Só que, mal começam a entrevista, a repercussão é imediata: ouvintes e entrevistadores, todos fãs de longa data (um deles o velho amigo Paulo Deniz), protestam, veementes. Acabam então decidindo que, pelo menos, vão fazer um baile de despedida. Resultado: 200 mesas do clube Sogipa esgotadas em menos de duas horas. 

The song remains the same

Ao menos para uma pequena legião de cinquentões saudosos.

O caso chamou tanto a atenção que o baile acabou sendo transmitido ao vivo pela rádio e TV Guaíba, com direito a um especial de TV com seus melhores momentos passando uma semana depois. Como se não bastasse, virou o LP, gravado ao vivo, A Noite do “lembra?” (Continental). 

Como o baile tinha essa ideia de despedida, acabou reunindo pela primeira vez o grupo quase inteiro, com Luiz Octávio e Edgar Pozzer nos vocais, Wilson Baraldo na bateria e as canjas do também baterista Carlos Calcanhotto, e do baixista Sadi da Silva (do Flamboyant).

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Dois discos saíram dessa noite: esse e um do Renato e Seu Conjunto.

O que seria uma cerimônia de adeus acabou virando um segundo advento baldaufiano.

Com toda essa repercussão começam a pipocar contratos para bailes em clubes de todo o Estado. É quando retomam a formação mais próxima possível da original, mas com Carlos Calcanhotto (sim, pai da Adriana) na bateria. E com duas estrelas vocais – Pozzer e Luiz Octávio – dividindo a noite. 

Dali em diante, a formação teve muitas mudanças. Mas perto de seu fim eram o grupo brasileiro mais antigo em atividade com integrantes da sua formação original, e sem interrupção. Os octogenários colegas de colégio Norberto e Raul Lima (guitarra), tentaram até entrar pro Guinness Book. Mas acabaram desistindo pela papelada necessária.

Melhor que isso, só lançar um CD. A ideia era fazer uma coletânea de seus melhores momentos. Mas, enquanto os discos de Breno Sauer, Manfredo Fest e Primo se tornaram atração em relançamentos por gravadoras especializadas de vários lugares do mundo, as 24 faixas remasterizadas do grupo ficaram submersas no inferno da burocracia fonográfica brasileira. Nem sua biografia Week-End no Rio animou os departamentos (ir)responsáveis. O que é uma pena, só consolada por algumas postagens no YouTube. 

Mais do que uma pena: uma sacanagem.

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Com a lady crooner convidada, Elis Regina, 15 anos, então a cantora mais popular da cidade.

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O povo da formação mais clássica: Raul, Canella, Léo; Touguinha e Baraldo; Baldauf e Luiz Octávio.

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O povo, na época do lançamento do livro do Marcello: Heitor, Luiz Octavio, Pozzer, Touguinha (que morreu pouco depois), Marcello Campos e o fã Número 1, Pinduca. Na frente, os colegas de colégio e sócios-fundadores Raul e Norberto.

O fim definitivo do grupo não teve uma data precisa. Os velhinhos foram se dispersando, os bailes rareando, e lá por 2010/2011 fizeram suas últimas apresentações como grupo. Quando morreu, em 2018, aos 89 anos, Baldauf tinha parado de tocar há pouco. Raul tocou até morrer, aos 91, em 2015.


Até agora falamos só de Baldauf e sua turma. Mas houve muitos outros melódicos, cada um com sua sonoridade, todos com muito trabalho, vários com discos lançados e relançados.

Falaremos deles.


Arthur de Faria nasceu no ano que não terminou, é compositor de profissão (15 discos, meia centena de trilhas) e doutorando em literatura brasileira na UFRGS por puro amor desinteressado. Publicou Elis, uma biografia musical (Arquipélago, 2015).

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