Porto Alegre: uma biografia musical

Capítulo XCVII – Os Anos 70: Almôndegas (parte 3)

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Capítulo XCVII – Os Anos 70: Almôndegas (parte 3)

Nada podia ser menos pretensioso, já a partir da capa.  

Nela, além de fotos dos cinco, há um registro do panorama da gravação no estúdio Gravodisc, em São Paulo. Em vez da esperável sala com amplificadores, fones de ouvido, muitos cabos pra lá e pra cá e tapadeiras de madeira para isolar os músicos, a imagem é singela: dois microfones no alto, cinco rapazes sentados no chão, em semicírculo. Eles tocam violões, flauta doce, tumbadora e bambus pregados em duas tábuas. A mais perfeita tradução da “rodinha de violão”.

Na contracapa, em cima de novas fotos individuais, a legenda: cinco rapazes gaúchos, estudantes. Era exatamente o que eram.

Ainda que estivessem naquele momento se decidindo pela profissão de músico, Kleiton conciliava a faculdade de engenharia eletrônica com um emprego de desenhista de construção na Secretaria da Saúde. Gilnei fazia a faculdade de jornalismo e escrevia o horóscopo (!), reportagens e críticas na área de variedades do jornal Diário de Notícias. Os outros eram só estudantes: Kledir estava no último semestre de Engenharia Mecânica (sim, se formou); Quico, na Engenharia Eletrônica; Pery, em Composição e Regência – curso onde os irmãos Ramil faziam algumas cadeiras. Tudo na UFRGS.

Pois com toda a inexperiência (ou talvez por causa dela), os rapazes gravaram o disco em míseras duas noites de fevereiro, usando só quatro canais e – importante – sem produtor! 

É que também, né? Estavam afiadíssimos, voltando de shows no Festival de Verão de Salvador e em Belo Horizonte, para onde tinham sido levados pela grande novidade: um empresário baiano! Roberto Santana, parceiro de longa data de Gilberto Gil e Caetano Veloso, passaria a trabalhar com o grupo, em parceria com Nassif Nagib. Ele no Rio, Nassif em Porto Alegre.

Além disso, algumas das canções eles já tocavam há anos, desde antes do grupo existir. Como as duas que participaram dos Fucaca, por exemplo: Quadro negro e Teia de aranha. Também estavam ali novas versões das músicas que tinham sido lançadas na rádio Continental (que acabaram se confirmando como os maiores sucessos do disco): Sombra fresca e rock no quintal, Vento negro e Até não mais – sendo que, pela ordem, Sombra fresca… e Até não mais eram as duas primeiras faixas do Lado A.

Um repertório que reunia canções dos compositores da turma: Kledir (seis das 11 faixas) Gilnei, Quico, Fogaça, Zé Flávio, Paulo Diniz e Toninho Duarte. De brinde, Lupicínio Rodrigues. 

Algo didático, o curto texto da contracapa explicava:

Conjunto vocal-instrumental. Como o próprio nome indica; o estilo é uma mistura de sons e ritmos variados, com instrumentos de bambu, bongô, banjo, flauta-doce e os tradicionais violões, viola, timba, reco-reco etc. Repertório que vai do romântico ao folclore gaúcho, do samba de bossa até baião e rock. Músicas bem feitas e letras assim: 

(seguiam-se apenas três letras: as de Sombra fresca e rock no quintal, Almôndegas e ).

A primeira canção do Lado A apresentava ao grande público a grife personalíssima do guitarrista e compositor Zé Flávio. Nascido José Flávio Alberton de Oliveira (em Porto Alegre, dia 10/04/1952), Zé era figura carimbada. Colega de Pery, Kleiton e Kledir na faculdade de música, liderava sua própria banda de jazz-rock-folk, o Mantra.

Formada por Zé Flávio e Zé Luís Souza (guitarras), Jaka (flauta), Jader Bochoski (baixo), Fernando Pezão (bateria), e Clóvis Pires (percussão), graças ao prestígio de Zé, a banda estreara já como um dos destaques do segundo concerto Vivendo a Vida de Lee. Mandaram ver rocks e blues bastante “pesados” para o momento – e cheios de ritmos complexos. No final de 1976 gravariam no Estúdio B da Continental músicas que tocaram tanto no horário do Mister Lee, que seguiram na programação mesmo depois do fim do programa e do próprio Mantra. A banda que durou enquanto durou o Vivendo a Vida de Lee teve sua despedida no último concerto da série, dia 4 de dezembro de 1976. Eram então um Power Trio, com Inácio do Canto (baixo), Pezão e Zé – que anunciou ali que a banda estava acabando. Especulava-se que ele seria a partir de então um almôndega. Foi o que aconteceu.


Sombra fresca e rock no quintal

(Zé Flávio)

Quero sentir o sol batendo nas minhas pernas 
Minha roupa eu quero ver a cor do céu ao natural

Eu quero um beijo que não seja de alumínio 
E os edifícios longe das bananas do quintal

Que continua dando fruta e sombra fresca 
No meio do banheiro universal

No fim do mundo, na beira da roça eu tinha 
O tempo todo, todo o espaço pra viver 
Ao natural…

Bem no centro da mesa de refeições 
A sinaleira diz que pode o caminhão atravessar

Dentro de casa não é casa é qualquer coisa dissonante 
Acompanhada de cimento e o quintal

Que continua dando fruta e sombra fresca 
No meio do banheiro universal

No fim do mundo na beira da roça eu tinha 
O tempo todo, todo o espaço pra viver 
Ao natural

Rock tchutchuba…

Rock tchutchuba…

Rock tchutchuba…

Êeeeeeee

A segunda faixa, Até Não Mais, é pura MPB circa 1975: uma bossa meio caetânica, com grandes achados que a situariam tematicamente muito próxima a Trocando em Miúdos (de Chico Buarque). Só que Até Não Mais é de vários anos antes.


Até não mais

(Kledir Ramil)

Até não mais, eu resolvi partir

E foi depois que o galo repetiu

O sol nasceu e a vida tá aí

Até não mais, não pude resistir

Nossa cama é boa e o travesseiro, superior

Só não gosto do seu pé gelado

E do cheiro do cobertor

Nossa mesa é farta, falta nada pra rabiar

Só não gosto de usar os pratos

E depois ter que lavar

Você vai sentir a minha falta ao ir deitar

Só não esqueça de fechar o gás

De tomar leite e de rezar

Até não mais, até não mais

Até não mais, até não mais…

Já a terceira, Teia de aranha, é mais uma daquelas milongas estilizadas do repertório do grupo que começam ou terminam num ritmo agitado em 6/8 (neste caso, termina). Com letra tipicamente pós-Tropicalista, urbana e universal, o arranjo primoroso ressalta suas pequenas surpresas harmônicas usando uma formação delicadíssima: flauta doce, violão, violão de 12 cordas, agogô e bongô. 


Teia de Aranha

(Kledir Ramil)

Passo pelos corredores

Porque tenho de passar

Paro em frente a uma porta

Que me leva ao meu lugar

Abro e vejo um telefone, um grito

Um ronco de motor, no chão

Uma cabeça, o sangue, a televisão

A Arca de Noé e a porta da prisão

A fumaça, o pesadelo e eu solto um palavrão

O horário, o escritório,

A bomba a ponto de explodir

No céu, um astronauta às portas da desilusão

A lua de neon e um deus que já morreu

Sou humano, mas namoro um computador

O progresso engoliu a nossa paz

E a teia engoliu a própria aranha

E é por isso que o coqueiro só dá coco

Só dá coco, só dá coco

Essa liberdade enlatada, esse amor de borracha

Essa flor rotulada, essa luz nos meus olhos

Esse concreto armado, essa paz asfaltada

São coisas com cheiro de coração

E gosto de ferro em brasa

Pode ser que amanhã faça sol

Pode ser que amanhã faça sol

Pode ser que amanhã faça sol…

Olavo e Dorotéia, a canção seguinte, é a única de Pery gravada pelos Almôndegas. Cantada com singelo desamparo por seu autor, o samba-canção meio bossa nova, sofisticado harmonicamente, é pincelado por um quarteto de cordas. A letra, num ritmo de curta-metragem, cita o mesmo elevador que seria título de música no disco seguinte: o do Instituto de Artes da UFRGS onde Kleiton, Kledir, Pery e Zé Flávio estudavam.


Olavo e Dorotéia (Uma louca história de amor)

(Pery Souza / Kledir Ramil)

Dorotéia, cor-de-rosa

Ficou bela quando Olavo entrou

Com sapatos colorindo todo o elevador

Mas antes do sétimo andar

Olavo não pode aguentar

E pisou no seu pé

E pôs-se a correr como doido no sétimo andar

E pôs-se a gritar como doido no sétimo andar

E pôs-se a cantar como um anjo no céu

Dorotéia, cor-de-roxo

Foi pra cama com dor de amor

Sonhou sonhos coloridos dentro do cobertor

Enfim Dorotéia acordou

De Olavo e do amor só ficou

Uma mancha no pé

E pôs-se a correr como doida no sétimo andar

E pôs-se a gritar como doida no sétimo andar

E pôs-se a cantar como um anjo no céu

O Lado A fecha com Quadro negro, a canção que havia começado tudo – quando venceu o Fucaca.


Quadro Negro

(Kledir Ramil)

Ela, ela já vem

Ela, ela já vem

Se ela, se ela não vem

Não a enquadro na canção

E estrago a intenção tradicional

Ela, ela já vem

Ela, ela já vem

Se ela, se ela não vem

Não me entrego ou dou a mão

Já chega de emoção superficial

A minha perna é a mesma, só cresceu

Na minha testa um quadro negro apareceu

No fim da festa a noite escura amanheceu

Quem não entrou nessa bem na certa já morreu

Minha cabeça é uma esfera meio oval

Não muito estética, mas por dentro genial

Só pensa que ela deve ser emocional

Com muitos quilos de um sabor sensacional

Com muitos quilos de um sabor sensacional

Com muitos quilos de um sabor sensacional

Sensacional, sensacional

Sensacional

Na gravação, o intermezzo só de percussões ressalta uma das maiores qualidades dessa primeiríssima formação. Que o diga o Kleiton (em 2011):

A percussão do Almôndegas era algo difícil de explicar. Gilnei e Pery eram como uma locomotiva que conduzia com vigor e perfeição tudo que tocasse em volta. O que nós ouvimos e vivemos com eles ninguém nunca ouviu em disco porque os registros foram precários. 

Já toquei com músicos do mundo inteiro e sei que essa dupla era insuperável, inigualável, seja pela perfeita simbiose entre os dois (principalmente Pery na tumbadora e Gilnei no bongô) como pela performance irretocável. Dá pra ter uma ideia no segmento da música “Quadro negro” onde ficam só os dois durante alguns instantes. É apenas o gostinho! Talvez o que falo possa ficar claro em uma nova gravação, em algum estúdio que preste. 

Comprovei de duas maneiras essa minha afirmação. Primeiro no show comemorativo de 15 anos do Almôndegas, onde utilizamos equipamentos mais sofisticados, e portanto com resultados mais próximos da realidade. E, mais recentemente, quando estive em Floripa – onde toquei algumas noites com Gilnei por pura diversão e fiquei impressionado com sua habilidade como percussionista. Havia muito tempo que não o ouvia. Impressionante técnica e bom gosto!

Quadro-Negro exemplifica bem o ritmo híbrido bastante usado por vários dos compositores da banda que, na falta de um nome próprio, foi batizado de “tunga-taca”.

Kledir:

Sem sabermos como classificar, apelamos pra onomatopéia – o primeiro momento em que ele aparece é em Quadro negro, onde fica explícito, no jogo poderoso da levada de Gilnei e Pery. É mais ou menos o mesmo ritmo por trás da música Almôndegas e outras que fomos criando pelo caminho, como por exemplo Com seus botões – do Quico, que foi censurada. Todos nós éramos muito ligados nesse ritmo, que sentíamos como uma coisa nossa, original – talvez tenha sido um dos primeiros momentos de consciência de que estávamos fazendo algo original e “gaúcho contemporâneo” – o “tunga-taca”, na verdade, é uma mistura de Vanerão com elementos do pop/rock, do candombe (da murga?) e dos ritmos afro-latinos.

Vire o disco.

O lado B abre com o pé enfiado na jaca da melancolia, com os menos de dois minutos de . A canção é embalada em pura delicadeza: só a voz e o violão de Quico, um quarteto de cordas arranjado por Luiz Arruda Paes e aquela letra tão cheia de sutilezas e mistérios quanto a música que lhe conduz.


(Quico Castro Neves)

Pena, Gô

Que entre tanto amor

‘Inda sejamos sós

Calou-se nossa voz

Neste silêncio de outono

No abandono de um por de sol

Pena, Gô

Que sempre tanta dor

Esgote em nosso ser

A sede de viver

E a poesia renascida

De nossa paz

Se perca em versos tão banais 

E, estremecida,

Espere o dia terminar

Pra não voltar jamais

Pena, Gô

Que tudo o que restou

Se perca em frases vãs

Sem hoje ou amanhã

E siga tudo como antes

Horizontes, uma estrada

E pó

Pra seguir adiante, só invertendo o vetor do astral do disco. E aí então entra Daisy, my love. Que poderia ser pouco mais que uma piada musicada, mas é muito ajudada pelo inventivo arranjo que lembra as teias de contrapontos que Tom Zé vinha experimentando por essa época, em sua fase “Estudando o samba”. 


Daisy, My Love

(Kledir Ramil)

Eu conheci uma garota genial

Americana como a calça Levi-Strauss

Como Gilete, Coca Cola e Chevrolet

Miami Beach, Jacqueline e Chiclé

Daisy, Daisy, my love

Daisy, Daisy, my love

Daysi, depois de conhecer o Carnaval,

Ficou com cara de uísque nacional

Como pandeiro, Petrobrás e Nescafé

Caneta Bic, Três Fazendas e Pelé

Daisy, Daisy, my love

Daisy, Daisy, my love

Se alguém disser que tu és Deise, meu amor,

Eu digo: Deise é a mãe de quem chamou

Se alguém disser que tu és Deise no Brasil

Eu digo: Deise (assovio)

Daisy, Daisy, my love

Daisy, Daisy, my Love

O clima alto-astral segue com a canção-manifesto Almôndegas, uma cruza do “tunga-taca” com rock-rural. Aparentada de Sombra fresca e rock no quintal, nela brilha o violão de 12 cordas de Quico e, mais uma vez, a percussão de Gilnei e Pery, numa letra divertida que ironiza vários clichês daquela geração e ainda brinca de não caber na métrica (como tantas vezes fizeram Caetano e Jorge Ben).

Emilio Pacheco conta da sua concepção, na casa dos pais de Gilnei, em Arroio Grande, inspirada em cerveja Norteña e cigarrinho de artista:

Kledir criou a melodia enquanto Gilnei escrevia uma letra, sem que um prestasse atenção no que o outro fazia. Aí, claro, na hora de juntar as partes, Kledir argumentou que os versos do parceiro não cabiam nas notas. Gilnei insistiu: “Aperta que dá”.


Almôndegas

(Gilnei Silveira/Kledir Ramil)

Na noite de tresantonte me parei a me preguntá

Por que que os olho enxerga e o nariz é pra cheirar

Pra que tirá os pelo da cara e morar noutro lugar

Pra que comprar Lamborghini se tem perna pra andar

A turma do pessoal lá da cidade tá com os vidro embaciado

Eles vive enfumaçado na perfídia da tecnologia

A culpa disso tudo é esse tal de progresso moderno

Alguma, algoma, algômedas

E nós semo umas almôndegas

Nós semo umas almôndegas, he, he , he

Nós semo umas almôndegas, he, he , he

Nós semo umas almôndegas, he, he , he

E viva o zen-budismo

E aí entra o hino Vento negro, nossa velha conhecida, que graças a essa nova versão ficaria eternizada como uma das canções gaúchas mais populares de todos os tempos. Baseada na então já bastante utilizada metáfora dos novos ventos que trariam novos ares ao País imerso na ditadura, tem uma melodia simples, mas muito valorizada pela voz grave de Quico. 

E não se deve subestimar a importância daquela clássica introdução criada por Zé Flávio e Inácio do Canto antes mesmo da banda existir, numa trama meio barroca de violões de 6 e 12 cordas que, nos anos 1970 e 80, viraria tour de force obrigatória de qualquer rodinha de violão no Rio Grande do Sul. Algo assim como, num nível planetário, a introdução de Stairway to heaven, do Led Zeppelin. Ou, na Porto Alegre do século XXI, Amigo punk, da Graforreia Xilarmônica.


Vento negro 

(José Fogaça)

Onde a terra começar

Vento negro, gente eu sou

Onde a terra terminar

Vento negro eu sou

Quem me ouve vai contar

Quero luta, guerra não

Erguer bandeira sem matar

Vento negro é furacão

Com a vida o tempo, a trilha, o sol

Um vento forte se erguerá arrastando

O que houver no chão

Vento negro campo afora vai correr

Quem vai embora tem que saber

É viração

Nos montes, vales que venci

No coração da mata virgem

Meu canto, eu sei, há de se ouvir

Em todo o meu país

Não creio em paz sem divisão

De tanto amor que eu espalhei

Em cada céu, em cada chão

Minha alma lá deixei

Com a vida o tempo, a trilha, o sol

Um vento forte se erguerá arrastando

O que houver no chão

Vento negro campo afora vai correr

Quem vai embora tem que saber

É viração

Um passo definitivo na entronização de Vento Negro no imaginário porto-alegrense seria dado quando o apresentador Clóvis Duarte pede para utilizar a faixa do LP como música de abertura do então popularíssimo programa Portovisão, da TV Difusora – e ali seguiria até 1980 (antes disso, ele apresentava Opinião jovem na rádio Continental, onde a música tema era Testamento, do Fogaça, interpretada pelo Almôndegas, gravada no estúdio da rádio. A letra de Testamento era uma espécie de carta de Fogaça a seu filho Gustavo, que acabara de nascer).

Fogaça: 

Foi o Clóvis que solicitou insistentemente – juntamente com o Claro Gilberto – para tocar a música na abertura. Eles eram os sócios e donos do programa, eu era empregado. Eles me pediram autorização e eu dei, claro. 

E aí vem Clô, a faixa cinco do Lado B. Essa é uma parceria de dois pelotenses da turma de Kleber, o irmão mais velho de Kleiton e Kledir. Uma letra que ninguém imaginaria escrita numa cidade interiorana vai se desdobrando numa melodia contínua, que nunca se repete. Não tem estrofe, não tem refrão, mas tem aquele ar meio caribe meio milonga que é bem a cara da banda. 


Clô

(Diniz/Toninho Duarte)

E falando na tua festa

Saia desta, meu amor

Escutando na eletrola

A Gal, no fundo, no ar

E os passos firmes no chão

Vão fazendo a poesia

Com os cabelos na mão

E ficando assim na sala

Cala o primeiro cigarro

Clô, meu bem, não faça isso

De ficar um só momento

Sozinha no apartamento

Na esquina, quarto andar

Mil escadas pra subir

E não saber aonde ir

Ver pessoas à sua frente

E sempre tão diferente

Clô, meu bem, não faça isso

De sair sem compromisso

Disso ainda sei de cor

Gosto assim e não discuto

Escuto o horário que vem

São dez horas da manhã

Clô me olhando firmemente

Sei que ela sente por mim

Sei que ela sente por mim

E aí, pra fechar o disco, mais um xote, em mais um arranjo acústico nada clichê (o violão de 12 emulando um fraseado de acordeom é um achado). A canção em questão é um raro exemplar de regionalismo na obra de Lupicínio Rodrigues, e foi retirada do esquecimento graças a essa gravação. Foi a partir daqui que ela entrou pro cânone da canção gauchesca:


Amargo

(Lupicínio Rodrigues/Piratini)

Amigo, boleia a perna

Puxa o banco e vai sentando

Encosta a palha na orelha

E o crioulo vá picando

Enquanto a chaleira chia

O amargo vou cevando

Enquanto a chaleira chia

O amargo vou cevando

Foi bom você ter chegado

Eu tinha que lhe falar

Um gaúcho apaixonado

Precisa desabafar

Chinoca fugiu de casa

Com meu amigo João

Bem diz que mulher tem asa

Na ponta do coração

Bem diz que mulher tem asa

Na ponta do coração

 (A única tristeza foi a gravadora ter cortado Ruídos – aquela música que ganhara melhor letra no I Musipuc. Seria a estreia em disco de Kleiton como compositor. E foi cortada sem nenhuma explicação, e sem avisar ninguém da banda: tanto que em vez de 12, o que era o padrão, o LP tem 11 faixas.) 



Arthur de Faria nasceu no ano que não terminou, é compositor de profissão (20 álbuns e EPs) e doutor em Lupicínio pelas Letras da Ufrgs. Publicou Elis, uma biografia musical (arquipélago, 2015) e tá no prelo Porto Alegre, uma biografia musical, Volume 1, reunindo as primeiras colunas publicadas aqui.

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