Porto Alegre: uma biografia musical

Capítulo XCVIII – Os Anos 70: Almôndegas (parte 4)

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Capítulo XCVIII – Os Anos 70: Almôndegas (parte 4)

Crítica do disco, por Juarez Fonseca, no jornal Zero Hora

O disco chegou nas lojas numa segunda-feira, dia 14 de abril de 1975, e vendeu muito, e rápido – afinal há quase dois anos que os ouvintes da Continental chegavam nas lojas de Porto Alegre perguntando se tinha disco dos Almôndegas (só uma loja comprou, de uma tacada só, mil cópias).


Os shows de lançamento foram de sexta, 11, a domingo, 13. Três noites num Teatro Leopoldina lotado. Com repeteco, é claro, em Pelotas, lotando o imenso Teatro Guarany dia dois de maio.



 A repercussão tão imediata e as vendas locais foram tão boas que, em maio, já tinham status para dividir o palco do ginásio Gigantinho – o maior espaço para shows de Porto Alegre, para 14 mil pessoas – com Caetano Veloso, Gal Costa e Milton Nascimento. Em julho, novo show coletivo no Gigantinho – com Morris Albert (aquele do Feelings! e Sá & Guarabyra) e nova temporada em Minas Gerais. Dali para o Rio de Janeiro, onde gravariam o segundo disco – em menos de um ano.

Em agosto, eles são, não por acaso, a última atração do primeiro concerto Vivendo a Vida de Lee, organizado por Júlio Fürst no Teatro Presidente. Fechavam a noite por um motivo óbvio, como lembra o Júlio:

Os Almôndegas eram os mais “profis” da turma. Por isso encerraram, cantando “Vento Negro”, entre outras…

No meio disso, os irmãos Ramil – com reforço de Gilnei na final – também arriscam-se em uma das melhores edições do mais importante festival da música regional gaúcha, a Califórnia da Canção – e acabaram vencendo, com a épica e política Piquete do Caveira, de Kledir e Fogaça. 

Piquete do Caveira

(Kledir Ramil / José Fogaça)

Lanças erguidas, espadas no ar
É o piquete do Caveira
Que chegou pra espantar
Pra espalhar os inimigos,
Pra mandar e desmandar

.

É ponta de faca, é relho na mão
Cavalhada, disparada
Vai deixando pelo chão
A marca do piquete
Do Caveira valentão

.

Cavalo negro, a escuridão
O lenço preto, assombração
Botando medo pra valer

.

(Botando gente pra correr)

.

Vem chegando, vem chegando
Vem chegando o Caveira

.

Vem chegando, vem chegando
Vem chegando… 

.

Cavalo negro, a escuridão
O lenço preto, assombração
Botando gente pra correr

.

(Botando medo pra valer)

A Califórnia havia decidido mudar no ano anterior, graças a uma polêmica envolvendo o grupo Pentagrama – detalharemos mais tarde. E o Almôndegas vence justamente a primeira aparição da categoria Projeção Folclórica, uma das três linhas definidas a partir das ousadias do Pentagrama, no ano anterior – as outras seriam Campeira e Manifestação Riograndense.

E aí, no mesmo ano, veio o segundo disco!


Aqui é um LP bem mais trabalhado que seu antecessor. Em vez de cinco guris largados sozinhos em apenas duas noites de estúdio, agora eles tinham dois produtores: seu empresário Roberto Santana e o coordenador de produção Carlos Alberto Sion (o mesmo que, seis anos depois, produziria o LP de estreia de Bebeto Alves). 

Poucos meses tinham se passado, o ano era o mesmo, mas o segundo disco mostrava um grupo mais maduro, tocando melhor, armando vocais mais elaborados (especialidade de Kleiton) e mantendo a criatividade no alto.

Além disso, se Almôndegas fora registrado em míseros quatro canais, Aqui inaugurava um dos mais modernos estúdios do Brasil, com 24 canais! 

Só que Pery abandonara a barca. Nem ele sabia exatamente o porquê:

Nem eu sei precisar com exatidão qual foi o motivo. Nós tivemos uma caminhada individual e coletiva onde muitas vezes nem se sabia mais precisar o que era individual e onde ficava a fronteira com o coletivo. Não havia nem contagem para iniciar as músicas, a respiração era tão junta que parecia que não se respirava. 

Acabei saindo, eu acho, por medo de que essa convivência musical tão espontânea e natural se perdesse, ou ficasse distorcida pelas estruturas das gravadoras e do showbizz. Eu também estava por casar naquela época que o grupo se lançou nacionalmente. Isto, de uma certa forma, acabou me prendendo um pouco mais a esta terra e às estruturas teoricamente mais seguras… 

Kledir:

Quando saiu o Pery, o Quico sugeriu a entrada do João Baptista, seu primo. João é um ótimo baixista, que vinha de uma outra escola: tocava em grupos de baile. Trouxe pra banda a busca do rigor instrumental, mais profissional, a preocupação com os arranjos de base. Não era um compositor e cantor, como todos nós. Com ele aprendemos a montar uma banda mais dentro dos trilhos. Ao mesmo tempo, começamos a perder ali um pouco daquela pureza e esculhambação inicial. A convivência com o João foi uma grande escola, por onde a gente teria que passar, mais cedo ou mais tarde.

Nesse arredondar do som, Gilnei foi um precursor do que hoje se chama percuteria: um kit misto de bateria e percussão, que somava a pegada da bateria aos climas mais percussivos. Faltou dizer que o primo porto-alegrense de Quico, João Baptista Guimarães Carvalho (17/06/53), era já casado e funcionário da Sharp, além de tocar em conjuntos de baile. 

Voltando ao LP, ele é programaticamente – ou, ao menos, parece – mais “gaúcho” que seu predecessor. Abre com uma espécie de valsa-folk que viria a ser o maior sucesso nacional da banda. Mais uma canção de Zé Flávio, desta vez falando das estranhas mutações sofridas por um sujeito quando está com sua amada na hora em que ponteiros se encontram:

Canção da Meia-Noite

(Zé Flávio)

Quando a meia-noite me encontrar
Junto a você
Algo diferente vou sentir,
Vou precisar me esconder

.
Na sombra da lua cheia
Esse medo de ser…
Um vampiro, um lobisomem, um saci-pererê

.

Um vampiro, um lobisomem, um saci-pererê

.

Dona senhora, meia-noite eu canto
Essa canção anormal
Dona senhora, essa lua cheia…
…Meu corpo treme, 
Que será de mim, 

.

Que faço força pra resistir a toda essa tentação?

.
Na sombra da lua cheia
Esse medo de ser…

.

Um vampiro, um lobisomem, um saci pererê

.

Um vampiro, um lobisomem, um saci pererê

A canção tinha tudo a ver com o realismo fantástico tão em voga naqueles anos 1970 e que inspirava justamente a novela Saramandaia, da Rede Globo. Entrou tão bem na trama que logo ganhou um clipe no Fantástico, programa da mesma Globo que já era então o campeão absoluto de audiência das noites de domingo. Essa dupla exposição, nas duas mais importantes janelas de mídia do país (a novela ficaria no ar de três de maio a 31 de dezembro de 1976), seria decisiva para os futuros rumos dos rapazes.

No disco, depois de Canção da Meia-Noite vem a milonga Mi Triste Santiago, parceria de Kledir e Fogaça, escrita em portuñol, cujo subtítulo explicita ao mesmo tempo em que despista: Tributo a Pablo Neruda. Neruda, então aclamado mundialmente principalmente entre o público de esquerda, tinha morrido em 1973, dois meses depois do golpe militar que derrubou o presidente do seu Chile, Salvador Allende, bombardeado no palácio de governo. E que era o real homenageado da canção, por isso o “despista”.

Mi Triste Santiago (Tributo a Pablo Neruda)

(Fogaça/Kledir Ramil)

Longe, muito além, a cordilheira, o sol

A água negra e o trigo pra colher

As vinhas de dor, mi pueblo de amor

Silêncio! Morreu nosso pai

Santiago es pasión

Paloma triste y el viento frio

Americano amor 

Jamais vou te deixar

Santiago es americano amor 

Jamais vou te deixar

Nativas canções nas vozes do mar

Silêncio! Morreu nosso pai

Santiago es pasión

Latina sangre al monte y al rio

Meu povo, meu lugar

É meu lugar

É meu lugar

E aí, então, finalmente a estreia de Kleiton como compositor, adiada desde que sua Ruídos havia sido limada do LP anterior. Séria Festa é mais uma almondeguiana canção com uma parte lenta e outra de andamento rápido. O ritmo, neste caso, é um surpreendente… cateretê! Antecedido de uma lenta e climática primeira parte desenhada pelo violão de 12 cordas tocado com slide (aquela dedeira de metal ou vidro que desliza pelas cordas).

Séria Festa

(Kleiton Ramil)

Deve haver uma maneira de te mostrar

Deve haver uma canção matreira pra te buscar

Deve ser uma cegueira pra desmanchar

Deve ser uma batida histérica pra batucar

Há uma maneira de acertar na mosca

Do seu próprio anseio no meio da testa

Seja coerente, não me venha com estórias

De tesouro oculto no meio da festa

No meio da festa, no meio da festa

No meio da festa

Festa como esta, festa como esta

Festa como esta, festa como esta

Ah…

Há uma maneira de acertar na mosca

Do seu próprio anseio no meio da testa

Seja coerente, não me venha com estórias

De ciência oculta no meio da festa

No meio da festa, no meio da festa

No meio da festa

Séria como esta, séria como esta

Séria como esta, séria como esta

Ah…

Já a quarta canção do lado A é, como já anuncia o título, uma espécie de valsa caipira: a singela Amor Caipira e Trouxa das Minas Gerais. Mais um hit redondinho de Zé Flávio, usando a mesma ideia da letra que não cabe na melodia da canção Almôndegas – ainda que, neste caso, seja só na frase “eu chego lá na noi´de São João”:

Amor Caipira e Trouxa das Minas Gerais

(Zé Flávio)

Deixei nas Minas Gerais
Uma canção feitinha
Com o calor do sol
Pra toda a noite
Quando o sono
O meu amor caipira
Usar como lençol

.

E se lembrar de mim
Que ando sempre
Cavalgando em nuvens carregadas
Com tudo em cima
E um beijo por roubar
Com tudo em cima
E um beijo por roubar

.

O meu amor caipira e trouxa
Das Minas Gerais
O meu amor caipira e trouxa
Das Minas Gerais

.

Depois das seis
Depois do banho
Depois do dia que não vai raiar
Talvez eu pense em viajar

.

Num trem fantasma, nos braços da noite
Atrás do beijo
Caipira e doce
Das Minas Gerais

.

Eu chego lá
Na noite de São João…

.

Eu chego lá
Na noite de São João…

A ela se segue uma pós-caetânica, minimalista, dissonante e meio latina canção de Kledir, Coisa Miúda – que abre com um suspeito fósforo acendendo alguma coisa e segue num arranjo de irretocável suingue acústico que valoriza muito a letra milimetricamente montada:

Coisa Miúda

(Kledir Ramil)

Não me comprometa

Não perca a cabeça

Não me suje de batom

Não me mostre as garras

Não, não me provoque,

Não me torne um pecador

Eu não, eu não

Eu não quero nem olhar

Eu não, eu não

Eu não quero nem pensar

.

Não me ensine as regras

Não, coisa miúda

Do seu jogo sedutor

Não há quem aguente

Você me tem louco

E tudo isso foi em vão

Eu vou, eu vou

Eu não quero nem saber

Eu vou, eu vou

E je t’aime moi non plus

.

Coisa miúda, miúda doida

Coisa moída, miúdos uis

Doida moída, moída coisa

Doida miúda, moídos ais

Coisa miúda, ah

Coisa miúda, ah, ah…

Essa é outra que definiria um gênero bem almondeguiano de composição. Um outro gênero híbrido de milonga com caribe que Kledir explica assim:

Elevador e Coisa Miúda é a levada latina que chegava pela fronteira e pelo pop/rock de Santana e The Doors (Light my Fire). Por trás está a “clave cubana”: uma espécie de divisão do compasso 4/4 em uma acentuação 3/3/2. Essa pulsação atravessa muitas de nossas músicas, especialmente as canções/baladas que sempre trazem um certo sabor de milongas aboleradas.

Isso contaminou nossa maneira de compor e nos acompanha até hoje, passando por todas as fases da banda (Vento Negro, Teia de Aranha, Clô, Mi Triste Santiago, Feiticeira, Harmonia, Androginismo…) e continua com Kleiton & Kledir: Fonte da Saudade, PaixãoDeu Pra Ti, Tô que Tô, Nem Pensar

Então, mudando completamente de clima, o Lado A fecha com a assombrosa e assombrada Barca de Caronte, de Quico. Que, depois de um prelúdio épico com direito a discretíssima orquestra de cordas, desemboca em mais um começo agitado que logo mudará de andamento e mood:

Barca de Caronte

(Quico Castro Neves)

Amigo vivo, não pise jamais este chão

Você não sabe o que o espera

Você não sabe, não

Você não sabe de nada

No fim desta estrada

Meu pai me falou um dia

O fim da vida inicia

Quem parte não volta mais

……………

No fim dessa estrada

Há um porto com sangue no chão

Há um rio onde navio algum quer navegar

No cais deserto, abandonado

Um corpo espera deitado

A negra barca aportar

Na pedra fria do porto

Pousa a mala do morto

Desbotada de esperar

Fim de tarde

O morto espera a saudade

.

Um grito agudo, um movimento

Anunciando o momento

Da negra barca aportar

Ruídos de remos n’água

O morto esquece a mágoa

Levanta a mala no ar

Noite escura

O vento sopra a amargura

Que existe além do horizonte

Chega a Barca de Caronte

Chamando o morto ao pó

Depois de tanta escuridão, o lado B abre solar, com mais um tema de Quico: Haragana, vaneira gaúcha em letra e música. Talvez a mais programática emulação de folclore gaúcho composta por um almôndega, onde uma harmônica (gaita de boca) faz as vezes da cordeona (acordeom).

Quico:

O tema da música ocorreu quando terminava de ler Contos gauchescos e Lendas do sul, de João Simões Lopes Neto (meu conterrâneo pelotense). Ao final do livro havia um glossário onde encontrei o termo haragano significando arisco, fugidio, que não se deixa pegar. Aí fiquei imaginando um vivente à procura do amor que fora embora. Com a ajuda do glossário do Sr. J.S. Lopes Neto, música e letra saíram de um arranco só.

Aquela época estávamos selecionando as músicas para o segundo LP. Quando mostrei a música aos meus colegas de banda, lembro-me do Kledir ter dito: “Tá aí um sucesso” (ou algo semelhante), mas eu achava a música muito despretensiosa para tanto.

“Haragana” foi gravada por muitos artistas (inclusive pela dupla Kleiton & Kledir), mas estourou nacionalmente com Fafá de Belém, o que me rendeu – em direitos autorais – boa parte de meu primeiro automóvel: uma flamante Brasília 78 com dupla carburação.

Aliás, há um vídeo muito interessante de Fafá cantando Haragana. É engraçado porque ela passa todo o tempo atrás de uma moita, sei lá por que motivo.

Haragana

(Quico Castro Neves)

Meu cigarro de palha joguei, com meu laço,

No fundo do poço

Prometi a São Pedro não jogar a sorte

No jogo do osso

Me desfiz do lombilho, vendi o tordilho

‘Inda meio bagual

Pra buscar a morena

Que tinha ido embora pra Capital
.

Ah, morena, moreninha

Morena má, haragana

Volta comigo, morena

Deixa essa vida cigana

Ah, morena, moreninha

Morena má, haragana

Volta comigo, morena

Deixa essa vida cigana
.

Bem dizia o compadre: 

“A felicidade

É que nem passarinho

Mal reponta a invernada ela foge apressada

E abandona o ninho”

Pra matar a saudade que entrou no meu peito

E me pealou

Fui buscar a morena que jurou voltar

E ainda não voltou

Mudando completamente o rumo, entra a segunda canção almondegueana que fala do elevador do Instituto de Artes da UFRGS onde Kleiton e Kledir seguiam cursando Composição e Regência. 

É um retrato do ambiente pelo qual circulavam os “cinco rapazes gaúchos, estudantes…”, em mais uma “milonga caribenha”. Que, por sua vez, também tem um certo pós-caetanismo em letra e melodia:

Elevador

(Kledir Ramil)

Esse elevador não vai

Além do sétimo, e eu canto pra me consolar

Esse elevador não vai 

Além de cores duvidosas e pouco reais

Esse elevador não vai 

Além de números impressos brancos nos botões

Eu não,

Nesse elevador não ponho o pé, eu não

.

Esse elevador não vai

Além de plásticos artistas super-siderais

Esse elevador não vai

Além de místicos dramáticos e teatrais

Esse elevador não vai

Além de músicos neuróticos sensacionais

Eu não

Nesse elevador não ponho o pé, eu não

A terceira do Lado B, Vida e Morte, é a outra canção de Kleiton no disco, igualmente cantada por ele. Na sulista pulsação do 6/8, ainda que não explicitamente gaúcha nem na letra nem na música. Comprovando a sofisticação musical do seu autor, a melodia da segunda parte se espraia feito serpentina, fugindo de encadeamentos melódicos óbvios, em constante tensão.

Vida e Morte

(Kleiton Ramil)

Mostra a garra

Que eu mostro na tua porta

O leite derramado, tua morte

Mostra o porre

Que eu jogo tua torre,

Teu teto desarmado, tua sorte

No chão

O mistério do cercado,

O desgosto do pecado,

O diabo despregado 

Do teu santo, teu espanto

Prisão, prisão, prisão

Prisão, prisão, prisão

Olha o dia

Mais dia, menos dia

O gesto limpo e nobre sujaria

Olha a testa

Mais ruga, menos ruga

A fronte lisa e branca marcaria

De chão

O mistério do cercado

O castelo derrubado

Sonhos ousados, oscilantes, extraviados

Hosana, hosana

Hosana, hosana

Perdão, perdão, perdão

Perdão, perdão, perdão

A ela se segue – com um arranjo vocal bastante dissonante – a milonga urbana e política Em Meio aos Campos, de Fernando Ribeiro e Arnaldo Sisson. Dupla conhecidíssima na Porto Alegre de então, mas ainda inédita em disco. 

Em Meio Aos Campos

(Fernando Ribeiro / Arnaldo Sisson)

Em meio aos campos tudo parece estar bem

Inocente a gente tenta estancar o sangue

Um vento frio nos corta a garganta, nos lembra o deserto

E mostra, atrás da porta, a ferida aberta,

Sangrando

Você não sabe, a vida em nosso tempo

É um incrível pesadelo

Você não sabe, mas tentando sorrir

Esquece que a esperança é uma asa negra

Em nosso ombro

Em meio à tempestade, quando chove

Você vira o rosto

E vai ser assim até que a aurora

Desperte banhada em seu pranto

E vai ser assim até que a aurora

Desperte banhada em seu pranto

E aí, no mesmo andamento, igualmente milonga (essa explícita em sua gauchidad) e igualmente composta por alguém de fora da turma, vêm Gaudêncio Sete Luas – que dois anos antes havia vencido a terceira edição da Califórnia da Canção, o cenário por excelência do novo tradicionalismo gaúcho. É uma das grandes interpretações de Quico como solista.

Gaudêncio Sete Luas

(Marco Aurélio Vasconcelos / Luiz Coronel)

A lua é um tiro ao alvo
E as estrelas bala e bala
Vem minuano e eu me salvo
No aconchego do meu pala

.

Se troveja a gritaria
Já relampeia minha adaga
Quem não mostra valentia
Já na peleia se apaga

.

Marquei a paleta da noite
Com o sol que é ferro em brasa
E o dia veio mugindo
Pra se banhar em água rasa

.

Pra me aquecer mate quente
Pra me esfriar geada fria
Não vai ficar pra semente
Quem nasceu pra ventania

Pra fechar, um pot-pourri de temas regionalistas, de autores conhecidos ou não, que não causaria estranheza num LP do Conjunto Farroupilha – e, como no caso dos farroupilhas, a suavidade da interpretação mostra possibilidades pouco exploradas na música local de acento regional.

Velha Gaita / Felicidade / Pezinho / Prenda Minha

(Popular/ Lupicínio Rodrigues/ Popular/ Popular)

Velha gaita ressongona, velha gaita

Velha gaita de galpão

Quando estira o fole todo, velha gaita

Estremece meu coração

.

Quando vem surgindo a aurora

E meu pingo vou pegar

Assobio velha toada

Que não canso de lembrar

.

Quando vem caindo a noite

Como um poncho a se estender

Dou de mão na velha gaita

E a faço assim gemer

.

Felicidade foi-se embora

E a saudade no meu peito ‘inda mora

E é por isso que eu gosto lá de fora

Porque eu sei que a falsidade não vigora

.

Oi bota aqui, oi bota ali o seu pezinho

O seu pezinho bem juntinho com o meu

Oi bota aqui, oi bota ali o seu pezinho

O seu pezinho bem juntinho com o meu

E depois não vá dizer que você já me esqueceu

E depois não vá dizer que você já me esqueceu

.

Vou-me embora, vou-me embora, prenda minha

Tenho muito o que fazer

Vou-me embora, vou-me embora, prenda minha

Tenho muito o que fazer

Tenho de parar rodeio, prenda minha

No campo do bem-querer

Tenho de parar rodeio, prenda minha

No campo do bem-querer

Arthur de Faria nasceu no ano que não terminou, é compositor de profissão (20 álbuns e EPs) e doutor em Lupicínio pelas Letras da Ufrgs. Publicou Elis, uma biografia musical (arquipélago, 2015) e tá no prelo Porto Alegre, uma biografia musical, Volume 1, reunindo as primeiras colunas publicadas aqui.

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