“Entre”: Marcelo Armesto dialoga com Italo Calvino na Biblioteca Pública do RS
Se um visitante numa manhã ou tarde de primavera percorrer as salas da Biblioteca Pública do RS, a experiência no espaço permitirá conhecer as reflexões sobre artes visuais e literatura do artista Marcelo Armesto. A exposição Entre – Inventários de uma Poética será inaugurada hoje (4/11), às 18h30, e segue em cartaz até 4 de dezembro.
Com um título que remete a intervalos, ao mesmo tempo que convida o espectador-leitor a se deixar levar pela exposição, Entre reúne seis trabalhos que reinterpretam – de forma mais ou menos direta – elementos narrativos e gráficos do livro Se um Viajante numa Noite de Inverno, publicado em 1979 pelo escritor italiano Italo Calvino (1923-1985).
“O romance é feito de começos de romances. Nele, a interrupção é o que une a obra e, como numa narrativa romanesca, o corte é o que lança o interesse para o próximo episódio”, explica Armesto. Os saltos e recomeços presentes no conjunto dos trabalhos ganham evidência no vídeo Capitular, gravado na Biblioteca Pública, que mostra o artista lendo em voz alta dez trechos da obra de Calvino, conectados por palavras que se repetem, oferecendo uma nova costura narrativa.
Na mesma sala do vídeo, dispostos sobre arquivos catalográficos da Biblioteca Pública, cadernos de aquarelas da série Vago revelam cores de paisagens inventariadas pelo artista com as devidas coordenadas geográficas, data e hora de execução das pinturas. “O trabalho remete a pontos específicos no tempo e no espaço, e o mobiliário reúne fichas com a localização dos livros dentro da biblioteca”, destaca Armesto, ressaltando um dos diálogos da exposição com o prédio da Biblioteca Pública, instalada desde 1912 na Praça da Matriz.
“Os trabalhos de Entre envolvem uma relação com a mesa, com a escala do livro, com o arquivo, e são pensados como objetos para a fruição horizontal – com a de uma grande tábua de imagens – mais do que para a observação distante e vertical na parede. A biblioteca, portanto, torna-se o local ideal para este diálogo entre trabalho e público”, completa o artista.
A série Preciso #2, exibida sobre mesas da sala de leitura, apresenta outro inventário: um conjunto de desenhos de folhas de ligustro, mesclando inúmeras possibilidades de representação.
No segundo andar, o espectador pode se dedicar à leitura do livro de artista Desmontagem, que reúne diferentes apropriações de Se um Viajante… – por exemplo, uma lista de palavras que aparecem uma única vez no romance, entre outros elementos textuais coletados e organizados a partir da análise de corpus, procedimento utilizado em pesquisas linguísticas, com auxílio de computadores.
No mesmo piso, recortes e recriações dos desenhos de observação de conchas compõem a série Monte. O espectador também encontra no segundo andar a montagem de fragmentos de Pretexto #2, que traz detalhes de fontes tipográficas de diferentes edições de Se um Viajante…
Os traços são meticulosamente desenhados com a ponta quente de um pirógrafo sobre papel termossensível – antigamente utilizado em máquinas de fax –, em um jogo de escala que aproxima o espectador da materialidade do texto e da letra como unidade mínima da narrativa. “Me interesso pela ideia de um texto latente, fazendo o espectador refletir sobre a possibilidade ou não de decodificá-lo”, comenta Armesto.
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