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“Barbie” cai na real

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“Barbie” cai na real Warner/Divulgação

Usar o cinema para vender produtos não é nenhuma novidade. Essa velha prática, no entanto, vem se atualizando com filmes que não tentam mais disfarçar as marcas por trás da produção – ao contrário, fazem questão de explicitar essa origem mercadológica –, ao mesmo tempo em que almejam o respeito como obras cinematográficas. É o caso de Barbie (2023), versão em carne e osso da boneca de plástico mais famosa do mundo protagonizada pela atriz Margot Robbie.

Orçado em cerca de US$ 100 milhões, o longa entra em cartaz nos cinemas precedido de uma massiva campanha publicitária global, pintando de cor-de-rosa os shoppings, a mídia e a internet – experimente digitar a palavra “Barbie” (ou “Margot Robbie”, “Ryan Gosling” e “Greta Gerwig”) nesta quinta-feira (20/7) no Google: a tela do seu computador vai ficar rosada e com estrelas pipocando. Para garantir que Barbie, o filme, não fosse apenas um grande comercial do principal produto da Mattel, a produção escalou o casal mais queridinho do cinema independente norte-americano: a diretora e roteirista Greta Gerwig e o roteirista Noah Baumbach.

O roteiro escrito pela dupla é uma comédia feminista que, para além da enxurrada de referências ao universo dos brinquedos da linha Barbie, pretende questionar a simbologia e os estereótipos ligados à popular boneca que completa 64 anos em 2023. Na história desse live-action em tom de fábula, a Barbielândia é um mundo mágico onde todas as versões da Barbie vivem em completa harmonia e suas únicas preocupações são encontrar as melhores roupas para passear com as amigas e curtir intermináveis festas.

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Além de representarem as mais diversas identidades – há bonecas étnicas, gordas, negras, cadeirantes –, as Barbies também representam uma variada gama de possibilidades de atuação feminina: de presidenta a dona de casa, passando por executiva e Nobel de Literatura. Já aos Kens, os namorados das Barbies, só cabe a função de acompanharem as bonecas perfeitas nos folguedos na praia.

Esse universo edulcorado, que supostamente reproduz o empoderamento feminino, sobre uma fissura quando a Barbie Estereotipada (Margot Robbie) começa a perceber que talvez sua vida não seja tão perfeita assim, questionando-se sobre o sentido da existência e alarmando as companheiras com perguntas sobre a morte. Angustiada por dúvidas, a boneca cobiçada decide visitar o Mundo Real a fim de buscar respostas, seguida por seu fiel e amado Ken (Ryan Gosling) – que parece cada vez mais fascinado pelo novo mundo, onde quem domina é o homem e a mulher é colocada geralmente em uma posição subalterna. Enquanto Ken desbunda com o patriarcado, Barbie tem dificuldades para se ajustar e precisa enfrentar vários momentos nada coloridos.

Mantendo o tom de comédia de fantasia, Barbie tem o mérito artístico – e espertamente comercial também – de incorporar a auto-ironia e a autocrítica: o filme exalta as características emancipadoras da boneca, pioneira em reproduzir a figura de uma mulher adulta e não de um bebê, mas também ressalta o quanto o brinquedo contribuiu para endossar um padrão estético feminino inalcançável e excludente. A autoderrisão inclui a presença no filme de itens da linha Barbie que foram descontinuados por conta de seu pouco sucesso comercial – como os bonecos Allan, o melhor de Ken, e Midge, a melhor amiga da Barbie – e apresentar o personagem do CEO da Mattel, encarnado pelo ator Will Ferrell, como o vilão da história.

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As melhores sequências de Barbie são os números musicais, em que a direção de arte e a palheta de cores lembram os clássicos franceses Os Guarda-Chuvas do Amor (1964) e Duas Garotas Românticas (1967), ambos de Jacques Demy – os figurinos e penteados de Margot Robbie, aliás, lembram a atriz Catherine Deneuve nesses dois musicais.

Diretora de Lady Bird: A Hora de Voar (2017) e Adoráveis Mulheres (2019), a realizadora e atriz Greta Gerwig equilibra em Barbie entretenimento, celebração, crítica de costumes, humor e um inusitado questionamento existencialista, elevando o filme para além do mero clipe publicitário – ou, pelo menos, disfarçando com inteligência e graça sua razão de ser mais genuína.

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Barbie: * * *

COTAÇÕES

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Assista ao trailer de Barbie:

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