Luedji Luna ecoa a voz das mulheres negras
Um dos mais importantes eventos culturais do Estado, a FestiPoa Literária dá a largada de sua 13ª edição nesta quinta-feira (13/5). Por conta da pandemia, o evento será realizado virtualmente neste ano, com cinco dias de programação de literatura, poesia e debates. A transmissão será ao vivo pelo canal do YouTube e redes sociais do evento, com acesso gratuito.
Além dos escritores homenageados Ana Maria Gonçalves e Sérgio Vaz, o festival contará com a participação de cerca de 50 convidados de todo o país. Autores e artistas como Jeferson Tenório, Antônio Pitanga, Itamar Vieira Júnior, Teresa Cristina, Criolo, Letrux, Ricardo Aleixo, Angélica Freitas e Paulo Lins estarão em bate-papos, saraus e oficinas.
Um dos destaques da programação será a mesa que vai reunir neste domingo (16/5), a partir das 17h, Conceição Evaristo e Luedji Luna. Batizado de Escrevivendo um corpo no mundo, o encontro terá mediação da mestra em relações étnico-raciais, atriz, diretora teatral e performer Ludmilla Lis.
Mestre em literatura brasileira pela PUC/Rio e doutora em literatura comparada pela UFF, Conceição Evaristo é ficcionista e ensaísta. Tem sete livros publicados, entre eles Olhos d’Água (2015), vencedor do Prêmio Jabuti, sendo que cinco deles traduzidos para o inglês, o francês, espanhol e árabe. A autora foi homenageada ainda pelo Prêmio Jabuti em 2019 como personalidade literária.
Cantora e compositora baiana, Luedji Luna tem dois discos e um EP lançados e contemplados em premiações como o Prêmio Afro (2017) e Prêmio Bravo, na categoria Revelação (2018), e WME Awards (2020). Integra os projetos Acorda Amor, junto a Liniker, Letrux, Maria Gadú e Xênia França, e Aya Bass, com Xênia e Larissa Luz.
A artista é também cofundadora da Palavra Preta – Mostra Nacional de Negras Autoras, que reúne compositoras e poetas pretas de todo o Brasil, e foi integrante do Bando Cumatê, coletivo engajado na pesquisa, difusão e fomento das manifestações artísticas tradicionais da cultura brasileira.
No ano passado, Luedji lançou Bom Mesmo É Estar Debaixo d’Água, um dos melhores discos brasileiros de 2020, que contou com a participação de diversas artistas negras. Entre as convidadas está Conceição Evaristo, que diz um poema seu em meio à faixa Ain’t Got No – canção do musical Hair que se tornou um hino de resistência negra na interpretação da cantora, compositora e pianista norte-americana Nina Simone. Chamado A noite não adormece nos olhos das mulheres, o comovente poema citado na gravação foi escrito por Conceição em memória da amiga Beatriz Nascimento (1942 – 1995), historiadora, professora, roteirista, poeta e ativista pelos direitos da população negra.
Neste 13 de maio, data em que marca oficialmente o contestado Dia da Abolição da Escravatura, publicamos uma entrevista exclusiva com Luedji Luna, que comenta a parceria com Conceição Evaristo, revela o como tem enfrentado a pandemia e o que tem escutado nestes tempos, além de avaliar a presença da cultura preta no país atualmente: “Nós somos o fundamento, essa visibilidade veio tarde! Acho que esse é um movimento de disputa, de narrativa, de território, de imaginário. Ainda precisamos disputar o que é nosso: o Brasil”.
Estamos há mais de um ano convivendo com a pandemia. Como essa situação excepcional tem afetado você do ponto de vista existencial e criativo?
Acredito que essa experiência tenha afetado a grande maioria negativamente. Tenho vivido um dia de cada vez, focado no cotidiano, no que tenho pra fazer no dia, estar no presente tem sido o maior aprendizado. Não há perspectiva, só o presente!
Como surgiu a ideia de convidar Conceição Evaristo e o que significou para você a participação dela na canção Ain’t Got No em seu disco Bom Mesmo É Estar Debaixo d’Água?
Dona Conceição ocupa o lugar dessa voz que veio de antes. Eu queria outros olhares e outras vozes femininas nesse disco. Conceição representa o que veio antes, quem abriu os caminhos pra literatura negra, que é um outro jeito de dizer, de falar, de gritar, de cantar até, escrever é só mais um jeito de dizer. O poema dela chega numa canção da Nina Simone, que também ocupa esse mesmo lugar: passos que vieram de longe, de antes.
A arte criada por negras e negros no Brasil vem ganhando cada vez mais visibilidade e reverberação social, a despeito da hostilidade dos setores racistas e elitistas. Como você avalia a presença da cultura preta no país atualmente, em particular na música e na literatura?
Nós somos o fundamento, essa visibilidade veio tarde! Acho que esse é um movimento de disputa, de narrativa, de território, de imaginário. Ainda precisamos disputar o que é nosso: o Brasil.
Em uma sociedade dominada pela branquitude e atravessada pela discriminação, o corpo negro marca presença. Que tipo de repressão e ruptura uma mulher negra sofre e protagoniza neste país?
Não caberia numa resposta, a repressão sobre nossos corpos se dá em tanto níveis que não cabe numa resposta, e nem precisaria, está dado, e tudo exposto há mais de 400 anos! Sobre as rupturas, acredito que estarmos vivos, a despeito do grande projeto de extermínio de um povo, estar viva é romper com esse projeto.
Acabamos de assistir na favela carioca do Jacarezinho a mais uma revoltante chacina perpetrada por instituições do poder oficial contra brasileiros pobres e marginalizados. Diante de um panorama conjuntural e estrutural particularmente perverso com relação à população afrodescendente, como você enxerga o Brasil de hoje e dos próximos anos?
História Antiga em 2019, canção do Zé Manoel, responde bem essa pergunta. Estar no Brasil é a pior desgraça que pode acontecer a um corpo negro hoje. Sobre o futuro, permaneceremos vivos e aqui.
Quais os nomes da música de hoje têm chamado a sua atenção?
Zé Manoel, Tiganá Santana, Zudizilla.
Você está criando atualmente? O quê?
Sim. Meu filho Dayo.