Artes Visuais | Reportagens

Museu do Carvão reabre com exposição “Lá Embaixo Era um Outro Mundo”

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Museu do Carvão reabre com exposição “Lá Embaixo Era um Outro Mundo” Isabel Ramil, Taís Cardoso e Marco Antonio Filho. Foto: Anna Ortega

Após restauração promovida pelo governo estadual, o Museu do Carvão, em Arroio dos Ratos, exibe sua primeira mostra, Lá Embaixo Era um Outro Mundo. Com obras dos artistas Isabel Ramil e Marco Antonio Filho e curadoria de Taís Cardoso, a exposição propõe reflexões sobre a exploração de combustíveis fósseis e vidas que, de modos variados, estão vinculadas à Região Carbonífera do estado – incluindo mineiros entoando suas agruras, a família imperial em visita a uma mina e corujas que deixam rastros de suas presas no entorno de uma termoelétrica.

Inaugurada em 13 de abril, a mostra nasce de uma residência artística que reuniu Taís, Isabel e Marco Antonio nos arquivos do Museu do Carvão em janeiro de 2023. A exposição conta ainda com uma participação especial da artista Maria Helena Bernardes, com imagens e histórias da intervenção Vaga em Campo de Rejeito, realizada por ela entre 2001 e 2002 em Arroio dos Ratos.

“Ao mesmo tempo em que o carvão foi motor da Revolução Industrial, hoje ele é debatido no contexto da crise climática, pois agora sabemos que a queima desse combustível emite dióxido de carbono, agravando o efeito estufa. É um momento interessante para pensar sobre o carvão e realizar esse projeto”, conta a curadora da mostra, que nasceu em Charqueadas – também situada na Região Carbonífera – e tomou conhecimento do acervo do Museu do Carvão em conversas com a historiadora Clarice Speranza, autora do livro Cavando Direitos: As Leis Trabalhistas e os Conflitos entre Mineiros de Carvão e Seus Patrões no Rio Grande do Sul.

“Pensamos na cidade inteira como um arquivo, fabulando a partir do acervo do museu. A mineração está entranhada no dia a dia, na identidade e na memória das pessoas de Arroio dos Ratos. Há uma nostalgia em relação à possibilidade de progresso dos tempos da mineração no subsolo – apesar de suas condições insalubres e perigosas –, que movimentou a cidade com um grande volume de mineiros. Hoje, a mineração é a céu aberto e envolve menos trabalhadores”, diz Taís, que é curadora, pesquisadora e produtora de exposições de artes visuais – como a mostra Transe, da 13ª Bienal do Mercosul.

Foto: Anna Ortega

Um dos trabalhos apresentados por Marco Antonio Filho, Esta É a Vida do Mineiro é composto por dois vídeos que narram as trocas do artista e da musicista Gabriela Lery com um grupo de quatro mineiros convidados a ensaiar o canto de duas músicas que têm os trabalhadores da mineração de carvão como tema.

“É uma tentativa de montar um coral de mineiros aposentados para gravar duas músicas que falam sobre as condições dos mineiros de subsolo – prática que já não existe na região, mas que segue em outros lugares. O projeto nasce de uma música folclórica do norte da Espanha, conhecida por vários nomes, incluindo Santa Bárbara Bendita, que já foi adaptada em diferentes contextos, sempre contando a mesma história”, explica Marco Antonio. A outra canção ensaiada pelo quarteto é A Vida do Mineiro, composta pelo taquariense Alvino Cabral (1930 – 2010) e lançada em 1982 pelo grupo Os Pioneiros, de Charqueadas.

Foto: Anna Ortega

Em Sem Nome, Isabel Ramil reúne pequenos ossos encontrados no entorno da antiga termoelétrica da região. “O impressionante frontão em ruínas, imponente, nos chama a olhar para cima. Observei, entretanto, uma quantidade enorme de filetinhos brancos espalhados pelo chão. Aquelas pequenices me intrigaram. Eram ossinhos de ratos, pássaros, talvez também de peixes. Qual seria o denominador comum dessas ossadas? Enquanto coletava, entendi: as corujas que habitam o topo do frontão regurgitam bolotas de pelos e ossos”, conta a artista.

Em Moinho Satânico, montado na chaminé da antiga usina, Isabel reúne bilhetes com uma frase do antropólogo Eduardo Viveiros de Castro – publicada na introdução do livro A Queda do Céu, de Bruce Albert e Davi Kopenawa –, pó de carvão e uma foto de uma visita da Princesa Isabel acompanhada por integrantes da família imperial, em 1885, ao primeiro poço de extração de carvão da região. “Eles figuram sobre uma construção que tem uma enorme roda, como um moinho. Chegando perto da imagem, vê-se que nenhum dos distintos personagens de nossa história colonial tem rosto. São borrões macabros no topo do pódio da mineração. Centenas de metros abaixo do solo, indistintos sujeitos, custo sacrificial do mundo do progresso”, descreve a artista.

Foto: Anna Ortega

Inaugurado em 1986, o Museu do Carvão conta com um importante acervo da história da mineração carbonífera no RS que inclui ferramentas, objetos, fotografias, livros, mapas e documentos, além das ruínas do Poço 1, de 1908. No prédio das exposições, funcionou a primeira termoelétrica do Brasil, que operou de 1924 a 1956.

Edificações, usina, auditório e uma antiga casa de vigilância passaram por um processo de restauração de mais de R$ 2,9 milhões, através do projeto Avançar na Cultura, do governo estadual. Atualmente, além da exposição Lá Embaixo Era um Outro Mundo – viabilizada com recursos estaduais do Fundo de Apoio à Cultura (FAC) –, o museu apresenta parte do acervo da instituição.

“Com a entrega das obras, que será realizada em breve, a instituição volta a ser um centro de referência em cultura, educação e turismo para o estado e, principalmente, para a Região Carbonífera. E todo esse movimento de obras e exposições já demonstra o que estamos planejando para os próximos anos”, destaca Jordana Bortolotti, diretora do Museu do Carvão.

Exposição “Lá Embaixo Era um Outro Mundo”
Onde: Museu do Carvão (rua Profª Silvana Narvaez, 61 – Arroio dos Ratos/RS)
Visitação: até 7 de julho, de segunda a sexta-feira, das 8h30 às 18h30
Agendamento de visitas de escolas e universidades pelo e-mail [email protected]

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