Literatura | Reportagens

A intimidade caleidoscópica de Luiza Casanova

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A intimidade caleidoscópica de Luiza Casanova Luiza Casanova. Foto: Lara Niederauer

Lançado em dezembro, o livro É Curioso que Chamem Isso de Intimidade (7Letras), de Luiza Casanova, oferece uma coleção de imagens poéticas mobilizadas por encontros. Ao longo de mais de 120 páginas, a autora apresenta fragmentos que conferem espessura ao enigma sondado pelo título.

“Isso não é uma carta de amor. Isso é a ficha catalográfica das vezes que alguém foi feliz ou infeliz”, pontua o segundo poema da obra, que também afirma, com um tanto de humor: “Isso é o formato engenhoso da quantidade de impaciência que dá pra guardar dentro da tranquilidade”. Outra frase do mesmo poema pode ser lida como síntese do sem-número de imagens narradas por Casanova: “Isso é uma antologia completa sobre o momento exato em que você olha para alguém e descobre um segredo”.

Na conversa por telefone sobre a obra, Casanova conta que enxerga a intimidade como sendo “sempre um mistério, uma sequência de imagens que vão se sobrepondo” e que buscou inventariar essas percepções. Essa qualidade misteriosa é um dos pontos destacados pela escritora Carol Bensimon na orelha do livro: “Luiza Casanova nos arrebata porque deixa o mistério onde o mistério deve permanecer”.

Corroborando a relação entre poesia e fotografia quando entendidas como registros do cotidiano, Casanova explica que, tão logo via uma cena, escrevia no celular a partir de sua observação, com edições posteriores mínimas, mantendo no livro o frescor de suas imagens palpáveis. “Sou a maior fã do João Cabral de Melo Neto e dos substantivos concretos”, afirma a autora, que vive em Santa Maria, onde é professora de literatura.

É Curioso… elogia encontros que nos fazem vibrar em outras frequências, inaugurando possibilidades. Por vezes, remete ao estado de espírito descrito na crônica Pequenas Epifanias, de Caio Fernando Abreu – “Por trás do que acontecia, eu redescobria magias sem susto algum. E de repente me sentia protegido, você sabe como: a vida toda, esses pedacinhos desconexos se armavam de outro jeito, fazendo sentido”, escreveu Caio F.

Nesse processo de criações e descobertas, Casanova explora a geografia dos corpos e se desloca para mirar outras perspectivas, colocando instantes corriqueiros e monumentais lado a lado. Em alguma medida, a autora sugere que tudo deve ser observado com atenção, seja a interlocutora comendo um farroupilha de peito de peru com requeijão na rua Vasco da Gama, as linhas de Nazca, no Peru, ou um traslado de múmias na cidade do Cairo.

“Desde o Paleolítico, a gente tem essa vontade absurda de registrar a existência de alguma forma. Tentei fazer uma celebração de imagens que passaram muito rápido”, reflete a escritora. “Minha cabeça funciona a milhão. Essa poesia com um monte de imagens empilhadas foi o único jeito de fazer o meu pensamento acompanhar a minha escrita. Se vejo algo que me interessa na rua, eu paro e me dedico a olhar. Se tem alguém andando comigo, digo pra dar uma esperadinha.”

Os poemas de É Curioso… foram escritos a partir de agosto de 2022, ano do lançamento de Talvez Nós Dois Tenhamos Pensado na Mesma Pessoa (7Letras), obra a quatro mãos de Casanova e Davi Koteck – relembre a entrevista. O livro mais recente é “um exercício criativo em cima de imagens, atravessado pelo contato com outras pessoas”, nas palavras da autora. “O outro dá uma imagem, e escrever sobre isso é caleidoscópico”.

É curioso que chamem isso de intimidade
Quando você larga frases soltas
Numa janela de whatsapp
Pra me dizer que chorou essa semana
E eu respondi que isso é bom
Ou que encaixotou livros a tarde toda
E junto com eles deve ter jogado fora o peso de alguns tijolos maciços
É inusitado que você faça festa com as dores do passado
E lance confetes aos que não sabem sequer
Pelo que tu passou
É incomum que dancemos ao teu redor como se fôssemos parte
Da tua alegria
É surpreendente que tu peça socorro
Com a mesma calma que pede
Sem falar
Pra caminhar lento
Porque a pressa não é uma pessoa legal
É engraçado que a tua calça jeans tenha ficado mais bonita
E tu tenha voltado a usar
Dez anos depois
É muito engraçado que não noticiem no jornal
Aquele dia que você tropeçou
E caiu na cama de um quarto inédito até então
E usou um travesseiro
Ou meu corpo
como bote salva-vidas.

(É curioso que chamam isso de intimidade, p. 22)

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