Literatura | Reportagens

Três ou mais perguntas para Antonio Carlos Secchin

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Três ou mais perguntas para Antonio Carlos Secchin Antonio Carlos Secchin. Foto: Fernando Rabelo/Divulgação

Poeta, ensaísta, crítico literário e imortal da Academia Brasileira de Letras, Antonio Carlos Secchin é uma sumidade em João Cabral de Melo Neto (1920 – 1999). O intelectual carioca é autor de João Cabral: A Poesia do Menos, vencedor dos prêmios do Instituto Nacional do Livro e o Sílvio Romero (ABL), e o definitivo João Cabral de Melo Neto: Uma Fala só Lâmina (2014), reunião de seus ensaios escolhidos sobre o poeta pernambucano. O mestre – também acadêmico, cujo centenário completa-se nesta quinta-feira (9/1) – reconheceu a dedicação e seriedade do trabalho do estudioso uma entrevista de 1991: “Entre todos os professores, pesquisadores e críticos que já se debruçaram sobre minha obra, destaco Antonio Carlos Secchin. Foi quem melhor analisou os desdobramentos daquilo que pude realizar como poeta”.

Quais são as principais contribuições de João Cabral de Melo Neto para a poesia brasileira?

Introduziu procedimentos em geral considerados incompatíveis com a poesia: racionalidade, frieza, distanciamento crítico frente ao que descreve. Desconfiou de “essências” e de “profundidades”, enfatizando, ao contrário, o que é visível, palpável, linear. Dialogou com formas tão arcaicas da poesia que, por estarem esquecidas, tornaram-se surpreendentemente modernas.

A popularidade de Morte e Vida Severina eclipsou de alguma maneira o restante da obra do poeta?

Para o grande público, certamente. Mas é uma bênção que, ainda assim, o grande público possa ter tido contato com obra tão extraordinária. Penso que, intencionalmente, Cabral desvalorizava Morte e Vida na esperança, algo frustrada, de que os leitores se interessassem pelo restante de sua poesia.

Você conheceu João Cabral pessoalmente. Como ele era no convívio? Ele correspondia de alguma maneira ao personagem idiossincrático atribuído a ele, que não gostava de música e fechava as cortinas para não ver a “feia” paisagem da Baía de Guanabara, por exemplo?

Para ele a paisagem bela estava ligada à aridez, à secura, não à exuberância. A beleza e a luminosidade do Rio nunca o interessaram, nunca o levaram ao poema. Convivi com o poeta, com grandes intervalos (pois trabalhava no exterior) a partir do início da década de 1980. Quando o procurava, era invariavelmente bem acolhido. Ele parecia sentir-se bem comigo por eu me interessar tanto pelos aspectos técnicos de sua produção, e inversamente pouco me aprofundar em questões de cunho pessoal, íntimo. Mas é inegável que seus anos finais, mergulhando-o progressivamente na cegueira, o conduziram a um clima depressivo.

Depois de 40 anos estudando João Cabral, o que ainda lhe causa surpresa na obra do autor?

Costumo dizer que, após estudá-lo desde 1977, talvez seja um dos poucos brasileiros que podem de solicitar ao INSS uma aposentadoria em João Cabral. Tanto que, ao lançar em 2014 as quase 500 páginas de Uma Fala Só Lâmina, comuniquei aos amigos o lançamento seria minha festa de “despedida de casado” com a obra dele. Mas não teve jeito: agora com o centenário, depois de discutir a relação, houve a retomada. Reelaborei alguns textos, escrevi ensaio inédito, e o resultado dessa (re)leitura será João Cabral de Ponta a Ponta, que a CEPE (Recife) lança no começo de 2020.

A poesia de João Cabral deixou herdeiros literários?

Já escrevi que um grande autor não deixa herdeiros, e sim imitadores, por já ter levado ele próprio, ao extremo, os caminhos daquilo a que se propôs. O pior é que a produção dos diluidores inflete sobra a obra do artista, que passa a ser “penalizado” pela leitura que dele fizeram os que só conseguiram imitar suas exterioridades mais óbvias.

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