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Dona Conceição celebra o afeto e Oxóssi no clipe “Pássaro Azul”

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Dona Conceição celebra o afeto e Oxóssi no clipe “Pássaro Azul” Reprodução: Clipe de Pássaro Azul

Com uma trajetória que inclui trabalhos como educador, ator, performer, realizador audiovisual, roteirista, percussionista e compositor, o músico Dona Conceição lançou hoje (20/1) o clipe de Pássaro Azul, faixa que integra seu primeiro álbum, Asè de Fala (2018).

Gravado na Lomba do Pinheiro, em Porto Alegre, e no quilombo Morada da Paz, em Triunfo (RS), o vídeo lança um olhar para a ancestralidade, religiosidade e musicalidade do artista, com destaque para o protagonismo da tia de Conceição, Lia Mara, referência musical desde a infância dele em Alvorada (RS): “Minha tia não é musicista profissional. É uma mulher do axé que sempre ouvi nos batuques e que moldou o imaginário do Asè de Fala”.

A data de lançamento do clipe não é à toa: 20 de janeiro é dia de Oxóssi, orixá celebrado em Pássaro Azul. “Oxóssi é um caçador que tem respeito pela caça e muito cuidado em relação à família e à comunidade. A relação desse orixá com os seus, ao mesmo tempo que vive certa solidão, representa muito para mim”, explica o músico.

As homenagens de Conceição à tia e a Oxóssi têm o afeto como elemento central. “Falar que a gente precisa de afeto e cuidado pode soar meio batido, mas é tão brutal o que acontece conosco, negras e negros no Brasil, que tocar nesse assunto se torna uma pauta extremamente séria e urgente”, reflete Conceição. “Vivemos num cotidiano de luta e dureza. Quando surge a oportunidade de termos oxigênio para nos sentirmos amparado e respeitados, a gente evolui também”, completa.

Dona Conceição no clipe “Pássaro Azul”

Aos 32 anos, Dona Conceição – nome artístico que John Conceição escolheu para homenagear sua mãe, Dona Vera Regina, e o pai, Carlos Conceição – considera o terreiro de batuque seu berço sonoro. A relação com a música se aprofundou quando ele ingressou, aos 10 anos, no projeto Ouvir a Vida, desenvolvido pela Orquestra Sinfônica de Porto Alegre em parceria com o governo do RS e a prefeitura de Alvorada.

Cerca de quatro anos mais tarde, a iniciativa foi descontinuada, mas deixou um legado. A partir das experiências no Ouvir a Vida, Conceição e dois amigos criaram o projeto Nação Periférica, voltado ao ensino de percussão na periferia de Alvorada entre os anos de 2005 e 2011. “Eram adolescentes dando aula para outros adolescentes. Tinha tudo para dar errado, mas se tornou um dos projetos de educação musical mais conhecidos de Alvorada até hoje. Viajou pelo Brasil e foi apadrinhado pelo AfroReggae no Rio de Janeiro”, recorda Conceição, que coordenou o Nação Periférica dos 14 aos 21 anos.

“Entendi o quanto esses projetos sociais são importantes para que outros meninos e meninas de periferia, como eu, consigam um pleno exercício de cidadania, acreditem nos seus sonhos e tenham condições de realizá-los”, defende o músico e educador.

Ainda envolvido com o Nação Periférica, aos 17 anos Dona Conceição começou a cursar formações de atores com foco no teatro político e popular – entre elas, Ói Nóis Aqui Traveiz, em Porto Alegre, e o Centro de Teatro do Oprimido, no Rio de Janeiro. Na capital fluminense, também atuou como diretor musical do grupo Cor do Brasil e integrou o coletivo de compositores A Cabaça.

“Essas experiências me ensinaram o quanto é importante pensar a arte num contexto mais aberto. Pensar esse lugar de músico e compositor, mas criando imagens e narrativas visuais”, analisa o artista. As experimentações de Conceição o levaram à realização audiovisual. Em 2018, como diretor, roteirista e performer, lançou o curta-metragem A Máquina de Moer Pretos noEncontro de Cinema Negro Zózimo Bulbul – Brasil, África e Caribe, realizado no Rio de Janeiro.

“A performance registra reações das pessoas ao me verem amarrado em um espaço público. Gerou descobertas muito importantes como diretor e roteirista e alguns problemas de saúde metal”, conta o artista, que encenou a performance registrada no curta na Europa, em Berlim e Paris, e no Brasil, no Rio de Janeiro e em São Paulo.

Em 2018, Dona Conceição lançou o álbum Asè de Fala, gravado em Porto Alegre, Rio de Janeiro, São Paulo, Salvador e Amiens (França). A produção, mixagem e masterização ficou a cargo de Wagner Lagemann, do estúdio Na Pedra Redonda. Com nove faixas, o trabalho reuniu 32 participações, incluindo nomes como Dessa Ferreira, Diih Neques Olákùndé, Dionísio Souza (Kiai), Gutcha Ramil, Pâmela Amaro, Paola Kirst e Sirmar Antunes. A faixa Dabudé é uma homenagem de Conceição ao pai, falecido meses antes do lançamento de Asè de Fala.

Em 2020, primeiro ano da pandemia de covid-19, Conceição inscreveu-se no edital Tem Preto no Sul, iniciativa do coletivo Stay Black, de Pelotas (RS), com patrocínio do programa Natura Musical, voltado a artistas negros que atuam no Rio Grande do Sul. O músico foi um dos três contemplados pelo projeto, ao lado de Arlequeen Fenix e 50 Tons de Pretas. O resultado da seleção é o EP Amor e Água, lançado em 2021 com direção musical de João Pedro Cé e também repleto de participações: Bruno Vargas, Estefânia Johnson, Handyer Borba, Luis Ferreira e Lucas Fê.

“Não respeito essa lógica de mercado de como se constitui uma carreira de artista. Estou lançando clipe do primeiro álbum e pensando em outros discos e clipes que não seguem muito uma sequência cronológica. Cada lançamento é um espelho do que estou vivendo”, afirma Conceição, que já está em fase de pré-produção do próximo trabalho musical, que envolve um roteiro de ficção.

O artista planeja novos vídeos a partir do álbum Asè de Fala e do EP Amor e Água. Também deve lançar em 2022 um média-metragem que dá sequência ao projeto audiovisual Figueira Negra, contemplado em 2021 pela Lei Aldir Blanc que conta a história da formação de Alvorada a partir do ponto de vista da população negra da cidade.

Em meio a tantos projetos, uma data já é certa. Em 2 de fevereiro, dia de Iemanjá, às 20h, Dona Conceição celebra um ano de lançamento do EP Amor e Água na Casa de Espetáculos (Rua Visconde do Rio Branco, 691).

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