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Ney Fialkow interpreta prelúdios de Vagner Cunha

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Ney Fialkow interpreta prelúdios de Vagner Cunha Ney Fialkow (esq.) e Vagner Cunha (dir.). Foto: Gilberto Perin

Uma amizade de longa data ganha um novo capítulo em Prelúdios para Piano Livro II, álbum que reúne 12 composições de Vagner Cunha interpretadas por Ney Fialkow. O trabalho resulta de um ano de trocas entre o compositor e o pianista e está disponível desde 23 de maio nas plataformas digitais.

“Sempre tinha alguma questão que impedia a gente de realizar esse projeto”, recorda Vagner, citando alguns desencontros com seu parceiro musical. Ironicamente, a oportunidade se consolidou a partir de uma internação hospitalar de Ney, em fevereiro de 2022, quando o pianista tratava um problema de coluna.

“O Ney me disse: ‘Agora que eu não vou poder mesmo’. Mas eu falei que ia compor peças muito simples para ele se reabilitar, praticamente uma fisioterapia. O álbum foi todo pensado para o Ney”, conta o compositor, que deu o título provisório de Rehab para a primeira partitura de prelúdio enviada ao pianista.

Após a alta, Ney mergulhou nos estudos das composições e o álbum foi ganhando forma ao longo de trocas entre os músicos, que são vizinhos no bairro Bom Fim, em Porto Alegre. “O Ney mora muito perto do lugar onde eu compro cigarros, e o piano dele fica bem próximo da janela que dá pra rua. Várias vezes eu passava pela calçada e o escutava tocando os prelúdios”, conta Vagner.

Foto: Gilberto Perin

Ney destaca que o período de um ano de maturação foi crucial para a gravação do álbum em fevereiro deste ano, no Palco Bell’Anima, no Recanto Maestro, no dia seguinte à primeira apresentação pública dos prelúdios, realizada no espaço cultural.

“Uma coisa é estudar sozinho, outro é tocar para pessoas – ainda que seja somente para o compositor, como aconteceu várias vezes durante esse processo. Ao metabolizar as peças em performances, descobrimos como queremos explorar diferentes aspectos sonoros”, observa o pianista, que é um dos mais destacados nomes da música de concerto do país, atuando como solista e camerista no Brasil e no exterior, além de ser professor titular do Departamento de Música da UFRGS.

Leia também: Hugo Pilger e Ney Fialkow celebram legado de Claudio Santoro

Nas 12 faixas do álbum, gravadas pelo engenheiro de som Leo Bracht, Ney e Vagner exploram as possibilidades de enfileirar sonoridades variadas em peças breves. Ao longo da história da música, os prelúdios deixaram de se restringir a composições e improvisos que antecedem uma peça ou apresentação maior para se tornarem, muitas vezes, obras independentes – como no caderno Prelúdios Op. 28, também conhecido como “os 24 prelúdios de Chopin”.

Ney traça um paralelo literário para explicar o que é um prelúdio: “Equivale a um conto breve que expressa uma ideia ou descreve uma personagem de forma concisa. São histórias curtas que trazem conteúdos expressivos variados”.

Vagner entende os prelúdios de duas maneiras. “Uma é exercitar a composição no que eu chamo de ‘pequenas formas’, ou seja, que não sejam concertos ou óperas, formatos mais próximos de mim nos últimos anos”, diz o compositor.

“A outra é que os prelúdios me permitem estudar, exercitar, testar. É como um laboratório. Partes de prelúdios podem entrar em um concerto, trechos de um concerto podem gerar um prelúdio”, completa Vagner, que tem composições apresentadas por diversas orquestras e grupos de câmara brasileiros, além de ser violinista, arranjador e produtor musical.

Premiado sete vezes com o Prêmio Açorianos de Música e, em 2011, com o Prêmio Funarte de composição por Aleph, Vagner foi indicado em 2018 ao Grammy Latino de Melhor Arranjo por Campos Neutrais, de Vitor Ramil. Atualmente, o compositor é o diretor musical da Camerata Ontoarte Recanto Maestro.

Com pouco mais de um minuto e meio de duração, Correnteza é o primeiro dos Prelúdios para Piano Livro II. “Essa peça tem uma ideia torrencial, caudalosa, com saltos e surpresas”, conta Ney, apontando aproximações da faixa com obras do compositor alemão Johann Sebastian Bach e do italiano Domenico Scarlatti.

A segunda faixa, Vertigem, tira o chão do ouvinte com suas ressonâncias. “O Vagner gosta muito do som do piano quando baixamos o pedal direito e tiramos todos os abafadores das cordas, o que dá um timbre hipnoticamente repetitivo”, observa Ney.

O ritmo do álbum acelera em Toccata, faixa que é seguida por Melancholia. “A mistura de humores das peças do Vagner é muito rica. Ele consegue um equilíbrio entre virtuosidade e diferentes sonoridades”, descreve o pianista.

Em Teresa, homenagem à artista visual Teresa Poester, o protagonismo é dos silêncios – um componente sobre o qual Vagner tem refletido: “O controle e a medida que se encontra para o silêncio é um ponto cada vez mais presente para mim”.

Após os quase seis minutos meditativos de Teresa, a Valsa do Louco sacode o ouvinte com uma sonoridade circense. Logo após, Canção II volta à contemplação, abrindo espaço para Valsa para Sophia II, homenagem de Vagner à filha. Segundo Ney, esta peça celebra “a valsa brasileira e, de algum modo, a valsa de Chopin e a música de salão que chegou ao Brasil no século 19”.

O álbum se encerra com Gabriel – outra homenagem, dessa vez, a Gabriel Carrara, filho de Cláudio Carrara, sócio de Vagner –, a composição que se chamava Rehab no início do projeto. “Essa foi a peça da minha reabilitação e que me encantou”, lembra Ney.

Na visão do pianista, o percurso de um intérprete por dinâmicas e sonoridades variadas, como se dá no álbum Prelúdios para Piano Livro II, se assemelha à atuação teatral: “É um ótimo desafio trocar de máscara entre um e outro prelúdio. Estimula o intérprete a ser uma espécie de ator que representa diferentes personagens no palco”.

Promessa cumprida

Foto: Gilberto Perin

A proximidade entre Ney, 63 anos, e Vagner, 49, remete à adolescência do compositor. “Conheci o Ney quando eu tinha 15 anos. Minha família estava em Boston, porque meu pai [o compositor e maestro Antônio Carlos Borges-Cunha] estava fazendo pós-graduação na cidade. Ney [que cursava mestrado nos EUA] me presenteou com o primeiro CD da minha vida, um álbum com concertos de Mozart que tenho até hoje. Anos depois, foi meu professor na Faculdade de Música da UFRGS. Um estudo que ele fez em aula sobre os prelúdios de Shostakovich foi decisivo para minha opção pela composição”, recorda.

A primeira parceria entre os dois se consolidou em 2001 na estreia do Concerto para Piano, de Vagner Cunha, no Anfiteatro Padre Werner, em São Leopoldo, com a Orquestra da Unisinos regida pelo maestro Roberto Duarte. Em 2008, Ney gravou o álbum Mahavidyas, composto por Vagner.

“Nas conversas que tivemos durante a gravação de Mahavidyas, o Ney um dia pegou um guardanapo de papel e escreveu uma promessa: ‘Declaro que estou disponível para tocar e gravar qualquer trabalho de Vagner Cunha para o resto da minha vida sem custo’. Claro que cobrei a promessa”, conta o compositor.

Ney destaca o modo como Vagner concebe peças que tocam as pessoas, sem hermetismos. “Ele não está pensando a que escola se filia ou em que ismo se encaixa. Escreve músicas bem tonais e tradicionais e outras com um ritmo alucinante que me deixa louco, com vontade de jogar a partitura pela janela”, diverte-se o pianista.

Vagner e Ney pretendem lançar a versão física de Prelúdios para Piano Livro II no segundo semestre de 2023, pelo selo Bell’Anima. Uma edição limitada dos CDs será acompanhada de gravuras criadas pela artista Teresa Poester, que assina a obra escolhida para a capa do álbum.

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