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Zudizilla: “A música urbana se tornou um nicho de mercado, e ela era cultura antes”

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Zudizilla: “A música urbana se tornou um nicho de mercado, e ela era cultura antes” Noelia Nájera/Divulgação

Um dos maiores nomes do rap no Brasil, o cantor e compositor Zudizilla volta a Porto Alegre nesta semana para dois shows no Agulha (Rua Conselheiro Camargo, 300, Bairro São Geraldo). Na quinta-feira (14/12) e na sexta (15), a partir das 23h, o rapper apresenta as músicas de Zulu Vol. 3: Quarta Parede, disco lançado em agosto.

Nascido na periferia de Pelotas, o músico gaúcho está radicado em São Paulo desde 2018. Desde os primeiros trabalhos, Zudizilla vem mostrando uma sonoridade urbana influenciada tanto pela cultura do hip hop quanto por outras fontes musicais, como o jazz, o r&b e o soul. O artista também incorpora referências de outros campos artísticos, como a expressão gráfica de Jean-Michel Basquiat e o cinema de Spike Lee.

Ao lado do KIAI Grupo, lançou em 2019 o álbum JazzKilla, registrando o que o trio instrumental pelotense chama de “perifajazz” ou “jazz de quebrada”. Depois de Zulu Vol. 1: De Onde Eu Possa Alcançar o Céu Sem Deixar o Chão (2019) e Zulu Vol 2: De César a Cristo (2022) – relembre a entrevista –, Zudizilla fecha com Quarta Parede um tríptico em que aborda temáticas como identidade racial no Rio Grande do Sul, militância negra e vida cotidiana, que tem apresentado em shows pelo Brasil e no exterior – nas rimas do artista cabe o mundo.

Na entrevista exclusiva a seguir, Zudizilla fala sobre as influências em seu trabalho, próximos projetos e o atual momento do rap e da cultura urbana brasileira: “A arte pra mim ainda tem a mesma tônica que teve pra Nina Simone quando ela fala sobre refletir o seu tempo”.

Noelia Nájera/Divulgação

Suas influências artísticas incluem as mais variadas manifestações musicais, além de outras expressões como cinema, artes visuais e literatura. Como você incorpora esse universo de referências em seu trabalho?

Zudizilla – É justamente essa a minha grande questão, mas também quando a soluciono é que meu trabalho atinge um nível de originalidade único. É sobre a capacidade de sintetizar todas as vidas em uma só estrofe às vezes que me coloca lado a lado com os maiores. Não é nada fácil, porque tem vezes que um estímulo pictórico quer ser tela, e não subvertido em poesia, e é relativamente impossível de converter essa lógica em prazer do que eu preciso. Em algumas situações eu preciso mesmo traduzir minha referência naquilo que ela é, e aí nem sempre minha arte é música.

Com Zulu Vol. 3: Quarta Parede, você encerrou uma trilogia. Qual é o balanço que você faz desse projeto?

Zudizilla – Se em algum momento eu duvidei de minhas competências, depois de três discos que são colocados na prateleira de cima do cenário nacional, agora eu posso realmente descansar com a sensação de dever cumprido. Foi o desafio mais louco, porque a gente vê vários artistas criarem discos com a nomenclatura de volumes, mas eles não dialogam entre si em temática e narrativa. Meus três discos são completamente diferentes, mas complementares entre si. Essa é a grandeza desse trabalho, essa condição me ampliou as possibilidades para lugares que eu só imaginava, mas não tinha certeza se eu poderia. Eu posso, e posso muito mais.

Quais são seus próximos projetos artísticos?
Zudizilla – Eu pretendo continuar circulando com meu álbum, e mesclar aos outros pra criar de fato um espetáculo musical tal como almejei quando lançasse os três. Acho que isso vai me dar muita vida útil e tempo para executar de forma precisa os próximos passos que já têm o seu start, mas talvez a galera demore pra chegar nele, porque, além de trabalhar com esses meus três discos, ainda tenho produções nas quais eu vou pôr a mão de outros artistas e experimentar coisas. 2024 vai ser de muito trabalho pra conseguir apontar meu público pro futuro que eu quero.

Noelia Nájera/Divulgação

O rap e a cultura hip hop, entre outras expressões de origem negra e periférica, estão passando por um momento muito rico no Brasil, tanto em termos de variedade e potência artística quanto em inserção no mercado. Como você avalia esse cenário da múltipla cultura urbana brasileira?

Zudizilla – Vejo com glórias e ressalvas. Estar inserido no mercado permite a existência e a subsistência do artista, o que é crucial pra que ele continue fazendo arte. O problema é o condicionamento ao qual estamos submetidos quando adentramos esse espaço selvagem sem saber direito com o que estamos lidando. Estamos vendo uma riqueza muito grande, mas em cunho financeiro, pois ainda enxergo as possibilidades sendo muito pouco exploradas, ou talvez as que toquem milhares de pesos não me alcance pelas mais diversas camadas e páginas que a sociedade escreveu junto comigo em minha história, o que faz com que meu senso crítico, estético e político caminhem lado a lado. A arte pra mim ainda tem a mesma tônica que teve pra Nina Simone quando ela fala sobre refletir o seu tempo. A música urbana se tornou um nicho de mercado, e ela era cultura antes. Não sei até que ponto isso é ruim, mas talvez se não fosse por esse fator eu não estaria aqui respondendo essa entrevista. É complexo.

Por conta de sua carreira, você tem acumulado vivências em lugares distintos como Pelotas, Porto Alegre, São Paulo e Portugal, entre outros. Quais as diferenças e as semelhanças entre as experiências que você encarou nesses locais como um artista negro?

Zudizilla – Em alguns lugares eu sou um artista negro e em outros eu sou um artista, e seria muito antiético eu dizer em quais locais eu sou tido como o quê kkkkkk.

Como serão os shows que você vai apresentar no Agulha?

Zudizilla – Eu tô planejando obviamente apresentar o disco Quarta Parede, mas eu sou muito fã de shows, então a galera pode esperar surpresas e algumas brincadeiras com as músicas. Assim como também podem esperar algumas faixas de outros álbuns que é quase impossível eu não fazer. Abrilhantando as noites eu terei como apresentadora na quinta-feira Winnie Bueno, que é uma força motriz no que se tange o pensar negro partindo de nossas experiências. Terei nas duas noites o consagrado DJ Nyack que, se antes éramos felizes por poder contar com seu set e suas técnicas em SP, hoje em dias estamos vendo ele fazer a mesma coisa pela Europa e Estados Unidos. Também tenho a alegria e a honra de contar com Bart e Cristal, que são duas das grandes e mais valiosas joias que o Rio Grande do Sul forjou em suas experiências. Tudo isso somado ao jazz trio que me acompanha em SP, composto por Rob Ashtoffen (baixo/guitarra), Gabriel Gaiardo (teclado/synth) e Maurilio “Pé” Beat (drums/SPDX).

quinta-feira, 14 a 15 de dezembro de 2023

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