Peça “O Avesso da Pele” inspira amor e resistência no Porto Alegre em Cena
Uma das atrações da segunda etapa do 30° Porto Alegre em Cena é o espetáculo O Avesso da Pele, inspirado na obra do escritor Jeferson Tenório, vencedora do Prêmio Jabuti na categoria Romance Literário em 2021. Realizada pelo Coletivo Ocutá, de São Paulo, a adaptação terá três sessões nos dias 20, 21 e 22 de março, às 20h, no Salão de Atos da PUCRS.
Com direção da dramaturga, atriz e socióloga Beatriz Barros, o espetáculo leva ao palco a história de Pedro e seu pai Henrique, professor de literatura negro da rede pública de ensino, que é assassinado pela polícia na volta para casa. A trama gira a partir da morte, quando Pedro decide resgatar o passado da família e recuperar a história de seu pai.
“Como fio condutor na narrativa, escolhemos focar na relação pai e filho presente no livro, e como essa narrativa evoca o mergulho em outros caminhos, como a construção de uma memória, as diferentes circunstâncias onde o racismo opera, o sucateamento da educação, a condição psíquica dos profissionais da educação, dentre outros temas emergentes”, conta Beatriz.
No palco, os atores Alexandre Ammano, Bruno Rocha, Marcos Oli e Vitor Britto se alternam entre os personagens e dão vida à história, que aborda dilemas sobre identidade e discute complexas relações raciais atravessadas pela violência e negritude.
“Minha intenção foi a de construir um narrador que acessasse a vida íntima do pai, o máximo que pudesse, como uma forma de restituir uma subjetividade solapada pelo Estado e pela polícia, em função da cor da pele”, comentou o autor Jeferson Tenório, em 2020, ano de lançamento da obra – confira a entrevista completa.
“A peça trata de questões que envolvem racismo, mas sobretudo fala das potências da vida e do amor. Isso é o mais importante, que tanto o espetáculo quanto a obra do Jeferson trabalham. É preciso lidar com estratégias que combatam as violências, mas sem perder de vista a potência artística do trabalho, que não responde somente ao racismo, mas que protagoniza o amor vindo desses homens”, conta Thiago Pirajira, um dos diretores artísticos da 30ª edição do Poa em Cena.
Dentro do conceito curatorial do festival – Um Porto Provocação, um Porto Palco –, a peça dialoga com os imaginários sobre a cidade e sua construção. “Consideramos as dimensões do porto, das águas, daquele espaço que representa a história do Brasil, que é também estruturada pela colonização e pelo processo de escravização”, completa Pirajira, que mediará um bate-papo com Tenório, a diretora e elenco do espetáculo, após a sessão do dia 20.
Leia também: Porto Alegre em Cena traz grupos e artistas internacionais em programação multicultural
O Avesso da Pele utiliza música e dança, focando principalmente no funk, como elementos para narrar a caminhada de Pedro pelo passado de seu pai. Beatriz conta que partiu dos atores a vontade de dançar no espetáculo: “Ao estruturar a dramaturgia com o Vitor Britto (assistente de direção e co-autor da adaptação para o teatro), percebemos que o funk era uma linguagem fundamental que conversava diretamente com o universo que o livro constrói.”
Foram convidados dois pesquisadores que em seus estudos se aprofundam nas linguagens convergentes com a poética do espetáculo: Castilho (direção de movimento e preparação corporal) e Felipe Oládélè (diretor musical da peça).
O cenário transita entre ambientes materiais, como a casa de Henrique e a escola em que ele trabalha, e abstratos, como a ambientação de uma crise de ansiedade encenada na peça. “Creio que Oládèlé teve uma sensibilidade cirúrgica em construir espaços da psiquê humana no palco e materializar sonoramente um ambiente abstrato”, afirma Beatriz.
“O Avesso da Pele é um livro que trata sobre inúmeras temáticas emergentes de serem debatidas em todos os espaços de convívio e construção social. Se estamos falando sobre resistir aos assassinatos e silenciamentos que o racismo opera e aplica cotidianamente, a urgência de continuarmos falando sobre esses temas fica ainda mais evidente quando uma obra de tamanha importância é censurada”, diz Beatriz ao comentar a tentativa de censura que o livro sofreu em escolas de Rio Grande do Sul, Goiás e Paraná.
Leia também: Polêmica em torno de “O avesso da pele”
“Para além da camada do olhar da branquitude relacionada à obra, existe uma camada principal que é a jornada de um filho contando sobre o assassinato injusto do pai, que foi morto por policiais quando voltava do trabalho. Essa narrativa perpassa uma elaboração de memória, uma reconstrução da memória familiar. E esse alargamento de elaboração para alguns grupos aleijados de direito à memória, no país onde vivemos, é por si só um ato de resistência”, completa a diretora.
–
Serviço
O Avesso da Pele – 30° Porto Alegre em Cena
Quando: 20, 21 e 22 de março, às 20h
Onde: Salão de Atos da PUCRS (Av. Ipiranga, 6681)
Classificação Indicativa: 14 anos
Ingressos: R$ 15 a R$ 60 – à venda no site Guichê Web