Artigos | Cinema

“Sobre a Eternidade” celebra e lamenta a existência

Change Size Text
“Sobre a Eternidade” celebra e lamenta a existência Reserva Imovision/Divulgação

O absurdo e a dor da existência humana, a beleza e a banalidade da vida são temas caros a Roy Andersson. O cineasta sueco filmou pouco até agora em sua carreira – mas o que lançou vale a pena ser visto.

Seu excelente filme Um Pombo Pousou num Galho Refletindo Sobre a Existência (2014) levou o Leão de Ouro no Festival de Veneza. Já por Sobre a Eternidade (2019), disponível na plataforma Reserva Imovision a partir desta quinta-feira (28/10), o diretor e roteirista ganhou o Leão de Prata de direção no certame italiano.

Andersson repete em Sobre a Eternidade o dispositivo narrativo de Um Pombo…: uma sucessão de esquetes alinha cenas épicas históricas com triviais recortes do cotidiano, crises existenciais dramáticas ao lado de fugidios vislumbres felizes, momentos sublimes ou trágicos seguidos por trivialidades mundanas.

Reserva Imovision/Divulgação

Altamente estilizados e secos, esses esboços de amarga ironia são apresentados como dioramas, tableaux vivants filmados com câmera fixa dentro de estúdio, com a ajuda de miniaturas e efeitos visuais. A lente estática capta até os campos mais profundos das paisagens e cenários – tudo est´á em foco, mas paradoxalmente nada em cena parece ter realmente espírito ou substância.

Contra esses panos de fundo meticulosamente preparados, registrados em cores esmaecidas – tons de cinza, azul e marrom –, Sobre a Eternidade acompanha gente comum envolvida em suas rotinas ordinárias e esmagadoras, às vezes em salas e escritórios de aparência sombria, outras em bares ou na rua. Uma mulher quebra o salto ao empurrar o carrinho de bebê, um pai amarra os cadarços da filha na chuva a caminho de uma festa de aniversário, três garotas dançam do lado de fora de um café, um exército derrotado marcha para um campo de prisioneiros de guerra. Em meio a esses fragmentos de história estanques, uns poucos personagens são recorrentes – como um padre que perdeu a fé imagina uma via-crúcis particular.

Reserva Imovision/Divulgação

Reserva Imovision/Divulgação

O aspecto monocromático dos quadros é acentuado pelos atores usando uma maquiagem pálida pesada, como se fossem fantasmas a vagar pelo mundo. A maioria dos segmentos de Sobre a Eternidade é apresentada por uma narração que ecoa Sheherazade com introduções do tipo “Eu vi um homem …”, “Eu vi uma mulher …”, “Eu vi os pais …”.

Já as referências pictóricas – características dos filmes do realizador de Canções do Segundo Andar (2000) e Vocês, os Vivos (2007) – remetem tanto às composições surrealistas de René Magritte quanto à desolação urbana das pinturas de Edward Hopper. Duas telas são explicitamente citadas por Roy Andersson em Sobre a Eternidade: Sobre a Cidade (1918), de Marc Chagall, na cena de abertura em que um casal flutua sobre a cidade de Colônia destruída, e O Fim (c.1946), ilustração produzida pelo trio de caricaturistas soviéticos do coletivo Kukryniksy que retrata os últimos dias de Hitler em seu bunker em Berlim.

Reserva Imovision/Divulgação

Tanto ode quanto lamento, Sobre a Eternidade olha ao mesmo tempo com impiedade e compaixão para a trajetória inescapavelmente absurda da existência humana. Uma misteriosa aventura que pode nos deliciar com epifanias como a visão de uma dupla de amantes pairando nos ares, só para nos atirar em seguida de novo no mundo terreno no qual os carros enguiçam em estadas no meio do nada.

Reserva Imovision/Divulgação

Sobre a Eternidade: * * * *  

COTAÇÕES

* * * * * ótimo     * * * * muito bom     * * * bom     * * regular     * ruim

Assista ao trailer de Sobre a Eternidade:

PUBLICIDADE

Esqueceu sua senha?