Juremir Machado da Silva

Capitalismo de parque e praça

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Capitalismo de parque e praça Moradores do Moinhos de Vento não querem comércio no parque | Foto: Alex Rocha/PMPA

A medida que permite instalar comércio em praças e parques de Porto Alegre foi aprovada sem muito alarde algum tempo antes da pandemia. O prefeito era Nelson Marchezan Jr. Não resultou de um grande debate na Câmara de Vereadores. A esquerda nem deu muita bola. Foi meio que protocolar, burocrático, jabuti pendurado em alguma coisa que ninguém lembra. Na época, pensei com meu microfone: vai dar merda. Foi assim que pensei. Como era só pensamento, o palavrão podia ser usado. Agora, como relato fiel ao pensamento que tive, não posso eliminar o termo inadequado para um público tão seleto e avesso a indelicadezas. Passou algum tempo e o rolo começou. Sebastião Melo, que foi de cordato político de centro-esquerda a bolsonarista de carteirinha, abraçou a ideia de espalhar comércio embaixo de árvore.

A primeira grande tentativa esbarrou na resistência dos frequentadores da Redenção. Melo teve de enfiar a viola no saco e recuar. Ele acha que com comércio a Redenção ganha vida. Como se não houvesse vida sem compra e venda. Na época, especulei: quero ver quando for no Parcão. Pois é, chegou a hora. Claro que os usuários do grande parque da classe alta da capital estão chiando. Se Melo fala em segurança graça ao comércio para tentar iludir os desatentos, o outro lado teme a insegurança que a operação poderia acarretar. Comércio em cima de parque é besteira pura. Não se vai a parque para estender a mão e pegar uma cerveja, um refrigerante, um sanduíche. Esse tipo de “conforto” sem precisar mexer as pernas tem a ver com outra visão de mundo, a do pacato cidadão inimigo dos movimentos físicos e saudáveis.

As grandes cidades costumam ter pouco verde e muito cinza. Parques devem ser reservas naturais urbanas. Quem quer comer em parque deve fazer piquenique. De resto, é caminhar, correr, andar de bicicleta, deitar na grama, ouvir os pássaros, essas coisas todas que se pode fazer sem pagar nem cobrar, sem mais-valia nem valor de troca. Em parques a troca deve ser de sorrisos, abraços, beijos e inspirações. Claro que isso não agrada quem só pensa em termos de receita e despesa. Quero ver Sebastião Melo encarar o pessoal do Parcão. Se perdeu a parada na Redenção, imagina no Moinhos de Vento.

Há algo de muito interessante nesse neoliberalismo porto-alegrense. O mercantilismo gaudério acelera e cristaliza a fase senil do regime da mercadoria, algo não pensado por Adam Smith. Nem sequer por Hayek e Friedman: o capitalismo de chão de praça e parque. Fecho com a comunidade do Parcão. Nada de comércio em cima de área de repouso, lazer e culto à natureza. Do jeito que vai será preciso cercar os parques para protegê-los da prefeitura. Nada tenho contra comércio. Ao contrário do que imagina a extrema direita, sou liberal. Um liberal social, socialdemocrata, anarquista, adversário de Estados tentaculares, temeroso de utopias que prometem o paraíso na Terra. Entre o comunismo e o capitalismo, fico com o último. Só não acho que se deva instalar pontos de venda em lugares públicos cuja missão superior é nos liberar por algum tempo do fetiche da mercadoria.

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