Juremir Machado da Silva

Choro por ti, Argentina

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Choro por ti, Argentina Cerca de 23 mil argentinos votaram no Brasil no primeiro turno para eleger seu novo presidente | Foto: Joédson Alves/Agência Brasil

Ao contrário de muitos brasileiros, eu admiro a Argentina. Como não se encantar com Buenos Aires e suas livrarias? Como não amar a terra de Borges, Cortázar, Roberto Arlt, Ricardo Guiraldes, Maradona, Messi e do Papa Francisco? Como não gostar da pátria do tango? Por isso, chorei muito pela Argentina nos últimos dias. Pobre Argentina, ter de escolher entre Javier Milei, uma espécie de Bolsonaro civil, cruzamento do capitão de malícias e maldades com a estupidez chicaguenha de Paulo Guedes, e Sergio Massa, um cara que promete realizar como presidente da República o que nem tentou como ministro da Fazenda. Ou, muito pior, tentou e fracassou de 0 a 1000.

Nessas horas, deve prevalecer o menos pior. O problema é que o menos pior depende da ideologia do eleitor. Milei era o menos pior para quem não suportava mais 143% de inflação ao ano. Massa era o menos pior para quem temia a eleição de um louco, uma soma de Bolsonaro, Donald Trump e Viktor Orban, o autocrata da Hungria.

Senti tudo isso e até cantarolei no llores por mí Argentina. Era eu que chorava por ela. Massa se apresentava como a solução para os problemas que ajudou a criar. Milei encarnava a enésima versão do golpe do político antissistema. Campanhas eleitorais são shows nos quais o eleitor, ou público, finge acreditar nas promessas que lhes são feitas. Finge tanto, em alguns casos, conforme a gravidade da situação, que até acredita mesmo, mas só 99%. Uma parte do cinismo de base permanece viva e pronta para despertar. Os candidatos fazem de conta que são racionais e que podem apresentar fórmulas matemáticas para tudo.

O que está em jogo no fundo é uma atualização da regra de pertencimento. Se voto por um, estou com os bons. Se voto por outro, estou com os maus. Mas ou bons de uns são os maus de outros. Todos nós queremos pertencer a alguma coisa. Essa é talvez a forma mais repetida para tentar evitar a solidão natural da existência. A política, assim como o futebol, presta-se perfeitamente ao jogo das identificações. Quanto mais polarizada uma eleição, mais ela contribui para esse delicioso exercício de autossatisfação: escolher o lado do bem.

A Argentina merecia mais do que Milei ou Massa. Mas quem? De certo modo, na Argentina, a disputa é sempre entre peronistas e os outros. O peronismo vai da esquerda à direita com algumas escalas, mas sem qualquer limite, assim como há pedetistas lulistas e pedetistas bolsonaristas. A vida é assim. O mais revolucionário dos escritores argentinos, esteticamente falando, o cego Borges, era um reacionário. Admirava Pinochet. A turma do passa pano entra em campo para dizer que foi uma fase, uma frase, um contexto, isso e aquilo. Chorei tanto pela Argentina que escutei até a versão da Madonna para Don’t Cry For Me Argentina. Bem, na época, os argentinos não gostaram. Evita não pode ser norte-americana.

E já que estamos nessa, vai até Antonio Banderas.

Choro por ti, Argentina, sabendo que me sorrirás quando te visitar novamente. Os hermanos parecem duros, mas são hospitaleiros.

Venceu Milei. Era pedir demais a uma população machucada pela inflação que votasse em massa no ministro que não a salvou do caos.

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