Juremir Machado da Silva

Dois filmes e um festival

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Dois filmes e um festival "Olha pra Elas". Foto: Panda Filmes

No último final de semana, saturado de futebol, vi dois filmes que chamarei, sem favor algum, de imperdíveis: Olha pra elas, documentário de Tatiana Sager e Renato Dornelles, e Plauto, um sopro musical, dirigido por Rodrigo Portela. No primeiro, a vida de mulheres encarceradas no Rio Grande do Sul. Jovens, em geral, negras, com filhos e histórico de agressões por companheiros e abandono familiar. No segundo, um pouco da vida e da obra do grande flautista gaúcho Plauto Cruz, com seu ouvido absoluto e seus chorinhos absolutamente maravilhosos. Num caso, depoimentos dolorosos; no outro, testemunhos de encantamento com a arte de um homem simples e genial.

As cenas de familiares em frente a uma cadeia gritando para presidiárias coladas a uma janela no alto é pungente. O documentário conta que mulheres quase não recebem visitas de homens. Elas são deixadas pelo caminho por parceiros que, não raro, as empurraram para o crime. Na linguagem dessas esquecidas do mundo, “homens não puxam sacola” por mulheres. Elas são capazes de visitar um companheiro preso ao longo de uma pena inteira, mesmo de muitos anos. Eles as esquecem ou trocam rapidamente. Grávidas na prisão, onde, muitas vezes, têm seus filhos, essas mulheres são separadas deles depois de alguns meses. Passa-se de uma atenção total a um vazio devastador. Mãe presa, filha presa, eis um esquema que se repete. Mais do que isso, acontece de filha nascida na prisão vir a ter filho na prisão.

Em Plauto, um sopro musical, amigos louvam a generosidade do flautista, familiares falam dos seus hábitos, resgata-se um pouco da infância do artista em São Jerônimo e do seu começo precoce na música. Dois mundos, o das presidiárias e o do flautista de grande talento, por que misturá-los num mesmo texto? Porque os vi em sequência. Mas, acima de tudo, pelo tanto que mexeram com a minha sensibilidade. De um lado, o deslumbramento diante de tanta beleza. Do outro lado, a tristeza face a tanto sofrimento. Essa situação me fez pensar no título do grande livro de Albert Cossery: Os homens esquecidos de Deus. No caso, seriam mulheres. Elas, porém, creem. O talento é um dom natural. A dor dessas encarceradas é um produto social, de uma sociedade que não sabe resolver o que gera.

Em tempos de superficialidade e frivolidade, de influenciadores que só potencializam umbigos, próprios ou alheios, esses dois filmes são vinho de outra natureza. O time dos que falam das virtudes de Plauto é luxuoso: de Kenny Braga e Luiz Coronel a Borguetinho e Yamandu Costa, passando por Arthur de Faria e Kleiton e Kledir Ramil. Colorado que sou, me acostumei a ver o Inter ir bem no primeiro tempo, encolher no segundo e afundar nos últimos minutos. Esses dois filmes não param de crescer até o fim. Eduardo Coudet deveria, quem sabe, vê-los para se inspirar. Poderia errar menos nas mudanças. Aí, porém, já é misturar assuntos em demasia. Melhor economizar.

Vi os dois filmes citados no Vimeo.

Festival de Cinema de Três Passos exibirá mais de cem curtas

Evento acontece em um dos raros cinemas de calçada do Brasil: o histórico Cine Teatro Globo

Começou ontem e segue até sábado (11), a programação do 6º Festival de Cinema de Três Passos, na região Noroeste do Estado. Após uma pausa de quatro anos, o evento está sendo retomado em 2023, tendo como local um dos mais históricos cinemas de calçada do Brasil, que está completando 69 anos de fundação, em plena atividade: o Cine Teatro Globo, que integra a rede Cine Globo de Cinemas, atualmente com cinco salas de exibição, todas na região.

O festival exibe filmes curta-metragem, com mostras competitiva e não competitiva. Serão mais de cem filmes exibidos, durante quatro dias, com sessões na noite de terça, e nos três turnos da quarta, quinta e sexta-feira. A solenidade de premiação e encerramento acontecerá na noite de sábado.

Ao todo, foram 517 curtas inscritos, oriundos de 152 cidades brasileiras (23 estados, mais o Distrito Federal) e de 12 cidades de oito países estrangeiros: Espanha, Estados Unidos, França, Itália, México, Noruega, Peru e Portugal. A mostra competitiva terá 53 filmes sendo exibidos, a partir da tarde de quinta-feira.

Na mostra não competitiva, que começou na noite desta terça, outros 47 filmes serão exibidos, incluindo obras estudantis, realizadas por estudantes de instituições de ensino de Três Passos e outras cidades da região, como Tiradentes do Sul e Redentora.

Homenagem ao diretor Henrique Lahude na primeira noite

Também nesta terça, ocorreu homenagem ao diretor e produtor cultural gaúcho, Henrique Lahude, pela importância do seu trabalho no setor audiovisual do Rio Grande do Sul e sua intensa colaboração para a consolidação do festival de Três Passos, desde a primeira edição.

Logo após a homenagem, foi exibido o curta Messi, dirigido por Henrique Lahude e Camila Acosta. O filme recebeu o prêmio Assembleia Legislativa da Mostra de Curtas Gaúchos, na categoria Melhor Montagem, durante o Festival de Cinema de Gramado, este ano, representando o município de Três Passos.

A obra foi gravada na cidade de El Soberbio, na província de Misiones, e que faz divisa com Tiradentes do Sul (RS), separadas apenas pelo rio Uruguai. O personagem acompanhado na trama é o menino Edu (Eduardo Flores Perassolo), de 11 anos. Em uma tarefa escolar, o garoto colocou em uma árvore de desejos que seu sonho era que a Argentina conquistasse o título mundial de 2022, o que acabou ocorrendo com protagonismo de Lionel Messi, para êxtase de todo o país vizinho.

Programação e Troféu Levy

A programação completa do 6º Festival de Cinema de Três Passos pode ser conferida no site do evento. O acesso ao público é totalmente gratuito.

Os filmes que participam da mostra competitiva concorrem em 17 categorias. Os vencedores receberão o Troféu Levy, obra do artesão três-passense, Mauro Rückert, e que este ano foi confeccionada pelas mãos do artesão indígena, Gessé Mineiro, de Tenente Portela.

O nome do troféu é uma homenagem a Alberto Abrahão Levy e à sua família, pela resistente e histórica trajetória de manutenção do cinema em Três Passos.

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