Juremir Machado da Silva

Incêndio e negligência em Porto Alegre

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Incêndio e negligência em Porto Alegre Foto: Cesar Lopes/PMPA

Porto Alegre amanheceu, na última sexta-feira, aturdida com a notícia de um incêndio que matou dez pessoas. Aconteceu numa pousada, de uma rede chamada Garoa, na avenida Farrapos, região central da capital gaúcha. A imprensa logo informou que, segundo o Corpo de Bombeiros, o local não tinha Plano de Proteção Contra Incêndio para funcionar como pousada. No entanto, como logo se soube, tinha contrato com a Prefeitura de Porto Alegre para receber pessoas em situação de vulnerabilidade social. Pode isso? Pode assinar contrato com órgão público sem preencher os requisitos legais para funcionamento?

Logo se instalou uma polêmica em redes sociais. O deputado estadual Felipe Camozzato (Novo) postou no X uma nota lamentando o ocorrido: “Uma tristeza muito grande o falecimento de 10 pessoas devido a um incêndio em uma pousada aqui em Porto Alegre. As informações preliminares apontam que a pousada não tinha alvará e nem PPCI – Plano de Prevenção e Proteção Contra Incêndios, e ainda contava com contratos com o poder público, o que é inadmissível para um local sem documentação. É preciso investigação célere e efetiva para que os responsáveis sejam punidos”. Usando uma ferramenta de contextualização disponibilizada pelo Twitter, internautas rebateram: “A pousada só funcionava sem alvará porque uma lei municipal de 2020 permite emitir uma Autodeclaração de Dispensa de Alvará. Olha que coincidência: essa lei foi proposta pelo então vereador Felipe Camozzato”. Essa lei também tem a paternidade do agora vice-prefeito Ricardo Gomes.

O deputado Camozzato contestou com ameaça de processo: “A Lei de Liberdade Econômica, regulamentada pelo Município de Porto Alegre, não exime o proprietário do empreendimento das suas obrigações quanto às normas de prevenção e proteção contra incêndio. Isso está EXPRESSO na lei. O estabelecimento deve obediência à lei. E o Poder Público, nas suas diversas instâncias, deve fiscalizar o cumprimento dessas obrigações. E é isso que a investigação precisa apurar e esclarecer: o que o proprietário deixou de fazer e, também, quem, tendo o dever de fiscalizar, não o fez”. O prefeito Sebastião Melo admitiu que desconhecia as condições precárias da pousada. A Garoa tem contrato no valor de quase R$ 3 milhões com a prefeitura de Porto Alegre.

A lei complementar nº 876, de 3 de março de 2020, permite “desenvolver atividade econômica de baixo risco, para a qual se valha exclusivamente de propriedade privada própria ou de terceiros consensuais, sem a necessidade de atos públicos de liberação da atividade econômica”. Visivelmente a Pousada Garoa, com várias unidades em Porto Alegre, não se enquadra nesse item, embora a intenção seja desregular como pretensa forma de facilitar a vida e a expressão “terceiros consensuais” pareça uma brecha gigantesca. O que transparece mesmo? Falta de fiscalização. Mais do que isso, uma enorme incongruência, convênio público com empresa incapaz de oferecer as condições mínimas de funcionamento exigidas legalmente. A explicação estará no fato de o serviço ser prestado a pessoas muito pobres?

Na cara dos poderes públicos a tal Garoa entregava um serviço ruim. Excluídos só costumam chamar a atenção realmente quando as tragédias já se consumaram. Em democracias sólidas e sérias, fiscalização significa garantia de que nada se fará de inadequado sem serviços prestados. No Brasil costuma ser um atalho para a dispensa de obrigações consideradas onerosas. Nesse terreno do alojamento social parece existir uma “moral” de fundo”: se estamos dando um quartinho para morador de rua, vão reclamar de que mesmo? De sujeira, rato, barata, fiação podre ou sobrecarregada, enfim, isso não contaria. 

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