Juremir Machado da Silva

Elis e Tom em harmonia

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Elis e Tom em harmonia Elis & Tom | Reprodução

Conta-se que Tom não tinha Elis por sua cantora preferida. Conta-se também que Elis não simpatizava com Tom ou tinha medo dele. Sabe-se que eles se reuniram, em 1974, em Los Angeles, nos Estados Unidos, para gravar aquele que seria um dos mais belos discos da história da música brasileira. Tom era minimalista, a Bossa Nova em carne e osso. Elis era exuberante, barroca, saturação de gestos e tons. O documentário Elis e Tom, só tinha que ser com você, dirigido por Roberto de Oliveira, com roteiro dele e de Nelson Motta, mostra os bastidores, com imagens da época, desse encontro inimaginável.

Deu match. Tom se encantou com Elis, que se derreteu com ele. César Camargo Mariano, grande músico e marido de Elis, estava lá. Cabia-lhe fazer os arranjos das músicas, o que levou Tom à loucura e a algumas tentativas de objeção e até de carteiraços para impedir que o outro tocasse em seu patrimônio estético. Entre tensão, confusão e choques, eles aprenderam a negociar, a se respeitar e a colaborar. Sexagenários como eu, ao verem o filme, ficam emocionados e correm o risco de cair na nostalgia: como havia arte e talento naquela época. Ainda não surgiu uma voz como a da Elis. Ainda não apareceu um virtuose como Tom. A MPB chegou a um ponto tão alto que, passado o Tom, despencou. Alguém me diz que devem existir coisas de tal magnitude que desconheço. A minha resposta é categórica: se houvesse, eu conheceria. Não por minhas qualidades, mas pela força do belo de se espalhar, ser notado, ganhar espaços, se fazer ouvir.

O álbum Elis & Tom tem o maior número de músicas maravilhosas num só mesmo disco para minha modesta preferência, especialmente Só tinha de ser com você, Triste, Chovendo na roseira, Inútil paisagem e O que tinha de ser. Não tem uma só que não me encante, ainda que eu nunca tenha me apaixonado por Águas de março. Em compensação, ainda me arrepio ao ouvir Só tinha de ser com você. Conta-se que Tom saiu diferente dessa gravação, seduzido pelo gigantesco talento de Elis. Conta-se também que Elis saiu mais perfeita, se isso podia ser possível, desse encontro, mais econômica e precisa em suas interpretações. Conta-se tanta coisa quando se está deslumbrado com a reunião improvável de dois gigantes da arte.

Aliás, naquela época, indústria cultural e arte ainda podiam conviver. Elis Regina e Tom Jobim faziam parte do mundo do entretenimento. Nem por isso deixavam de fazer arte, de ir além do possível, de ultrapassar o sinal da simples identificação com o gosto do público. Conta-se que Elis quase voltou para casa antes do final da gravação e que Tom nunca estava contente com nada. Sabe-se que, vencidas as diferenças, nunca dois cantores estiveram tão em harmonia. A menina do IAPI ganhou o mundo, encantou meio mundo, impressionou até mesmo os mais exigentes e com os ouvidos mais afinados do planeta.

O disco de 1974 era deles, Elis e Tom. O maestro era convidado. Mas onde ele tocava tudo assumia um tanto a sua marca, o seu estilo, o seu talento. Ainda mais em se tratando das suas criações. O improvável encontro entre Elis e Tom tornou o mundo mais lindo. Pura arte.

O documentário, porém, está sendo acusado de machismo por ter depoimentos de doze homens e uma mulher. Além de supostamente dar mais destaque a Tom e de enfatizar que homens ajudaram a Elis a subir.

Não deixa de ser verdade.

Outra hipótese: a voz de Elis atropela todos.

Inclusive Tom.

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