Juremir Machado da Silva

Crônica da alma

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Crônica da alma Foto: Johannes Mändle/Unsplash

Eu queria ser generoso como o pássaro que voa somente para espichar as asas e revisitar a paisagem onde viveu. Sei que alguns o imaginam como puro instinto e não lhe atribuem qualquer fruição. É ignorar que nada sabemos sobre nós mesmos, nem sequer a razão de existirmos, quanto mais de um ser tão etéreo quanto esse que atravessa os céus. Há tanta seriedade no mundo exigindo análise e esclarecimento, mas eu só quero me perder na imprecisão da crônica, inventariando meus medos, confessando meus crimes, implorando raios de sol, amoras (amores também) e brisas com as quais refrescar o calor da perplexidade de cada final de tarde, quando tudo se apaga suavemente.

Sei que falando assim afasto jovens tecnológicos e velhos pragmáticos, esses que andam pelo mundo colecionado gravatas e vis metais. De minha parte, na altura em que me encontro, pouco acima das nuvens e abaixo do impossível, nada me interessa mais do que as pequenas inutilidades da vida: carretéis de linha, pandorgas coloridas, jogos de futebol, revistas esquecidas, links que já não abrem, baralhos. Se me fosse dado escolher o que nunca mais se quebraria com a força do vento, restando congelado na tela de algum computador a bordo de um navio naufragado, seria uma coleção de bolinhas de gude ou uma página de Verlaine: “Os longos soluços dos violinos de outono…” Deus, se de fato Ele criou o mundo, merece os nossos agradecimentos pela beleza da poesia. De resto, há o resto.

O resto é pintura. E Deus é o maior pintor de todos os tempos. Quem, a não ser Ele, pintou as nuvens, o céu, os bosques, a estradinha que se espirala até o morro, a praia tão cheia de curvas, a enseada, a casinha amarela ao pé da serra, o riacho que borbulha e o crepúsculo? O problema é que essas obras não podem ser guardadas num cofre. Problema para quem? Para que os contabilizam as cores, as dores, os aromas e as criptomoedas. Deles é o tapete persa, o cartão corporativo e o iate que se aborrece na baía dos elefantes. Nosso, que também temos o nosso patrimônio, é o primeiro canto da ave do amanhecer.

Romantizo? Certamente. De romantismo vivem os que só força de trabalho possuem para vender. Sendo assim, nada têm a perder, o que lhes permite ganhar o alto mar quando as ondas rebentam sonolentas na praia. Se eu fizesse uma só crônica que coubesse num quadro, com uma moldura de arco-íris, já teria a posteridade aos meus pés. Uma moldura como aquela que vi um dia quando, de madrugada, fui ao pátio fazer xixi e vi a lua brilhando numa solidão tão altiva e melancólica. Admito que me apaixonei por ela e nunca mais parei de espiá-la.

Fosse sempre assim como estou pintando eu viveria para sempre no cantar do sabiá. Voltaria numa manhã de primavera para anunciar o primeiro perfume da nova e radiante estação. A vida, porém, é cruel.

– Deixa de ser brega, tio.

– Vai lavar uma louça, rapá.

– Vai trocar um pneu, mano velho.

Para cima

Gilberto Schwartsmann, presidente da Associação dos Amigos do Theatro São Pedro, e Antonio Hohlfeldt, presidente do São Pedro, estão nas nuvens. Governador do Estado liberou recursos para a conclusão de todas as obras do Multipalco. Essa dupla vai longe. Agora vai.

Eduardo Leite, que ainda poderá herdar a vaga de João Dória para concorrer à presidência da República. O gaúcho está dando mostras de grande habilidade nas articulações internas e de muita ambição.

Para baixo

Além de João Dória, que parecia ter perdido o trem presidencial do PSDB, embora ainda negue sua desistência de concorrer ao Planalto e tenha renunciado ao governo de São Paulo, surpreendendo que há o via como carta fora do baralho, outro que desceu a ladeira foi o prefeito de Canoas, Jairo Jorge, afastado temporariamente do cargo depois de ação do Ministério Púbico, na operação Copa Livre, em função de denúncias, segundo o procurador-geral de Justiça, Marcelo Dornelles, “de problemas na área da saúde”.

Para o lado

Sérgio Moro muda de partido. Já! Isso é que é fidelidade partidária. O ex-juiz teria batido no peito e declarado “sim, eu posso” e desembarcado do Podemos para entrar no União Brasil. E assim terminou uma candidatura à presidência da República.

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