Juremir Machado da Silva

Lanceiros e infantes negros

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Lanceiros e infantes negros

O episódio de Porongos continua assombrando os gaúchos: teria havido um ataque de surpresa ao acampamento de Canabarro ou uma traição? Seriam mesmo negros os mortos de Porongos? Domingos José de Almeida, considerado o cérebro da Revolução Farroupilha, parecia não ter dúvida alguma a esse respeito. Numa minuta para um comunicado sobre esse assunto, cruzando correspondências do Barão de Caxias, ele se refere à “mortandade de pretos somente entrando nesse número dois oficiais que pela cor pouco diferençavam”.

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Em carta ao general Antônio de Souza Neto, de 1º de setembro de 1860, Domingos José de Almeida pediu explicações: “Não desejando consignar no histórico de nossa revolução senão fatos verdadeiros e bem averiguados, rogo-lhe que me informe com a possível brevidade; 1º Se com efeito antes do célebre ataque de Porongos houve avisos de aproximação do Coronel Francisco Pedro. 2º Se o falecido Coronel Joaquim Teixeira tivera ordem de se conservar no ponto em que foi surpreendido, e dele não sair sem aviso, bem como o Tenente Polvadeira segundo se diz. 3º Se na véspera do dito ataque foram tirados os cartuchos da infantaria para no dia seguinte se receberem outros, e se os mortos foram quase exclusivamente infantes”.

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As informações iniciais mais importantes sairiam da pena de um ex-lanceiro de Teixeira Nunes, Manuel Alves da Silva Caldeira. Desde, ao menos, 1894 que ele se correspondia com Alfredo Varela e enviava-lhe documentos. Em carta de 5 de setembro de 1895, avisa que “vão 35 documentos com numeração seguida de 1 a 35, principiando em 20 de setembro de 35 até fevereiro de 44. Achei mais 1 e são 36. Vale”.

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Tambor tribal (Uma carta de Caldeira)

“Vou relatar-lhe detalhadamente aquela hecatombe como foi. Canabarro, de combinação com Caxias e Moringue, deu entrada a Moringue em seu acampamento, para derrotar a força comandada pelo General Neto, menos a do General João Antônio da Silveira que estava acampada em lugar que ficou livre do ataque. Francisco Pedro, na véspera do ataque, acampou nos fundos do potreiro da estância da Dona Manoela, irmã do General Neto, sobre a margem esquerda dum galho de arroio Candiotinha que recebe águas da serra da Veleda. Um peão da dita estância foi recolher animais no campo e falou com os cavalariços que cuidavam a cavalaria da força que estava acampada e por eles soube que era Moringue que ali estava.

Dona Manoela sabia que Canabarro estava acampado nos Porongos e mandou chamar o velho Pereira que morava no Candiotinha, o qual atendeu ao seu chamado e pediu-lhe para ir ao acampamento do Canabarro dizer ao seu irmão que Moringue estava acampado no referido lugar. Pereira foi à casa mudar de cavalo e roupa e depois marchou para o acampamento e deu o recado a Neto, que sua irmã lhe mandava. Neto depois de ouvi-lo disse: ‘Vá dar a mesma notícia a Canabarro’. Pereira foi à barraca de Canabarro e, aproximando-se respeitosamente a ele, transmitiu-lhe a referida notícia. Canabarro perguntou a Pereira: ‘Você viu o Moringue?’ Pereira respondeu negativamente. Canabarro: “E então, como é que diz que é o Moringue?”

Pereira disse como sabia. Canabarro: ‘Você não está mentindo?’ Pereira era homem sério e ficou desapontado. Canabarro perguntou-lhe de que lado era o vento. Pereira disse de que lado estava, então Canabarro disse: ‘O Moringue sentindo a minha catinga aqui não vem. Marche para a sua casa e não ande espalhando esta notícia aterradora aqui no acampamento’. Canabarro deu ordem para chegar a cavalhada da reserva à frente do acampamento, para mudarem de cavalos (os cavalos chegaram porém não foram pegos). Também deu ordem ao quartel-mestre para recolher o cartuchame da infantaria e carregasse em cargueiros porque estavam se estragando nas patronas; para serem distribuídos quando aparecesse inimigo. Neto estava acampado em mau lugar, por isso mudou de acampamento depois que teve aviso de sua irmã.”

(Fragmentos de meu livro “História regional da infâmia: o destino dos negros farrapos e outras iniquidades brasileiras”. L&PM, 2010)


Parêntese da semana

Em época de Semana Farroupilha, a revista Parêntese traz um belo ensaio fotográfico de Márcio Pimenta inspirado nos Lanceiros Negros. O fotógrafo clicou (sou velho) protagonistas negros dos tempos atuais: senador Paulo Paim, vereador Matheus Gomes, desembargadora Iris Helena, presidente do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul e outros rostos e nomes do cotidiano que orgulham os gaúchos. Fotos que poderão ser visas em exposição na Procuradoria Regional da República da 4ª Região. Belíssimas fotos.

Arte pura.


Imagens e imaginário

“Manifesto Porongos” (letra de Rafa Rafuagi, Ricky Rafuagi e Manoel Soares):


Frase do Noites

O iluminista tenta não se perder no lusco-fusco das comemorações: A revolução Farroupilha é como o boitatá: uma chama que nunca se apaga.


Escuta essa

Um clássico da música gaúcha, “Os homens de preto”, de Paulo Ruschel, em interpretação do Grupo Caverá. Uma das mais belas e tristes obras do nosso cancioneiro:

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