Juremir Machado da Silva

Linguagem inclusiva

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Linguagem inclusiva O masculino domina em situações de englobamento na língua portuguesa, de Camões | Foto: Wikimedia
Há quem não esteja convencido da viabilidade de uma linguagem inclusiva como defendem os usuários do “todes”. Na verdade, seria uma língua exclusiva de alguns grupos. Seria possível pensar esse tema sem mortos e feridos? Uma língua como a portuguesa está estruturada no binarismo de gênero. Tudo se articula dentro dela. É um todo com lógica própria. Não existe certo e errado em matéria de língua. Existe aquilo que uma sociedade aceita ou não. O errado numa língua – mais grande – é certo em outra – plus grand. Ao longo do tempo, uma língua passa por transformações que não saem de decretos nem de gabinetes. O masculino domina em situações de englobamento na língua portuguesa, sinal óbvio de que os homens tiveram historicamente mais poder de decisão no complexo sistema de estruturação desse modo de comunicação. A língua é machista. Roland Barthes chegou a dizer que a língua é fascista. Impõe-se aos falantes. Mas isso não os torna para sempre usuários passivos. A questão é saber se a prática da língua carrega a cada vez uma discriminação ou se o seu binarismo de gênero não remete a uma diferenciação de sexualidade, mas somente gramatical. Problemas não faltam para a aplicação coerente do “inclusivismo”. Se devemos dizer “todos os que vierem” e “todas as que vierem”, como ficará a flexão com “todes”?  Que artigo usar? “Todes es que vierem?” Ou, nesse caso, aceita-se o existente por falta de opção gramatical? A defesa de uma linguagem inclusiva é mais do que legítima. Por que dizer “todos os aqui reunidos” quando são nove mulheres e um homem? O critério poderia ser de quantidade ou maioria? Há situações em que o feminino engloba o masculino em português. Por exemplo, em “boa a noite a todas as pessoas aqui reunidas”, mesmo sendo nove homens e uma mulher. Claro que o conflito é de ordem política no melhor sentido da palavra: política dos corpos, de civilização, de reconhecimento, de pertencimento, de igualdade, de respeito mútuo. Outro desafio é o do uso de pronomes neutros. Se digo “Ana é minha leitora” e “João é meu leitor”, como digo o mesmo com os pronomes neutros “elu” ou “ile”? Vamos lá: elu é minhe leitore e ile é minhe leitore? O princípio de eficácia comunicacional parece diminuir. Pode ser que seja apenas a estranheza da mudança. Talvez o sistema de substituição não esteja suficientemente maduro para ser aplicado. E se o campo de luta, onde a discriminação faz todos estragos, estiver em outro lugar, de modo que seu enfrentamento torne o espaço da língua opaco? Os adversários da linguagem neutra reclamam de sua opacidade? – Ilu esteve aqui? – Que ilu? – Ilu, ora. A anedota é grosseira. A dificuldade, real. Talvez o sistema inteiro de comunicação e identificação precise ser alterado para que um novo mundo de interação funcione. Tudo se tornou mais complexo. Receba os conteúdos do Juremir no seu e-mail Disponibilizamos duas modalidades diferentes de envio das análises do Juremir: Gratuitamente, de segunda a sexta, […]

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