Machado de Assis narra uma das primeiras grandes fake news da história do Brasil
Por falta do que fazer na pandemia, trancado em casa, li toda a obra de Machado de Assis e escrevi um livro, “Machado de Assis, cronista das classes ociosas”, comentando fragmentos do nosso melhor e maior escritor sobre escravidão, trabalho, jornalismo e arte. Um texto sensacional é o que narra uma espetacular fake news de revolução.
15 de outubro de 1876
p. 135
Para substituir o cri-cri tivemos nesta quinzena a revolução do Rio Grande do Sul, a qual durou ainda menos que o seu antecessor. Vem tudo a dar nas rosas de Malherbe, umas rosas que, à força de viverem nas comparações, hão de dar em terra com as pirâmides do Egito e a Sé de Braga.
Vai senão quando, a aurora, com seus dedos de rosa, abre as portas ao dia 11.
Nesse dia, logo de manhã, soube-se que no Rio Grande rebentara uma revolução; que o general Osório ficava na presidência da república; que um general, à frente das forças legais, batia-se com as forças da revolução; conflito geral.
Eram 10 horas e meia.
Ao meio-dia, o general imperialista ficava derrotado completamente, tendo aderido à república, cujo presidente nomeara o primeiro ministério. Uma proclamação, espalhada por todos os municípios, dizia aos povos o que se costuma dizer sempre que há mudança de governo. Ao mesmo tempo era convocada uma assembleia constituinte, eleita pelo sufrágio universal.
p. 138
Era uma hora e doze minutos quando começou a espalhar-se a notícia de que a constituinte fora eleita, mas que o primeiro ministério caíra, dando lugar a outro que infelizmente cairia também duas horas depois, diante de um voto de desconfiança.
Mal começaram estas notícias a percorrer o espaço que vai da casa Garnier ao ponto dos bondes (sempre na rua do Ouvidor), caiu nova bomba – a bomba das alianças; a jovem república celebrara tratados com todas as irmãs do Prata e do Pacífico.
Íamos já nas cinco horas da tarde. Às cinco e três quartos deixara de existir a constituinte, dissolvida pelo presidente; às seis e vinte minutos caía o presidente, ante um voto da nova constituinte. Esta sucumbe depois de um quarto de hora de trabalho, deixando um presidente que igualmente sucumbe depois de cinco minutos de vadiação.
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[…]Nisto passou a noite… [chegam os jornais]
Os mais curiosos levantam-se. Leem e ficam sabendo que não houve revolução nem coisas que parecesse com isso. A notícia corre logo com a mesma velocidade.
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Quem te encaixou nos miolos [leitor] a ideia de que Osório, homem de sentimentos juvenis, é certo, mas homem de ordem, se meteria em tal bernarda?