Juremir Machado da Silva

Nova visita a Marcel Proust

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Nova visita a Marcel Proust

Primeiro sábado de março. Um resto de verão na alma. Cláudia, Leandro Minozzo e eu almoçamos no Gambrinus, no Mercado Público, onde tivemos a alegria de encontrar por acaso meu velho amigo Luiz Gonzaga Lopes, parceiro durante muito anos no Caderno Sábado do Correio do Povo. Depois de uma tilápia, uma visita a Marcel Proust na Biblioteca Pública do Estado. A exposição concebida por Gilberto Schwartsmann, com apoio de Alcides Stumpf, continua atraindo muita gente. Caminhos de Proust exibe peças raras das coleções do próprio Schwartsmann e de Pedro Corrêa do Lago, um dos maiores colecionados de documentos manuscritos do mundo. Proust recebe os visitantes com seu ar blasé característico. A emoção vem com a mostra do seu percurso colossal.

Marcel Proust, filho de médico e irmão de médico, nunca trabalhou. Fez o serviço militar. Foi tudo. Metade da vida passou nos salões da burguesia e da aristocracia. A outra metade usou para escrever obsessivamente trancado em seu bunker acolchoado feito um estúdio de rádio para livrá-la de qualquer som infernal. Homossexual, foi um dos primeiros a tratar do assunto em suas páginas sem intriga nem suspense, mas plenas de beleza e de realidade. Há quem sustente que seus personagens femininos – Gilberte, Albertine – são Gilbert e Albert. A exposição apresenta primeiras edições, fotos, uma cronologia da vida do escritor, um vídeo sobre a relação entre memória e cérebro a partir do célebre gatilho proustiano: as madeleines molhadas no chá.

Já visitei várias vezes essa exposição e não me canso de admirá-la. Desta vez, com a Cláudia e o Leandro, que é especialista em Alzheimer, foi diferente. Curtimos cada passo até desaguar no Salão Mourisco, belíssimo recinto da Biblioteca, onde se pode ouvir em pequenas caixas de som as leituras perfeitas na voz do ator Zé Adão Barbosa de fragmentos de Proust. Um dos momentos icônicos da visita é comer uma madeleine molhada no chá servida pelo garçom Emílio Soares Figueiró, com seus 42 anos servindo e contando histórias. Cada visitante é convidado a escrever num cartão, que será depositado numa urna, as suas sensações. Experiência proustiana na atmosfera de uma biblioteca, que se não lembra a casa da tia Léonie, tem seu charme.

Proust representa o escritor em estado puro. Dedicou-se a burilar frases pelo prazer da beleza. Precisava colocar papelotes com emendas ao seu texto transbordante. Decifrar tudo aquilo era tarefa dura. No seu tempo a literatura tinha outras regras. Dependia quase que exclusivamente das suas condições internas. Não por acaso Proust escreveu contra Sainte-Beuve, o crítico que pretendia atrelar a obra à vida do autor. Alguém dirá que “Em busca do tempo perdido” é puro Proust estetizado. Eis o engano. A arte sempre foi transfiguração da vida. Proust usou muitos modelos para construir seus personagens. A exposição da Biblioteca Pública do Estado tem a sua aura. Ali, o cheiro que provoca lembranças vem dos livros. É algo mágico. Há um espaço para Mario Quintana, tradutor de Proust.

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