Juremir Machado da Silva

Meirelles, o malandrão

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Meirelles, o malandrão Henrique Meirelles, que já foi presidente do BC no governo Lula, agora critica o presidente (Foto: José Cruz/Agência Brasil/2018)

Um comentário de Henrique Meirelles numa entrevista, falando das críticas do presidente Lula ao Banco Central de Bob Neto, me pegou de jeito:  “Tem muitas coisas que o presidente pode fazer, áreas em que o Lula pode se dedicar que são muito importantes para o País, tipo a educação, saúde, meio ambiente – e ele está indo bem nesses aspectos”. Economia, não? Meirelles foi presidente do Banco Central de Lula. Alimentou a esperança de ser novamente neste Lula III. Ainda pode ter chance. Basta que Bob Neto peça o chapéu. Tudo isso é especulação.

O ponto importante, já percebeu o sagaz leitor, é a definição de Meirelles, encarnação do mercado, das atribuições presidenciais: tudo, menos economia. Essa, evidentemente, seria técnica e deveria ser deixada aos cuidados de gente neutra como Bob Neto ou o próprio Meirelles. A desfaçatez da raposa faz o galinheiro ficar sem pena. Por essa lógica, a saúde deveria ficar aos cuidados técnicos dos médicos. A educação, sob a tutela técnica dos pedagogos. O meio ambiente, restrito à intervenção dos especialistas. Tudo é técnico. E nada é totalmente técnico. A política perpassa essas tecnicalidades. Podemos dizer que a fala de Meirelles é golpista: quer tirar poderes constitucionais do presidente da República. De certo modo, o presidencialismo brasileiro vem sofrendo amputações sucessivas.

A autonomia do Banco Central tira do eleito parte dos seus poderes e o repassa a um não eleito. No caso, o Banco Central fica nas mãos do protegido do presidente anterior, aquele que perdeu a eleição. Que lógica é essa? É melhor para a sociedade que Banco Central e presidência da República estejam desalinhados, em oposição? Imaginemos o contrário: Lula perde as eleições para Bolsonaro, ficando no Banco Central o indicado pelo petista, adotando medidas opostas aos interesses e convicções do bolsonarismo. O que diria o mercado? Política de juros altos controla a inflação e enche as burras dos rentistas de dinheiro. O conselho de Meirelles para Lula é de uma simplicidade tamanha que chega a ser suspeito: “Deixe o Banco Central trabalhar”. O Banco Central não é um poder. É apenas instrumento.

Primeiro se criminalizou a política inteira. De quebra, colocou-se todo procedimento político sob desconfiança. Nessa pegada, aproveitou-se para tirar da política algumas das suas ferramentas. Thomas Piketty, o economista francês que jogou por terra boa parte das conversas fiadas sobre o poder distributivo do capitalismo, defende que é hora de a população retomar o controle de todas as decisões, inclusive as econômicas: “Parte de nossa decepção democrática moderna decorre do fato de que as questões econômicas foram capturadas por um punhado de especialistas, que afirmam ter construído uma ciência tão científica que ninguém mais pode falar sobre ela”. O que fazer?

Segundo Piketty, essa ciência não passa de ideologia: “Isso é uma piada completa porque a economia é uma ciência social, como a história ou a sociologia. Tudo o que pode ser feito, na melhor das hipóteses, é coletar material histórico e tirar algumas lições para o futuro, mas mantendo-se muito modesto. Porque na história há muitas bifurcações possíveis, muitas maneiras de resolver uma crise de dívida, uma crise de desigualdades. Recolocar a economia nesta abordagem histórica e política pode ajudar a conciliar os cidadãos e a democracia”. Cabe aos cidadãos, por meio dos seus representantes, apoiados em consultores técnicos, definir a política econômica.

“Deixando esse assunto para os outros, estamos jogando o jogo do populismo, do mercado, de todos aqueles que não precisam de assembleia para existir e defender seus interesses”, sustenta Piketty. Conta-se que o lobo disse ao cordeiro: “Estamos juntos. Deixa que te protejo”.

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