Minha candidatura
Demitido da Rádio Guaíba e do Correio do Povo por não aderir ao bolsonarismo que passou a dominar esses veículos e por ser considerado petista devido ao fato de, por pluralismo, dar espaço à esquerda, recebi vários convites para ser candidato nas eleições de 2022.
Convites de partidos de esquerda, centro e centro-direita.
Poderia ter aceito um deles.
Eram todos honrosos.
O fato de virem de todos os lados me dá orgulho.
Ofereceram-me a possibilidade de concorrer a deputado estadual ou federal com apoio para uma campanha consistente e competitiva.
Recusei todos por querer continuar como professor e jornalista.
Humano, demasiado humano, depois de recusar eu me pegava pensando que podia ter aceitado só para, na possibilidade certamente improvável de eleição, gozar as delícias de uma pequena vingança:
Ser convidado para entrevistas pela mídia de Porto Alegre.
Eu, o proscrito, sendo cortejado para falar.
Nos roteiros que escrevi na imaginação ora eu dizia sim, ora dizia não, ora valorizava o passe negando muitas vezes até aceitar.
Na Guaíba eu tocaria o terror ao vivo, dizendo, só para assustar, que, ao final, falaria da Universal e de Edir Macedo.
O microfone seria cortado, chamariam a segurança, me expulsariam? Fico imaginando o diretor do outro lado do vidro suando e fazendo sinais desesperados para me calarem. O programa sairia do ar.
Claro que eu não me comportaria assim nem tenho qualquer coisa a dizer, a não ser sobre a censura que sofri. Se aceitasse, seria em programa de amigos, que não têm culpa dos delírios ideológicos dos chefes. O mais provável é que nem me convidassem, por ordem superior, salvo se, para surpresa e medo, eu me destacasse e fosse autor ou relator de algum projeto importante. Aí seria aquela saia justa.
Fico imaginando a seguinte situação: Lula se elege presidente da República. A Universal adere ao governo dele, como já fez no passado, e seus veículos precisam mudar repentinamente de posição.
O que farão os bolsonaristas de plantão?
Terão de defender quem atacavam ou silenciar.
Imagino as lágrimas de viúvas de Bolsonaro, a fúria de alguns e a demissão dos incapazes de se adaptar à nova conjuntura.
Fui deputado por alguns instantes de vaidade.
Depois de deputado eu me elegia prefeito e governador.
Não daria tempo de ser presidente, ou só muito velho.
Se tivessem me convidado para o Senado eu teria aceitado. Minha glória seria ganhar de Lasier Martins. Nada tenho contra ele, que sempre foi muito gentil comigo, mas seria para vingar Olívio Dutra e Pedro Simon. Além disso, oito anos de mandato me cairiam muito melhor.
Felizmente sou uma pessoa razoável e não aceitei.
*
E Gilberto Gil ajoelhou para a Academia Brasileira de Letras. No seu discurso de posse achou elogios para o general Aurélio de Lyra Tavares, um dos seus antecessores na cadeira nº 20. Lyra Tavares era ministro do Exército quando Gil e Caetano foram presos, em 1968, pela ditadura, e membro da junta militar que governo o país por alguns meses depois da morte de Costa e Silva. Gil concedeu: Os que conheceram e conviveram com o general Lyra Tavares nesta Casa reiteram o seu comportamento sempre afável e solidário, sua cultura literária e histórica e sua dedicação aos valores que balizam a história da ABL.
Desculpou-se também por ter debochado um dia, na capa do seu segundo disco, da gloriosa ABL de Machado de Assis, Joaquim Nabuco e Lyra Tavares, de fardão e pincenê. Num poeminha, Gil fez ato de contrição:
Eu mesmo, nos meus tempos de aventuras,
cheguei a envergar um garboso fardão,
vestido então como ironia dura,
a fantasia pura da ilusão!
Juntava-me, naquele instante, aos muitos
que alfinetavam a Instituição
mal sabia eu quais os intuitos,
do destino astuto a interrogação.
Um amigo lembrou-me outro dia
que as ironias sempre trazem seu revés.
Papéis trocados, eis aqui, vida vadia:
fardão custoso, bordado a ouro, vistoso,
me revestindo da cabeça aos pés.
As instituições sempre vencem. Gil foi deglutido.
Antropofagia brasileira.
Quem, contudo, já não se ajoelhou?