Juremir Machado da Silva

Mulheres fortes, filmes inesquecíveis

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Mulheres fortes, filmes inesquecíveis Foto: Divulgação

Faço parte da tribo dos que gostam de filmes ancorados em adaptações de livros. Se o filme for ruim, ainda assim restará o livro, se era bom. Um bom romancista costuma ser melhor do que quase todo roteirista. Um exercício que me encanta, assim como aos algoritmos, é ver ou rever uma sequência de filmes com unidade temática. Por exemplo: “Orgulho e preconceito”, baseado na obra de Jane Austen; “Jane Eyre”, adaptação do livro de Charlotte Brontë; e “O amante de lady Chatterley”, calcado no romance de D. H. Lawrence. São três filmes românticos, com final feliz ou quase isso. O que os aproxima: mulheres fortes, homens rígidos, costumes opressivos.

Jane Austen, em “Orgulho e preconceito”, trata da cultura machista e engessada da Inglaterra no final do século XVIII e começo do século XIX. Elizabeth Bennet, jovem e inteligente, a segunda das cinco filhas de um proprietário rural, é a protagonista que dá o tom da história. Charlotte Brontë, em “Jane Eyre”, conta a história da formação de uma menina órfã, educada numa escola austera, que, adulta, será preceptora de uma criança e se apaixonará pelo patrão. Se Elizabeth precisa desengessar o senhor Darcy, Jane se vê às voltas com as esquisitices de Rochester, que termina cego. A mais contundente das personagens dessas histórias de confronto com a cultura dominante é Lady Chatterley, que, casada com um homem rico, impotente e paraplégico por ferimento de guerra, torna-se amante do guarda-caça do marido. Ela vai à luta pelo prazer e bate de frente com o sistema.

Três filmes, três livros, duas escritoras e um escritor, três diretores, um mesmo imaginário: Joe Wright (“Orgulho e preconceito”), Cary Joji Fukunaga (“Jane Eyre”) e Laure de Clermont-Tonnerre (“O amante de lady Chatterley”). Três atrizes esplendorosas: Emma Corrin (Lady Chatterley), Mia Wasikowska (Jane Eyre) e Keira Knightley (Elizabeth). Os homens correm atrás:  Jack O’Connell (Oliver Mellors) e Matthew Duckett (Clifford Chatterley); Michael Fassbender (Edward Rochester) e Matthew Macfadyen (Darcy). Além de boa distração, esses filmes fazem pensar sobre os estragos das culturas patriarcais. Conseguir um “bom” casamento para uma jovem, mesmo linda, no século XIX inglês, podia ter um custo elevado: era uma venda casada, com o perdão do trocadilho. O pai entrava com a filha e com o dote. Buscava retorno. Um marido que, com sua fortuna, garantisse o futuro da moça. Se uma família só tinha filhas, a herança ia para algum parente do sexo masculino. Um sistema desse exige séculos de perversidade.

As mulheres eram educadas para o casamento como ideal de vida e de submissão aos princípios apresentados como naturais. Os homens na cultura ocidental sempre foram formados para dominar. Os filmes em tela – outro trocadilho infame – aliviam um pouco em relação aos livros. Afinal, os telespectadores costumam ser menos severos do que os leitores. A desconstrução desse sistema impiedoso continua em curso. Ela passa pela cena em que Lady Chatterley diz ao seu amante:

– Eu quero que você me foda.

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