Juremir Machado da Silva

O vírus e o coffee break

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O vírus e o coffee break

Declaro minha perplexidade. Sou um cronista perplexo, um observador atônito dos fenômenos sociais mais em voga. Por exemplo, o grande número de pessoas, inclusive idosas, sem máscara em aglomerações. Andar sem máscara, neste momento de aceleração das contaminações, é como sair na rua, nestes dias frios, sem camisa. Pelo jeito, tem-se mais medo do frio que do coronavírus. Ouço muito gente dizendo que ficou gripada por ter pego frio. O vírus, por não ser visível, deve parecer menos perigoso. Tudo o que ouvi até hoje sobre as máscaras é pura balela. Mais ou menos como a resistência que existiu em algum momento contra o uso do cinto de segurança. Papo de liberdade de neoliberais e de velhos comunistas.

Nada que uma boa multa não resolva. O mais interessante em relação às máscaras é o uso com intervalos. Estão todos de máscara. De repente, alguém anuncia: coffee break, que não se fala mais intervalo para café ou cafezinho. É mágico. Todos se amontoam e tiram as máscaras. Durante 15 minutos fica-se sem qualquer proteção. Imagino que se tenha combinado com o vírus uma trégua para o cafezinho. Só pode. Como o vírus deve ter um senso ético altamente desenvolvido, não ataca durante essa pausa socializante. Se bem que as contaminações em festas de aniversário, de Natal e de família são enormes, o que depõe contra o corona. Há quem ache que isso revela que ele não é por Deus, Pátria e Família. Outros, porém, consideram que ele é um franco-atirador cruel, ateu, comunista, safado e inimigo do presidente capitão Jair Bolsonaro.

Outro dia, quando anunciaram um coffee break, um dos presentes, apaixonado por futebol e por suas histórias, não se conteve:

– Só faltou combinar com o vírus.

Não houve resposta. Outro momento em que o vírus é solenemente ignorado é o das fotos. Por um belo sorriso, tira-se a máscara. Parece que cientistas descobriram que o vírus não age durante o coffee break nem durante a selfie ou a foto de família. Até aquela palavra usada para provocar simulações de sorrisos na hora da foto está mudando. Afinal, tudo muda neste mundo veloz. Já não se fala “xis” nem “uísque”:

– Diga vírus – fala o fotógrafo.

– Vírus – todos repetem.

Em seguida, tomam um café. Depois, recolocam as máscaras. Não é incomum que após o intervalo se ouçam discursos sobre a importância de manter o uso das máscaras. Conto de ouvir dizer. Sou cronista repórter. Pergunto, questiono, quero saber, vejo reportagens, investigo, enfim.

A humanidade é plástica. Sabe como se moldar e como moldar as situações. Está driblando o vírus com fotos e intervalos para o café. O danado fica furioso e sofre mutações para dar o troco. Quem, como eu, resiste ao máximo a tirar a máscara começa a ser olhado com certo ar de pena. Juro que ouvi dia desses alguém dizer de um senhor mascarado:

– Lá vem aquele chato que nunca tira a máscara.

– Bah! Deve dormir de máscara.

– Pior, deve transar de máscara.

– Se é que transa.

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