Juremir Machado da Silva

Palomas, Porto Alegre, Paris

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Palomas, Porto Alegre, Paris

Uma vez escrevi uma crônica que encontrou muitos leitores. Foi na Zero Hora. O título era “Paros, Paris, Palomas”. Eu morava em Paris. Estava em Paros, na Grécia. O cheiro de figo maduro me fazia sentir saudade da bucólica Palomas. Hoje, passados 30 anos, sei que vivo entre Palomas, Porto Alegre e Paris. Não incluo Paris por afetação. Criei um laço forte com a capital francesa. Quando Porto Alegre solta a minha mão, tenho vontade de voltar para Palomas ou Paris. Conheço seus cheiros, cores e humores. Tenho meus lugares em Paris. Paros ficou para trás. Nunca mais voltei lá. Ainda guardo, num recanto da alma, o cheiro de figo maduro daqueles dias felizes. A alma tem recantos que se fecham em proteção ao que vivemos e amamos.

Sem qualquer originalidade, posso dizer que saí de Palomas, se é que realmente saí, mas Palomas nunca saiu de mim. Nem sairá. Porto Alegre entrou em mim como uma estranheza. Comecei por Navegantes, fomos para o Sarandi, voltamos para o Jardim Ipiranga. Daí em diante me vi sozinho com a cidade, pernoitando na Vila Cefer e no Jardim Botânico, até dividir um quarto modesto com o saudoso Ricardo Carle no Partenon. Então comecei a migração em direção aos meus lugares: Cidade Baixa e Bom Fim. Oficialmente, pelo CEP, meu bairro é Santana. À meia quadra da Osvaldo Aranha, porém, só posso vê-lo como Bom Fim. Aqui tenho meu passado de estudante e de boêmio, apaixonado por Belchior, Stirner e Rimbaud, e meu presente de sexagenário. Já não sei viver sem o Parque da Redenção. Cada rua me cumprimenta como a um dos seus.

Acredito que a humanidade se divide em duas categorias: os que querem ir embora e os que sonham em voltar para a terra natal. Faço parte do segundo grupo. Se penso em fechar o ciclo em Palomas, sei também que já não me separo de Porto Alegre. Paris, um dia, ficará para trás como Paros, pois como Rita Lee eu já não acredito nos aviões. Não por medo de que caiam. Por temor irracional de me sentir mal dentro de um deles e causar constrangimento aos demais. De onde vem essa ideia? Não tenho a menor ideia. Nada que um Rivotril não resolva, eu me digo, sem crer profundamente.

Em Palomas, lendo Stendhal, Balzac e Flaubert, enquanto vendia melancias junto à BR-158, sonhei com Paris até que meu sonho virasse realidade: histórias para contar e guardar. Fiz antes uma longa parada em Porto Alegre para me preparar. Quando vi, havia raízes que se prolongavam dos meus pés. Agora, quando volto a Palomas, posso sonhar com Paris e confundir meus sonhos com lembranças, sabendo que, em seguida, estarei em Porto Alegre organizando os recantos da alma, toda ela perfumada por cheiro de figo maduro e pontilhada pelas iluminações de sol de primavera. Como dizia aquela música cantada por Milton Nascimento, já não sonho, hoje, modifico a letra, faço com meu coração o meu viver. Viverei em Porto Alegre a cada pôr do sol, morrerei em Palomas a cada encarnação, andarei por Paris enquanto tiver forças para colocar o pé na estrada e me enlatar em avião.

Minha cidade é Palpoaris.

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